Por Raul Mourão
“Foi uma bola de boliche bem jogada”, resume o comerciante Manoel Braga, em referência à tragédia em Brumadinho. O rio e as cidades no caminho da lama são a pista de arremesso. As pessoas e os animais tratadas como pinos em um strike trágico que levou a vida de ao menos 134 indivíduos. Mais 199 estão desaparecidos, conforme levantamento do Corpo de Bombeiros, divulgado na segunda, 4. E outros milhares foram afetados pelo rompimento.
Natural de Brumadinho, Manoel viu reduzir, na semana passada, 70% da clientela do bar, localizado em uma comunidade rural, onde mora, às margens do Paraopeba, no limite entre Curvelo e Pompéu, a cerca de 200 quilômetros de Brumadinho. “Paguei R$ 3.900 neste freezer, no mês passado, para usar nas vendas de carnaval. Não sei como vai ser. Temos que esperar, porque a recomendação é de não usarmos a água do rio”, conta Manoel, que perdeu um amigo na tragédia.
Os pesquisadores percorrerão, em três dias, mais de mil quilômetros desde a proximidade da foz do rio Paraopeba, em Felixlândia, até trechos antes do rompimento da barragem em Brumadinho
O depoimento do comerciante é uma das histórias ouvidas pelo grupo de professores e estudantes da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), da Universidade Estadual de Goiás e do Instituto Federal do Norte de Minas que entram, nesta terça, 5, no segundo dia de expedição. Os pesquisadores percorrerão, em três dias, mais de mil quilômetros desde a proximidade da foz do rio Paraopeba, em Felixlândia, até trechos antes do rompimento da barragem em Brumadinho.
Um dos objetivos da expedição é verificar os danos socioambientais causados pelo rompimento da Barragem I da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, onde estavam depositados 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. Até a manhã desta terça, já foram coletadas seis amostras de água em quatro locais visitados.
Os trabalhos são os primeiros em campo da rede de ensino, pesquisa e extensão, formada na UFJF, na última semana, para entender a tragédia e propor soluções em diversas frentes de atuação. A expedição se desenvolve em dois eixos simultâneos: “Investigação preliminar de danos ambientais” e “A voz dos invisíveis”. Após o fim do percurso, será desenvolvido um terceiro eixo com os laudos.
Coleta e danos
A análise independente de afluentes e de outros mananciais é um dos diferenciais deste trabalho de campo
Na primeira frente, são ao menos oito municípios visitados para coleta de água e sedimentos do rio Paraopeba, de seus afluentes e outros mananciais utilizados pela população, como poços artesianos. O professor do Departamento de Geociências da UFJF Miguel Felippe explica que a coleta não se restringe ao Paraopeba – principal curso d’água atingido – porque os rejeitos podem se infiltrar no solo, chegando a lençóis freáticos em contato com poços, por exemplo, ou serem levados do Paraopeba para seus afluentes, em refluxo, seja pela diferença de força entre as águas ou cheia do rio. A análise independente de afluentes e de outros mananciais é um dos diferenciais deste trabalho de campo.
A primeira coleta de poço foi realizada na casa do síndico de um condomínio rural, Rui Corrêa Nunes, localizado logo após a Usina Hidrelétrica Retiro Baixo, em Felixlândia. O material será levado para conclusão das análises em laboratório na UFJF. Nesse ponto do rio Paraopeba, não há sinais visíveis da chegada de rejeitos. No entanto, a população mostra-se temerosa, pois há previsão de chegada até o próximo dia 10. “Neste domingo, rancheiros vieram se despedir do rio”, conta Rui.
Águas turvas
No próprio campo de coleta, está sendo possível atestar o nível de turbidez da água utilizando o aparelho chamado turbidímetro. Conforme o professor Miguel Felippe, o tom turvo pode indicar presença de argila e outros sedimentos. A análise laboratorial indicará a composição do material e a comparação com os elementos de rejeitos de mineração.
Na amostra recolhida na zona rural do município de Papagaios, a cerca de 140 quilômetros de Brumadinho, o nível foi de 30,8 e 31,6 unidades de turbidez (ntu). O resultado é considerado bom, uma vez que, em curso natural de água, são aceitos para usos primários em torno de 100 ntu. Conforme Miguel Felippe, já foram divulgados índices de 2 mil ntu e até de 60 mil ntu em áreas atingidas pelo rompimento.
A verificação preliminar de danos ambientais é feita já no local por meio de um protocolo de avaliação rápida (matriz de Leopold). As alunas de Geografia Isabel Martins e de Ciências Biológicas Gabriela Barreto, supervisionadas por Felippe, verificam, entre outros pontos, a existência de aterramento no leito do rio, alterações de uso da terra e do curso d’água.
Voz dos invisíveis
No segundo eixo, pesquisadores verificam como comunidades foram ou poderão ser afetadas no modo de vida socioeconômico. O foco são aquelas que não recebem tanta atenção dos poderes público e privado ou da mídia.
O grupo quer ouvir os medos e os anseios dessas comunidades, dando voz a elas. Têm como fundamento a pouca atenção recebida por vilas que ficavam entre as três principais atingidas pela barragem do Fundão, em Mariana, em 2015 – Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Barra Longa. “Era como se entre essas três não existisse mais nada”, lembra o professor de Geografia Alfredo Costa, do Instituto Federal – Norte de Minas.
O aluno de pós-doutorado em Geografia da UFJF Ricardo Fernandes, professor da Universidade Estadual de Goiás, também esteve em Mariana, em 2015, três dias após o rompimento. Integrante do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, Fernandes começa a ouvir novamente relatos semelhantes da tragédia ocorrida há três anos.
Contraprovas
Na terceira frente de trabalho, a equipe levará para laboratórios da UFJF as amostras de água e sedimentos para serem analisadas. O objetivo é verificar se há a presença de metais pesados e outros componentes que podem causar danos à saúde e ao ambiente. A partir dos resultados, serão elaborados laudos e orientações técnicas. A expectativa é que os relatórios sejam divulgados entre sete e dez dias após a entrega nos laboratórios.
A equipe da Diretoria de Imagem Institucional acompanha os trabalhos dos professores e alunas na estrada. Veja a cobertura também no perfil da UFJF no Instagram: @ufjf
Leia mais:
“A questão não é discutir se vai romper outra barragem no futuro ou não. A questão é quando.” Desde o rompimento da barragem de Fundão, o pesquisador Miguel Fernandes Felippe alega que a comunidade acadêmica já sabia que era uma questão de tempo até acontecer algo parecido em outro local de risco.