Convidada pelo Programa de Pós-graduação em Economia (PPGE/UFJF), a jovem economista Jamie Pavlik procura fugir dos lugares-comuns ao falar sobre suas pesquisas. Professora na Texas Tech University, ela estuda os fatores e os impactos econômicos da corrupção.
Durante sua visita à Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), ela conversou com os estudantes sobre as ferramentas utilizadas em seus trabalhos e alertou contra conclusões precipitadas acerca de seu polêmico tema de pesquisa.
Nesta entrevista, Jamie falou sobre os desafios encontrados em seu trabalho, sobre os diversos tipos de corrupção, seus fatores e impactos em diferentes países. Dessa conversa, surgiram duas conclusões: é preciso ter cuidado ao interpretar dados e reconhecer a complexidade dos problemas para melhor entendê-los.
UFJF – Como você define “corrupção”? Podemos dizer que se concentra na interação ilegal entre os setores público e privado, ou é algo que pode ocorrer no setor público isoladamente?
Jamie Pavlik – Essa pergunta é uma parte importante do que eu vim discutir aqui. Não existe uma definição universal. Pelo entendimento acadêmico, é o uso indevido do cargo público para benefício e enriquecimento próprio.
Mas isso envolve várias práticas e cenários diferentes. A cobrança de propinas, por exemplo: existem casos de autoridades públicas extorquindo pessoas ou empresas; e há casos em que autoridades as beneficiam. Muitas vezes, quando estamos estudando corrupção em diferentes países, nós ficamos tentados a usar uma única definição para compará-los. Mas isso não é possível, porque a corrupção é diferente em cada país, em cada lugar.
Da forma como eu estudo, autoridades públicas ou políticas nem sempre estão envolvidas. Existe uma forma diferente de corrupção no setor privado, onde há escândalos de empresas e corporações. Mas minhas pesquisas não envolvem esses casos.
UFJF – Em um de seus trabalhos sobre o Brasil, você fala sobre “dependência espacial” da corrupção. Você poderia explicar esse conceito?
Jamie Pavlik – Dependência espacial quer dizer, basicamente, “você faz aquilo que seu vizinho faz”. Nesse caso, uma região é mais corrupta se seus vizinhos são corruptos. Isso ocorre porque, provavelmente, existe mais comércio, comunicação e trocas entre regiões geograficamente próximas do que entre regiões afastadas.
Se algum de seus vizinhos possui instituições ou fatores culturais — não necessariamente corrupção — você pode adotar essas características, porque quando se está realizando trocas, você aprende comportamentos.
Isso pode acarretar resultados bons ou ruins. Nós usamos o conceito de dependência espacial em diversos aspectos da economia, como renda e desenvolvimento. Se uma região está crescendo, existe uma tendência que esse desenvolvimento respingue nas áreas do entorno. Então é um fator importante a ser considerado.
UFJF – É possível estimar o custo da corrupção na economia?
Jamie Pavlik – Algumas pessoas tentam. O Banco Mundial estima que, anualmente, o pagamento de propinas (que é apenas um tipo de corrupção) custa cerca de US$ 2 trilhões à economia mundial. Isso é algo próximo à 3% do PIB global. Isso provavelmente é subestimado, porque muitos dos impactos da corrupção são indiretos. O maior deles, que eu acredito ser pouco estudado, é o fato da corrupção deslocar recursos.
Um exemplo disso é um político distribuindo contratos. Normalmente, na forma como economistas pensam esse processo, a empresa mais eficiente ganha o contrato. Se há corrupção, esse nem sempre é o caso. É complicado entender quais são os custos disso, porque não existe um prejuízo direto em ninguém. O que ocorre são oportunidades perdidas. E isso não vai ser incluído nas estimativas.
Nós podemos pensar sobre isso, mas são necessários mais estudos.
UFJF – Qual o impacto da corrupção na sociedade?
