“Nenhuma criança com autismo é igual a outra e, com o laudo clínico, existe uma tendência a homogeneizar esses alunos”, explicou a pesquisadora Cristina Merletti (Universidade Ibirapuera), durante sua apresentação no II Simpósio Psicanálise, Educação e Laço Social. Em sua passagem pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a professora compartilhou sua experiência no acompanhamento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TAE).
O TAE é um transtorno de desenvolvimento que se manifesta nos primeiros anos de vida e (estima-se) impacta dois milhões de brasileiros. Tendo intensidades e sintomas variados, o autismo normalmente acompanha dificuldades na comunicação e na interação social e interesses e comportamentos peculiares e repetitivos.
Há trinta anos dedicada a pesquisas nesse campo, Cristina rapidamente contrapôs alguns preconceitos sobre o autismo. “A criança com TAE geralmente apresenta algum distúrbio na fala. Isso não significa que ela não possa compreender alguma linguagem para estabelecer contato com o outro. A criança com TAE não necessariamente apresenta déficit intelectual, mas tem ilhas de inteligência.”
Baseada no trabalho que desenvolve no centro de educação terapêutica Lugar de Vida – inserido na Universidade de São Paulo (USP) –, a professora esclareceu que crianças com autismo costumam se interessar profundamente por conhecimentos específicos (como números, música, carros, dinossauros, entre outros), sendo muito eficientes em estabelecer uma lógica neles. “Nós recebemos crianças que conseguiram se alfabetizar sozinhas, por entenderem um padrão aí. A dificuldade das pessoas com autismo é estabelecer conexões entre esse e outros conhecimentos. É muito comum, porém, que formas de expressão e de inteligência diferentes sejam confundidas com falta de inteligência.”
Educadores protagonistas
Conforme a professora, os distúrbios que eventualmente acompanham o autismo não estão cristalizados durante a infância. Dessa forma, o ambiente escolar oferece a oportunidade de integrar as crianças com TAE com demais alunos. “Essa integração pode ser benéfica para o estabelecimento de laços, para o reconhecimento do outro, para a aprendizagem e, até mesmo, para a minimização dos sintomas.”
Garantida por lei desde 2012, a inclusão desses alunos ainda tem muitos desafios. Esses são, principalmente, resultado da heterogeneidade do transtorno. “Não existe um método pedagógico único para crianças com autismo”, como ressalta a professora. O caminho, aponta, está no protagonismo e na criatividade dos educadores.
“É necessário conhecer a criança, antes de conhecer o autismo. Entender seus interesses e seus temores. Entender que, ao contrário do senso comum, a criança com autismo é capaz de sentir as emoções que não consegue expressar como nós expressamos. A partir daí, vem as estratégias para aproximar esse aluno, as práticas educacionais inclusivas”, conclui.