Diferentemente dos filhotes de outras espécies, o ser humano nasce inteiramente dependente de um adulto para sobreviver. Não consegue se movimentar sozinho e precisa de auxílio para a maioria das atividades essenciais para manter a vida. A alimentação até os 6 meses de idade, por exemplo, deve se basear somente na ingestão de leite materno. A partir desse ponto, a introdução alimentar tradicional é basicamente estabelecida com preparações em consistência pastosa, mediante o uso de colher. Os pais/cuidadores são os responsáveis pela definição dos momentos de início e término das refeições, do volume e da velocidade em que elas são realizadas. Dessa forma, os bebês começam a se nutrir através da decisão de um adulto e são alimentados passivamente.
Porém, o método baby-led weaning (BLW), difundido principalmente nos Estados Unidos e na Europa, sugere que bebês, a partir do sexto mês de idade, já têm capacidade motora para guiarem a própria ingestão. Bebês com crescimento e desenvolvimento adequados são aptos a iniciarem o consumo de alimentos em pedaços, sendo desnecessárias alterações substanciais de consistência (papas ou purês, por exemplo). Nessa abordagem, os bebês têm acesso à comida da família, na consistência habitual, sendo encorajados a pegarem os alimentos sozinhos e a levá-los à boca, sem o uso de colher. Os pais/cuidadores atuam em caráter intermediário, devendo apenas disponibilizar alimentos palpáveis e saudáveis, em um ambiente agradável, para que os bebês possam exercitar suas habilidades motoras.
Com objetivo de revisar as constatações científicas a respeito do método BLW no âmbito da alimentação complementar de bebês, pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) realizaram um estudo de revisão da literatura sobre o tema, disponível em inglês. A pesquisa ganhou destaque midiático ao ser abordada em matérias de jornais de grande circulação. “A divulgação midiática acerca da existência e eficácia do BLW é de grande relevância, porque oportuniza a exposição de conteúdos com respaldo científico e, portanto, o estabelecimento de discussões robustas, baseadas em evidências. Além disso, gera um efeito cascata a favor da democratização do acesso à informação, contribuindo, assim, para a desconstrução do recorte social ligado à prática do método”, afirma Felipe Neves, um dos pesquisadores por trás do estudo.
O bebê responsável por sua alimentação
Os alimentos que são ofertados devem se basear na aceitação dos bebês, que varia de acordo com as necessidades individuais: são eles que regulam qual tipo de comida, a quantidade da mesma e o ritmo no qual será consumida em cada refeição. A implementação do BLW também requer sinais de destreza relativos ao desenvolvimento, incluindo equilíbrio postural para se manter sentado com pouco ou nenhum auxílio, bem como estabilidade para alcançar, agarrar e conduzir os alimentos à boca, cabendo a um profissional de saúde avaliar as especificidades dos bebês e prescrever as recomendações mais apropriadas aos respectivos contextos familiares.
“As principais evidências que dispomos na literatura demonstraram que os bebês adeptos ao BLW foram mais propensos a consumir os mesmos alimentos ingeridos pela família e a compartilhar os momentos de refeição. Além disso, exibiram maior autorregulação da saciedade e menor exigência alimentar”, revela Neves. Alguns pesquisadores ainda acreditam que a introdução deste método ameniza o risco de obesidade, defendendo duas hipóteses que possivelmente justificam a maior probabilidade de desenvolvimento de hábitos saudáveis em bebês introduzidos no BLW. A primeira se refere ao aspecto qualitativo: os alimentos comumente ingeridos no período inicial do BLW são frutas e legumes frescos ao invés de ultraprocessados; já segunda aborda o aspecto quantitativo: os bebês tendem a exibir um melhor controle sobre o quanto comem, porque são eles que levam os alimentos à boca, ingerindo, dessa forma, apenas o suficiente.
BLW no Brasil
Nenhum estudo disponível na literatura avaliou a população do Brasil, apenas de países da Europa e da América do Norte, o que restringe a extrapolação de certas constatações para a realidade brasileira. “A prática do BLW, assim como o ato de comer em si, envolve uma série de determinantes socioculturais, mais do que qualquer parâmetro estritamente biológico. Existem muitas questões não esclarecidas e, para isso, precisamos de novas pesquisas com níveis elevados de evidência”, explica Neves. Atualmente, dando sequência à linha de pesquisa, o grupo está realizando um estudo original na região Sudeste do país para avaliar as percepções de profissionais de saúde que atuam em pediatria (ou subárea afim) acerca do BLW. “Isso certamente responderá algumas das perguntas que estão em aberto e servirá de apoio para a fundamentação de outras hipóteses a serem pesquisadas no futuro”, conclui.