Pesquisa feita na UFJF é pioneira na área e foi reconhecida pela revista Nature (Foto: Divulgação)

O coração é uma bomba mecânica responsável por irrigar o corpo inteiro com nutrientes e oxigênio, imprescindíveis para a manutenção da vida. Dentro desse órgão estão presentes diversas vias para o transporte do sangue, as veias –  com fluxo direcionado do corpo ao coração – e as artérias – do coração ao corpo. Para que esse transporte seja feito de forma eficiente, o caminho deve estar livre para a passagem do sangue, fazendo o trabalho de nutrir cada célula presente no corpo humano. Mas o que acontece quando obstáculos se encontram pelas vias? Vários fatores causam obstrução dos vasos sanguíneos, como o hábito de fumar, hipertensão, diabetes, colesterol alto, que podem provocar a necrose, popularmente conhecida como infarto. Segundo dados de 2016, do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), por volta de 30% das mortes no mundo todo ocorrem devido às doenças cardiovasculares.  

Um estudo de um grupo de pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Modelagem Computacional da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) foi reconhecido internacionalmente pela revista Nature e é o primeiro no mundo a comprovar que o comportamento do pulso elétrico, quando contido pela heterogeneidade do tecido cardíaco após um infarto, é reproduzido em corações humanos artificiais. É um passo importante para a ciência e para a medicina, pois corrobora a teoria de que pessoas que sofreram ataque cardíaco têm maior probabilidade de sofrer de arritmia cardíaca. Para Rodrigo Weber, um dos professores do programa, esses resultados são um grande passo para desvendar uma doença perigosa.

“Existe um interesse científico enorme para entender o funcionamento do coração e desenvolver ferramentas de aplicação clínica, porque estamos estudando as doenças que mais matam no mundo”

A resolução de um mistério de meio século

O pulso elétrico é como o regente de uma orquestra – se algo errado acontece com ele, o ritmo de todos os músicos se perde, fazendo com que a música pare. Quando uma pessoa sofre um ataque cardíaco, o tecido afetado pela artéria coronária se torna altamente heterogêneo, contando com a presença de células mortas e vivas. Essa condição cria um verdadeiro labirinto, onde o pulso elétrico, que dita o ritmo do batimento cardíaco, se perde e fica preso, causando arritmia cardíaca. Preso no labirinto, o pulso elétrico começa a reestimular a mesma área do músculo cardíaco de forma desgovernada. Em vez de bater seguindo o ritmo, o coração começa a “tremer”. Sem o trabalho de irrigação do sangue para todo o corpo promovido pelo coração, o paciente morre.

Os pesquisadores da UFJF desenvolvem modelos computacionais para entender melhor os fenômenos e as possíveis soluções para os problemas clínicos que envolvem o coração. Por meio desses modelos, é possível simular diferentes áreas do coração, verificando dados encontrados em experimentos e investigando diferentes aspectos do funcionamento e da propagação elétrica no órgão, por exemplo. Segundo Rodrigo Weber, “existe um interesse científico enorme para entender o funcionamento do coração e desenvolver ferramentas de aplicação clínica, porque estamos estudando as doenças que mais matam no mundo: as cardiovasculares”.

O reconhecimento da pesquisa do grupo também ocorreu deu porque seus estudos podem indicar a resolução de um dos maiores mistérios envolvendo o funcionamento do coração. Por meio de modelagem computacional feita em um paciente que sofreu ataque cardíaco, os pesquisadores conseguiram simular o que acontece em áreas afetadas por um infarto. Rodrigo Weber revela que este é um grande passo para desvendar uma doença perigosa. “Na ressonância magnética, conseguimos representar em um computador o que acontece no coração. Com o uso de modelos matemáticos para simular o funcionamento do pulso elétrico, nós mostramos realmente que esse mecanismo acontecia no infarto.”

É o primeiro estudo a comprovar que o comportamento do pulso elétrico, quando contido pela heterogeneidade do tecido cardíaco após um infarto, é reproduzido em corações humanos artificiais

Presente no cotidiano
A modelagem computacional tem como objetivo fazer simulações usando o computador para representar de alguma forma um fenômeno ou um sistema. Possui diversos tipos de aplicações, desde as clássicas – engenharia espacial e engenharia de petróleo, para desenvolver modelos de aviões e postos de petróleo e testá-los de diversas formas, para depois passar para prototipagem, por exemplo – até aquelas que estão presentes em nosso dia-a-dia, como na medicina em diagnósticos, em tomografias e ressonâncias. Weber afirma que “o modelo do coração vem da interpretação de radiografias e de ressonâncias eletromagnéticas, combinado com informações experimentais e modelos matemáticos para oferecer esse tipo de diagnóstico por imagem médica”.

Segundo Joventino Campos, doutorando do programa, as principais finalidades das pesquisas do grupo é ajudar os médicos a sanar problemas, entender melhor o coração e conseguir auxiliar em processos invasivos. Um exemplo que já  está bem próximo da aplicação é o uso de modelagem computacional em implantes de marcapasso. “É um procedimento bastante invasivo e, por meio de simulações computacionais, já estão conseguindo encontrar a melhor posição para colocar o marcapasso sem que o paciente sofra tanto com a ‘tentativa e erro’ que acontece ao implementá-lo” esclarece. O aluno também destaca que a modelagem computacional permite que cirurgias sejam simuladas antes de serem performadas, de forma que o procedimento seja o menos árduo possível para o paciente.

O mecanismo de modelagem computacional do coração poderá ser utilizado de forma clínica por médicos, futuramente, para o diagnóstico de áreas do músculo cardíaco que podem vir a causar arritmia, por exemplo. Segundo os pesquisadores, o propósito mais ambicioso da pesquisa é permitir, usando a modelagem, que o tratamento seja feito de maneira personalizada para cada paciente. Por meio das simulações de corações específicos, os médicos poderão prescrever tratamentos diferentes dependendo da situação de cada pessoa. “Com o tempo e mais pesquisas, essa ferramenta pode vir a se tornar uma técnica não-invasiva para auxiliar o médico no cotidiano dele com os pacientes. Isso não gera só retorno pra sociedade melhorando a saúde, como também gera emprego, formando profissionais novos que podem prestar serviços para esse tipo de solução clínica”, conclui Weber.