Ciência para a redução das desigualdades: este é o tema da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) deste ano, que acontece entre os dias 15 e 20 de outubro. Em sintonia com a temática, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) faz parte da celebração da SNCT e, por meio de uma série de matérias especiais, divulga as pesquisas no campus que aproximam a ciência e a comunidade.
“Eu olhei para os lados e perguntei, onde estão as outras mulheres cientistas? Onde estão as outras mulheres negras fazendo ciência?”. As perguntas são da professora do departamento de Física da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Zélia Ludwig. Mulher, negra e cientista, uma combinação que resiste aos números – cerca de 5,5% dos cientistas brasileiros do campo das Exatas seguem esse perfil, segundo dados da CNPq – a pesquisadora decidiu contribuir para a desconstrução desse cenário criando um projeto que incentiva meninas a se interessarem por ciência.
O projeto deu seus primeiros passos com o nome “Para meninas negras na ciência”. Entretanto, segundo Zélia, a demanda foi crescente, o que fez surgir a necessidade de ampliação: “Para todas as meninas na ciência”. O trabalho leva às escolas e comunidades locais palestras e oficinas que auxiliam as jovens em um primeiro contato com instrumentos e experiências científicas. Inicialmente, as atividades buscam aguçar a curiosidade das crianças com perguntas para que, na sequência, sejam desenvolvidos pequenos experimentos. “Estamos incentivando e buscando trabalhar a curiosidade dessas meninas e não deixando elas perderem o interesse pela ciência, porque elas gostam, elas são curiosas e são criativas. Mas o que acontece nas escolas? Muitas vezes elas não são incentivadas a participar de olimpíadas, de feiras. Queremos com o projeto que elas não percam o incentivo”, explica Zélia.
Hoje, as ações capitaneadas pela pesquisadora formam uma rede de pessoas dispostas a usar a ciência para a inclusão. O projeto envolve outros professores da instituição e um grupo de voluntários formado por estudantes da Universidade. Segundo Zélia, a participação das estudantes gera resultados em uma via de mão dupla. “As monitoras do projeto sentem que estão servindo de inspiração para as meninas. Elas continuam aqui na Universidade pois estão vendo que a luta e o trabalho delas serve de modelo para outras meninas. Então, o trabalho tem uma frente dupla, não só de segurar as meninas que já estão na carreira, mas também atrair outras para a ciência.”
Novos experimentos, práticas e oficinas estão sendo agregadas ao projeto com base nas vivências obtidas nos locais em que a equipe já esteve. A colaboração é uma das engrenagens que fazem as ações terem forma. “Quando temos a oportunidade de estarmos nos locais, nós conversamos com as pessoas, porque não só ensinamos, nós aprendemos também”, destaca Zélia. Ainda segundo a pesquisadora, a proposta de ir até o aluno, mostrar o que há na Universidade e a ciência que é feita nela, tem o poder de despertar interesses e possibilitar que a criança sinta que aquele ambiente também é feito para ela.
O atual momento é de ampliação das ideias. Recentemente, o projeto foi submetido ao Camp Serrapilheira – programa de apoio à Divulgação Científica – e foi aprovado na primeira fase, ficando entre os 50 melhores dos 871 propostos em todo o Brasil. Na segunda fase, o projeto precisou ser ampliado, como conta Zélia. “Buscamos manter sempre 50% de meninas negras e os outros 50% de meninas não negras. Assim podemos atingir indígenas e meninas de outras comunidades, jovens que talvez não teriam o acesso à ciência.”
Histórias que se encontram
A falta de modelos e representatividade, segundo Zélia, foi uma de suas grandes motivações para dar vida ao projeto. “Quando você conta suas experiências há uma identificação dos caminhos. O projeto nasce da necessidade de falar, de contar minha experiência de vida e motivar outras.” Em algumas ocasiões, alguns caminhos se esbarram.
Zélia relata que em uma das visitas conheceu uma jovem muito interessada pelos temas trabalhados e que detinha certo conhecimento de algumas ferramentas utilizadas nos experimentos. Ela então resolveu perguntar a jovem por que ela gostava tanto das atividades e como sabia o nome daqueles instrumentos. “Ela me disse que o avô dela trabalhava com aqueles materiais e que ele fazia de tudo: arrumava coisas de casa, consertava fios e o encanamento. Na mesma hora, eu me vi naquela criança. Me identifiquei, porque quando eu era pequena, meu pai era esse tipo de pessoa. Tivemos um modelo parecido. Esse avô que está construindo esse conhecimento científico para ela é o mesmo que meu pai foi para mim.”
Para a pesquisadora, o interesse dessa criança é capaz de atrair as outras para a dinâmica e isso pode ser comparado a uma situação mais ampla. “Acredito que uma pessoa é capaz de trazer a outra. Eu falo com as mulheres da ciência, se você teve um caminho mais difícil, conta para as outras como foi a sua trajetória para que elas saibam que é difícil, mas é possível. Se a sua trajetória não foi tão árdua, estenda a mão para as outras. Traga mais para perto de você, converse, incentive e oriente. É uma pela outra e isso vai crescendo desse modo”, pontua Zélia.
Para a professora, a ciência tem tudo para a redução das desigualdades, permitindo que jovens tenham mais conhecimento e saibam que o que se aprende pode ser voltado em prol delas e de seus pares. “Essas meninas vão ter conhecimento sobre como cuidar do próprio corpo, como fazer as próprias escolhas e como ajudar sua família e sua comunidade”, conclui.