Por João Chiavegatto e Carolina Nalon
Diante da profunda tragédia que colocou Mariana em todas as manchetes de jornais é, no mínimo, inesperado encontrar frases do tipo “Volta Samarco” penduradas nas fachadas de alguns comércios. As mensagens dão uma ideia do poder exercido pela empresa na vida dos moradores – a paralisação das operações do Complexo do Germano não só fechou milhares de postos de trabalho como transformou a vida da cidade.
“As mineradoras estão sempre buscando construir sua legitimidade nos territórios, tanto com o Estado quanto com a população. Existe um processo de ‘gerenciamento de risco social’”, ou seja, para elas, o apoio dessas comunidades é essencial para sua imagem e manutenção dos investimentos.
A afirmação é do professor do Departamento de Engenharia de Produção e Mecânica da UFJF Bruno Milanez. De acordo com seus trabalhos junto ao grupo de pesquisa Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS), o vínculo entre a empresa e os moradores é histórico e vai muito além do salário no fim do mês.
Para além da tragédia humana, a cidade irá passar por “um baque com a interrupção da operação em Brumadinho, um baque econômico além do social”, projeta o professor Bruno Milanez.
A situação que Brumadinho irá viver é semelhante à Mariana neste sentido – as duas cidades dependem significativamente dos repasses por Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), os chamados royalties do minério, além de toda movimentação financeira gerada pela atividade. Assim, para além da tragédia humana, a cidade irá passar por “um baque com a interrupção da operação em Brumadinho, um baque econômico além do social”, projeta o professor.
Por meio do grupo de pesquisa, Milanez e outros pesquisadores fizeram um estudo sobre as dinâmicas socioeconômicas de três grandes empreendimentos em cidades mineradoras de Minas Gerais: Conceição do Mato Dentro (Anglo American); Congonhas (Companhia Siderúrgica Nacional) e Itabira (Vale).
Com o estudo, conseguiram apontar alguns elementos comuns na estratégia de negócios e de discurso das empresas. Além de boas remunerações e eventuais bônus, as mineradoras recorrem a outras duas ferramentas, que Milanez nomeia como “poder ideacional” e “poder instrumental”. Analisando a experiência da Vale em Itabira (MG), o professor encontrou um exemplo do primeiro em um fenômeno que ele descreve como um “fetiche do uniforme”, quando as mineradoras passam não somente a oferecer remuneração, mas também prestígio social aos seus funcionários.
“Algumas pessoas que trabalhavam para a mineradora comentavam que o uniforme da empresa ‘dava status’. Isso vai desde comerciantes vendendo coisas parceladas ou com descontos para os funcionários da empresa, porque eram funcionários da Vale.”
O vínculo estende-se aos prestadores de serviço. “São esses funcionários que moram em casas alugadas, que comem fora e fazem compras. Desta forma, uma série de pessoas (efetiva ou imaginariamente, é complicado mensurar) depende dessa empresa.” Passados três anos de paralisação, os resultados dessa relação entre mineradora e moradores está estampado nas fachadas dos prédios.
Milanez vê no movimento “volta Samarco” a materialização de um descontentamento legítimo, mas enviesado por um problema de narrativa. “Existe essa perda econômica e, uma vez que a Samarco não consegue voltar a operar com a agilidade necessária, cria-se a imagem de que a empresa não consegue porque os atingidos não deixam.” Neste cenário pós-desastre, o conflito entre os atingidos e o restante da cidade é mais um aspecto a ser considerado no caso de Brumadinho.
Já o chamado “poder instrumental” – que envolve os financiamentos de campanhas políticas -, opera nos níveis federal e estadual. O lobby vem historicamente interferindo na aprovação ou não de projetos de lei dentro da Assembleia Legislativa e do Congresso Nacional.
Prova disso é de que, de 2015 para cá, não houve avanços na legislação, segundo Milanez. “Na verdade, particularmente no processo de licenciamento no estado de Minas Gerais, a mudança foi tornar o processo mais célere e menos criterioso – exatamente o que aconteceu com esse complexo de Brumadinho”.
Tragédia anunciada
Para Bruno Milanez, a nova tragédia estava anunciada. “Como o sistema de monitoramento é viciado, a gente não têm garantias de que as barragens atestadas como seguras, de fato, são. Chamam a atenção outras barragens, talvez com impactos ainda maiores como a Casa de Pedra da Companhia Siderúrgica Nacional em Congonhas, que está em cima da cidade.”
“O sistema de automonitoramento em voga no país e em outros lugares tem demonstrado que não funciona, tem que ser repensado” – Bruno Milanez
Segundo o pesquisador, os casos de Mariana e Brumadinho confirmam dois problemas crônicos no setor de mineração do Brasil: a técnica de barragens a montante (quando o próprio rejeito serve de degraus para elevar o nível do reservatório) e o automonitoramento das estruturas. “Eram barragens que o auditor, contratado pela mineradora foi lá, disse que eram estáveis e se romperam. Então, o sistema de automonitoramento em voga no país e em outros lugares tem demonstrado que não funciona, tem que ser repensado.”
Na opinião do professor, outra semelhança entre Mariana e Brumadinho é a falta de transparência das empresas. “Uma coisa fundamental seria que todos os documentos, atas de reunião, documentos internos, relatórios da empresa fossem divulgados para população entender o que estava acontecendo e isso não está sendo feito.” A retenção da informação, segundo ele, foi crítica no caso da Samarco – “muita coisa só se descobriu por causa da investigação judicial e policial e parece que a gente vai depender desse processo de novo pra entender melhor o que estava acontecendo em Brumadinho”, questiona.
Entre as medidas de proteção, ele também cita a criação de restrições quanto ao tamanho máximo de barragens e a distância mínima de áreas povoadas, além do monitoramento das estruturas por órgãos independentes.
+ Prof. Dr. Bruno Milanez
Tem experiência na área de Política Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: avaliação dos impactos da cadeia minero-metalúrgica, conflitos socioambientais e capacidade ambiental.
+PoEMAS
Estudando as relações socioeconômicas entre as comunidades e a atividade mineradora, o PoEMAS nasceu em 2012 e reúne pesquisadores espalhados por três estados brasileiros, com trabalhos em pesquisa e extensão. O PoEMAS também atua junto ao Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, desenvolvendo propostas para o debate sobre a política mineral nacional.
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Os cerca de 600 moradores do distrito de Bento Rodrigues tiveram cinco minutos para saírem correndo na tarde daquele 5 de novembro. “Nossa sorte foi que o ônibus estava no ponto perto da escola, e foi todo mundo entrando”. Ninguém avisou. Não havia sirene, rota de fuga, treinamento ou carro da empresa para resgate das pessoas. Nas ruínas, hoje, placas novas indicam a cada esquina para qual direção correr. “Deve ser para os bichos, né”, ironiza o morador Sandro Sobreira. As Hilux agora também passam, a todo tempo, monitorando o território vazio.