Maria Luíza, de vermelho, destacou importância do evento para a comunidade. (Foto: Maria Clara Leite)

Palestras, debates e mesas-redondas foram algumas das atividades desenvolvidas durante o 1º Congresso de Gênero e Sexualidade do leste mineiro: corpos, sujeitos e políticas, realizado no último fim de semana, em Governador Valadares. O evento abordou temas como a história da sexualidade, sua abordagem médica, prevenção de doenças e acesso da população LGBTQ+ a direitos sociais e justiça. Os participantes prestigiaram, também, a exibição do documentário “Meu nome é Jacque”, sobre a vida de uma mulher transexual que convive com a Aids há mais de 20 anos.

“Quisemos mostrar que a comunidade LGBTQ+ não é bagunça. Somos resistência” Maria Luíza Bastos, aluna da UFJF-GV e organizadora do evento

“O evento foi bastante diverso, falamos de saúde sexual indígena, violência contra a mulher, e apresentamos um parâmetro epidemiológico de GV. Buscamos desmistificar os padrões que as pessoas estabelecem sobre a Diversidade”, explicou a discente da Universidade Federal de Juiz de Fora em Governador Valadares, Maria Luíza Bastos. “Fizemos um congresso interdisciplinar, pois sentimos uma carência na abordagem desses assuntos dentro e fora da sala de aula. Nossa cidade, de forma geral, é conservadora; e tratar de um tema como a diversidade é muito importante para que a gente consiga nosso espaço”.

Nathane Fernandes, à direita, debateu o acesso à justiça. (Foto: Maria Clara Leite)

Em sua fala, Nathane Fernandes abordou a inclusão social e o acesso jurídico das populações marginalizadas. A professora de Direito da UFJF-GV apresentou possibilidades de inclusão por vias extrajudiciais, “como o Sistema Único de Assistência Social, o trabalho preventivo nas escolas e a orientação sociojurídica de qualidade nos núcleos de prática jurídica das universidades”. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), a população LGBTQ+ é a mais carente no acesso a direitos como moradia, trabalho e oportunidades econômicas. “A ideia é se trabalhar com meios de acesso à justiça que não tangenciem apenas o Poder Judiciário, que ainda se encontra distante dessas populações marginalizadas, devido ao elitismo, o formalismo e a burocracia”, declarou.

Eduardo Siqueira, ao centro, abordou a sexualidade humana no evento. (Foto: Maria Clara Leite)

As transformações na sexualidade humana ao longo da história e o enfoque no tratamento de transtornos do indivíduo independentemente do gênero foram alguns dos tópicos abordados pelo ginecologista e obstetra com especialização em sexualidade humana, Eduardo Siqueira. “Discutimos a sexualidade de uma forma mais ampla, sem focar necessariamente em um gênero específico. Transtornos podem ser influenciados por questões psicológicas, médicas, clínicas, etc. Esses pontos são importantes para abordar o indivíduo em sua totalidade; buscamos olhar o indivíduo como um todo, independentemente do gênero”, comentou.

Congresso reuniu 130 participantes em dois dias. (Foto: Maria Clara Leite)

Eduardo destacou a relevância do Congresso por sua abrangência interdisciplinar. A programação contou com atividades conduzidas por profissionais da Saúde, do Direito, estudantes e militantes. “Toda abordagem LGBTQ+ precisa ter uma aplicação multidisciplinar, não apenas um médico, psicólogo ou fisioterapeuta. O evento traz a importância da interdisciplinariedade, da troca de vivências para compartilhar conhecimentos. Todas essas pessoas se unem para ajudar alguém que precisa”, finalizou.

Exibição do filme “Meu nome é Jacque”

Jacqueline, ao centro, é protagonista do documentário ‘Meu nome é Jacque’. (Foto: Maria Clara Leite)

Durante a programação do Congresso, os cerca de 130 participantes acompanharam, também, a exibição do documentário “Meu nome é Jacque”, de Angela Zoé. O material aborda a diversidade através da história de Jacqueline Rocha Côrtes, que é, em sua definição: “mulher, em primeiro lugar, ponto; com a característica de ser transexual, aposentada, casada há 14 anos, em uma união de 18 anos, e com dois filhos maravilhosos”. Jacqueline convive com a Aids há 24 anos, tem no currículo trabalhos como representante do governo brasileiro e na Organização das Nações Unidas, e contou sua história no documentário, que aborda o ‘viver com Aids’.

“O filme aborda a descoberta da sorologia positiva no início dos anos 90, quando não havia tratamento como temos hoje. A Aids era uma sentença de morte” Jacqueline Côrtes, soropositiva há 24 anos.

Jacqueline, que estava presente no evento e conduziu um debate sobre o tema junto aos participantes, agradeceu pela oportunidade de apresentar conteúdos tão importantes para a discussão, especialmente entre jovens. “Compartilhar os anseios, saberes, experiências, conquistas e derrotas. Pudemos falar academicamente sobre essas questões de sexualidade, a discussão sobre orientações sexuais e múltiplas identidades de gênero. Falamos sobre diversidade, que para além de ser LGBT ou sexual, eu prefiro colocar como diversidade humana”, declarou.

Jacqueline destacou a importância da discussão na busca pela inclusão social. “Entramos em uma interseccionalidade, quando se discute questões como preconceito, homofobia, transfobia, acabamos discutindo misoginia, racismo, pois existe uma relação entre essas populações historicamente discriminadas, oprimidas. Buscamos a inclusão de todas as pessoas em sua forma genuína de ser”. Ainda segundo a ativista, o evento promoveu uma troca de saberes muito grande, de conhecimentos e formas de continuar a luta por direitos humanos, por menos violência e menos preconceito. “O mundo tem melhorado muito, exemplo disso é esse evento, são estudantes que participaram profundamente de todas as atividades, da manhã ao fim do dia. Todos saímos revigorados, com um gás novo, como quem diz que as coisas não estão totalmente perdidas, existe gente boa nesse mundo querendo melhorar”, finalizou.