Estava difícil para Simone Monteiro segurar a emoção durante a realização de sua matrícula, na tarde desta terça-feira, 26. E há razões de sobra para isso. Depois de quase 20 anos alimentando o sonho de ingressar no ensino superior, ela é a mais nova discente do curso de Administração do campus Governador Valadares da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-GV). A valadarense de 38 anos é um dos seis alunos do Cursinho Comunitário, Camponês e Popular a garantir vaga em uma faculdade, cinco deles em instituições federais.
Em sua primeira edição, realizada em 2018, o projeto ofereceu aulas gratuitas para cerca de 50 estudantes e egressos de escolas públicas de baixa renda se prepararem para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Uma nova oportunidade
A iniciativa chamou a atenção de Simone. Mãe de três filhos – com idades entre 9 e 14 anos – e ainda de luto pela morte do marido, ela encarou o curso como uma oportunidade de dar prosseguimento ao projeto que quase duas décadas antes as circunstâncias da vida se encarregaram de interromper. “Aqui na cidade só tinha faculdade particular. Meus pais não tinham condições de me manter fora em uma faculdade federal. Depois, eu me casei e meu esposo não aceitava muito a ideia da mulher dele fazendo faculdade. Aí fiquei viúva e muito deprimida. O cursinho me deu uma nova esperança”, destacou.
Foram dois meses de curso que, segundo Simone, apesar de ser um período curto foi decisivo para a sua aprovação. “Eu pude recordar matérias e teve até algumas que eu não me lembrava mais. Foi isso que me ajudou a conseguir uma nota boa para essa vaga na universidade”, afirmou. Ela explicou que várias questões do Enem abordaram os conteúdos apresentados no cursinho.
Ao todo, 25 estudantes do campus se revezaram na missão de ministrar as aulas. Esses adolescentes e jovens atuaram voluntariamente, apresentando as disciplinas cobradas no Enem, mas também suas experiências, no que a educadora e uma das idealizadoras do projeto, Clara Mendes, define como “processo ativo de aprendizagem”. Na opinião dela, “não é somente transformar a realidade da pessoa no sentido de entrar na universidade, mas sim transformá-la em cidadão, formar a consciência crítica”.
Fazendo a diferença
A estudante de Ciências Econômicas sabe muito bem a diferença que cursos comunitários fazem na vida de pessoas de baixa renda. “Eu vim de um na minha cidade em Guarulhos. Tinha que pegar dois ônibus para ir para o cursinho e não tinha condição de bancar esse custo. Então eu morava, estudava e dava aula de reforço nesse mesmo cursinho”, disse Clara. Por isso, em 2014, quando foi aprovada para a UFJF-GV, tratou logo de implementar a atividade em Valadares. Ela se juntou ao assistente social do campus, Vinícius Mendes, ao professor Henrique Queiroz e a outros cinco estudantes e deram início ao projeto.
Além de educadora, Clara se transformou em amiga, uma espécie de anjo da guarda de Simone. Durante todo o procedimento de matrícula, lá estava ela ajudando a separar os documentos e apresentando alguns espaços onde a caloura de Administração vai ter aulas. E a discente estava muito empolgada com a ideia de ter sua ex-aluna do cursinho como colega de universidade. “É indescritível a sensação. Além de ser a realização de um sonho, foi muito gratificante ver que deu certo”, afirmou.
E quem também está com a sensação de dever cumprido é o coordenador do projeto, Vinícius Mendes. “É muito gratificante ver o projeto ter bons resultados em tão pouco tempo. Quando iniciamos tínhamos a proposta de contribuir com a transformação da realidade de jovens e famílias de Governador Valadares e região através da educação. O ingresso numa universidade é um fator que proporciona ascensão social ao estudante e a sua família. O que nos motiva é a vontade e necessidade da fazer com que a universidade pública desempenhe sua função de transformação social”. A expectativa de Vinícius é que a nova edição do cursinho – cujas aulas começam na próxima segunda-feira, 1º – “gere frutos de universitários comprometidos com as causas sociais e com a defesa de uma universidade pública, gratuita e de qualidade para todos”.