Jamie Pavlik – Depende de para quem você pergunta e qual país está sendo observado. Eu não gosto de dizer “a corrupção está prejudicando a economia”. Inclusive, alerto meus colegas sobre esse tipo de lugar-comum.
O presidente do Banco Mundial afirmou que corrupção é “o inimigo público número um” para o desenvolvimento. Mas não está claro que, se resolvermos a corrupção sem alterar qualquer outro fator, teremos uma mudança real.
O grande desafio na nossa área de estudo é que nós não conhecemos os impactos da corrupção. É possível que exista muita corrupção na sociedade devido a outros fatores e que esses fatores estejam causando os maus resultados que vemos.
Podemos ter uma economia muito regulada em algumas sociedades, onde é demorado abrir uma empresa, por exemplo, e observamos a corrupção surgir como uma resposta para isso. Então, acho que a melhor resposta é: depende. Nós precisamos enxergar como um todo as situações que ocorrem nos países.
UFJF – Observamos a corrupção em diferentes países, porém, existe alguma característica comum?
Jamie Pavlik – Existem algumas correlações. Novamente, não quer dizer que essas são as causas da corrupção, são apenas características gerais. Mas nós vemos que países com menos corrupção tendem a ser menos economicamente regulados. E toda a ideia, nesse caso, é que existem menos oportunidades para cobrar ou pagar subornos, porque as autoridades públicas não tem tanta influência [no setor privado]. Sociedades democráticas também apresentam índices um pouco menores de corrupção
UFJF – A cultura do país é um fator de impacto?
Jamie Pavlik – A cultura é, também, produto do ambiente. Então, é complexo distinguir o que pode ser apenas um desses comportamentos aprendidos através da prática, daquilo que seriam diferenças inerentes entre as sociedades. Não existe uma correlação clara entre cultura e corrupção.
UFJF – Você poderia comparar as realidades do Brasil e dos EUA, no contexto da corrupção?
Jamie Pavlik – Nos EUA, a corrupção é um pouco mais “escondida”. Uma das coisas que faço, durante minhas aulas, é abrir o site do FBI e mostrar os casos de corrupção que vem ocorrendo na região. Meus alunos costumam ficar surpresos, porque não é um assunto muito falado, mesmo na mídia. Então não acho que tenha um impacto tão grande quanto em lugares como o Brasil.
Outra diferença que torna esses casos de corrupção menos percebidos é que, se uma autoridade pública tentasse extorquir uma empresa, esta poderia, simplesmente, procurar os Tribunais e reportar essa extorsão. A corrupção que acontece tende a beneficiar as empresas e permanece em segredo.
Existe um estudo muito interessante que observa a relação entre corrupção e informalidade, e compara a corrupção entre países menos ricos e países mais ricos. Nos países mais ricos, o estudo aponta que a corrupção tende a beneficiar as empresas formais. Enquanto nos países menos ricos, a corrupção é mais extorsiva e tende a oprimir pessoas à informalidade.
São situações radicalmente diferentes, não apenas entre o Brasil e os EUA, mas entre qualquer país.
UFJF – Você acredita que estudos como os seus podem criar ferramentas para combater a corrupção?
Jamie Pavlik – Idealmente, sim. Esse é o objetivo. Eu acredito que são necessários mais estudos para gerar uma contribuição sólida. Acredito que as políticas anti-corrupção deveriam ser mais estudadas. Por isso, gosto de investigar as experiências no nível municipal no Brasil. Porque, se funcionarem, elas podem ser úteis em qualquer lugar. É importante conhecermos os efeitos inesperados dessas políticas, para podermos melhor informar gestores e legisladores.
UFJF – Você comentou sobre o impacto do machine learning no seu campo de estudo. Você acha que essa tecnologia pode ser um instrumento interessante para combater a corrupção?
Jamie Pavlik – Acredito que isso vai mudar a Economia inteira e rapidamente. E vai nos auxiliar a encontrar padrões e causas da corrupção.