“Viver pouco e morrer muito” – essa foi a frase de uma das pescadoras atingidas pela destruição da bacia do Rio Doce, relembrada durante um dos painéis do V Seminário Internacional de Direitos Humanos e Empresas. Após quase três anos do episódio, a luta por justiça foi debatida durante evento, organizado pelo Centro de Direitos Humanos e Empresas (Homa) e sediado na UFJF. Os painéis abordaram como o rompimento da barragem de Fundão não deixou marcas somente no âmbito ambiental, mas profundos impactos na vida dos atingidos.
O crime em Mariana, como os pesquisadores preferem chamar, é mais um exemplo da violação de direitos praticada por grandes corporações, notadamente transnacionais, junto a populações desfavorecidas. A complexidade do caso traça um novo parâmetro mundial nas áreas da justiça, ambiental e socioeconômica e foi tratada de forma interdisciplinar no painel “Mineração e Direitos Humanos”. Em meio às particularidades de cada região afetada do Rio Doce, de Minas Gerais ao Espírito Santo, o consenso é de que há um enorme desequilíbrio e assimetria nas negociações entre as empresas responsáveis e as pessoas atingidas.
Segundo o professor da UFJF Bruno Milanez, o projeto de construção (e emendas) do Termo de Ajuste de Conduta (TAC), firmado com a Samarco e assumido pela Fundação Renova é marcado pela pouca representatividade e baixa participação dos atingidos. As informações e ações continuam monopolizadas em alguns grupos. É o que aponta também as professoras Cristiana Losekann e Karine Carneiro.
De acordo com a defensora pública do Espírito Santo Mariana Sobral, as relações entre a Fundação Renova e os atingidos é sempre marcada por muita tensão nas negociações, ficando evidente a diferença de forças. A pluralidade dos territórios atingidos também foi lembrada por Mariana e a necessidade de tratar das especificidades de cada região, como a da pesca perto da foz do rio.
A falta de reconhecimento dessa pluralidade marca a insatisfação dos povos tradicionais que possuem outro tipo de relação cultural e de sobrevivência com o Rio Doce e a natureza. Para Geovani Krenak, apesar de acordos firmados, seu povo não se sente representado nas instâncias padrão de negociação. “É só a luta que tem feito avançar as poucas coisas, uma relação de forças extremamente desfavorável à Bacia do Rio Doce”, resumiu a integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens, Tchenna Maso.
Fraudes
O terceiro painel, com o tema “Corporações, corrupção e fraudes fiscais: desafios à obrigação dos Estados de proteger Direitos Humanos”, discutiu a corrupção dentro das grandes empresas, que resultam com que os direitos humanos sejam violados em inúmeros âmbitos. A apresentação começou com a reflexão sobre o que conseguimos perceber como corrupção nos dias atuais.
A Procuradora Regional da República, Denise Abad, afirmou que o combate à essa prática e às fraudes fiscais teve um despertar global, especialmente há quinze anos, através de tratados internacionais. De acordo com a professora, quando há o desvio de recurso público, há também um desvio de valores sociais e econômicos que deveriam ser destinados ao desenvolvimento social e à asseguração dos direitos humanos. Logo, esses trâmites ilícitos acabariam transgredindo os direitos humanos sociais, econômicos, culturais e até mesmo a democracia, devido à violação da confiança que deve existir entre governantes e governados. Com isso, Denise afirma que há a necessidade de uma obrigação dos estados em combater as fraudes fiscais e que, para tal, é preciso que exista um combate em âmbito global, e não apenas de forma interna.
Em seguida, a representante do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), Grazielle David, abordou o caso da exportação e exploração de minério de ferro no Brasil. Os dados disponibilizados, quando analisados e comparados às precificações internacionais de minério, mostram uma grande variação dos preços que são aplicados no país, caracterizando uma manobra de superfaturamento da exportação. Segundo Grazielle, as consequências das manobras empresariais são vistas nas baixas dos pagamentos tributários que somam milhões de reais – valores extremamente significativos que vão se acumulando à cada fraude.
Ao final da palestra, a professora de Direito da UFJF, Caroline da Rosa Pinheiro, abordou a importância de compatibilização dos valores empresariais com os direitos humanos. Para isso, foram criados os programas de integridade para garantir critérios para a governança corporativa. Segundo Caroline, a cultura empresarial é atualmente muito voltada para a livre iniciativa e isto seria algo a ser observado, pois as regras do mercado, de acordo com a professora, nem sempre estão de acordo com a necessidade de que é preciso haver uma regularização, de forma que as atividades empresariais não interfiram em um âmbito econômico que culmina na escassez dos bens finitos. Caroline afirmou que preocupação com a função social das empresas é indispensável, além do reconhecimento de que os programas de integridade funcionam e que, por meio deles, as punições aos crimes cometidos pelos corruptores são uma realidade.
Outras informações
Centro de Direitos Humanos e Empresas (Homa)