“Observando Juiz de Fora e seu traçado original — fora o que expandiu por entre montes e vales –, vemos uma lógica de ocupação urbana do final do século XIX, com problemas que atravessam o século XX e chegam a atualidade intensificados”, reflete o professor Fábio de Lima, coordenador do grupo de pesquisa Urbanismo em Minas Gerais.
Desde 2005, Lima e outros pesquisadores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (FAU-UFJF) — como Raquel Portes e Douglas Barbosa — observam o desenvolvimento urbano do estado e o papel dos urbanistas neste processo. “Em nossas pesquisas, fazemos um recuo no passado para tentar entender o presente e pensar o futuro das cidades em Minas”, explica o professor. Munido desse olhar, o grupo aborda questões de planejamento urbano — especialmente nas questões culturais e ambientais –, visando elaborar estratégias de requalificação urbana das comunidades.
Conforme o professor, as diversas e persistentes agruras da vida urbana — como a falta de moradias, a precariedade de algumas áreas povoadas, a ausência de infraestrutura, as dificuldades de mobilidade, a poluição dos rios, os alagamentos sazonais, o congestionamento do trânsito — costumam ter duas origens: o descompasso entre planejamento urbano e a realidade das cidades e ou a ausência histórica de qualquer planejamento.
“É necessário entender e interpretar as realidades, considerando as especificidades locais, para que sejam elaboradas propostas em um processo participativo, que possam alterar as dinâmicas comunitárias”, ressalta Lima. Sob essa perspectiva, o grupo — que compõe a rede nacional de pesquisa Urbanismo no Brasil — busca os primórdios da urbanização mineira.
Urbanizando certo em linhas tortas
Com a chegada das “bandeiras” paulistas no interior de Minas, em meados do século XVIII, cidades como Ouro Preto e Congonhas — patrimônios culturais da humanidade — são erguidas. Nessa região central do estado — mais próxima às jazidas de ouro e pedras preciosas –, ainda é possível andar por suas ruas de pedra, contornando os morros em grandes ladeiras.
Nestas e em outras cidades mineiras, o traçado urbano parece se derramar pelo relevo. Porém, ao menos nessa parte do estado — onde circulavam grandes riquezas do império português — havia uma ordem rigorosa por trás da urbanização. “Nesse primeiro momento (baseado na regra portuguesa), mesmo nessa adaptação aparentemente desordenada aos sítios, havia uma ordem e um pressuposto baseado no decoro”, explica Lima.
“O decoro — no sentido dos ornamentos, das formas e dos ritmos — vinha dos artistas. Enquanto isso, a engenharia militar portuguesa determinava questões como o traçado viário, o abastecimento de água, o escoamento, a largura das ruas e passeios, até a forma deliberada de abrir as janelas e portas das construções.” Conforme o professor, apesar de se acomodar na paisagem, o desenho das cidades portuguesas dominavam os territórios.
No entanto, o mesmo nem sempre aconteceu em outras áreas do estado. Acompanhando o avanço das “bandeiras”, uma rede de povoamentos surgiu (rápida e desordenadamente) para sustentar a atividade mineradora na região central. Nesse ritmo acelerado de ocupação, questões essenciais para o funcionamento dos núcleos urbanos foram deixadas de lado, e os sintomas deste esquecimento ainda podem ser sentidos.
“Chegando no século XIX, com a decadência da atividade mineradora o espraiamento das cidades vai entrar em crise. O estilo português começa a perder espaço para a penetração da linhagem ligada à vertente francesa, em termos de desenho da cidade”, conta o professor.
A Belle Époque de BH
No final do século XIX, acompanhando a urgência por modernidade da recém-nascida República, começa a construção de Belo Horizonte. Buscando os ideais de racionalidade, beleza e salubridade inspirados nas cidades europeias, a nova capital — primeira cidade planejada de Minas — deveria, também, modular a formação política do estado.
Espelhada em Paris, o desenho urbano — elaborado por uma comissão de engenheiros politécnicos e sanitários — era marcado pelos bulevares e pelas ruas retas, circundadas por uma grande Avenida do Contorno. Nesse plano, as áreas da cidade eram rigidamente demarcadas com um centro comercial, um centro administrativo e as “áreas de morar”, o bairro dos funcionários, onde deveriam residir os funcionários públicos oriundos de Ouro Preto.
Inaugurando esse novo modelo de cidade, a construção de BH representou também o afastamento entre os conceitos de engenharia urbana e a realidade concreta das ocupações humanas sobre os territórios. “O processo desencadeado para a construção de Belo Horizonte revela o distanciamento entre o ideal e o real. No momento de sua inauguração, em 12 de dezembro de 1897, surgia a primeira favela nos fundos da Estação Central. Desfalecia a nova cidade, como um verdadeiro canteiro de obras ainda inacabadas”, narra Lima, em uma entrevista para a revista Minas faz Ciência.
Ao mesmo tempo, relata o professor, novas questões foram surgindo na dinâmica da vida urbana, como a crescente presença dos automóveis. “Essas mudanças, somadas ao crescimento desordenado das cidades — o que acontece em Belo Horizonte também ocorre em Juiz de Fora e outras cidades do interior –, vão acarretar diversos problemas de infraestrutura, congestionamento do trânsito, perda das áreas verdes, a paulatina transformação dos rios em caixas de esgoto.”
Com o fracasso do desenho de BH em administrar seu crescimento desenfreado, novas propostas de urbanismo surgem em Minas, procurando conciliar a racionalidade dos projetos com a realidade da vida urbana. Nesse momento, marcado pela fundação da primeira Escola de Arquitetura de Belo Horizonte, em 1930, os arquitetos ampliam sua atuação na organização das cidades.
“Com a criação do primeiro curso de urbanismo da Escola de Arquitetura de BH, em 1950, surgem novos profissionais com uma especialização maior para lidar com as questões da cidade”. Propondo levar estas novas técnicas para as cidades do interior, diversos planos de construção e reformulação de cidades são desenvolvidos nesse período, mas sem sucesso em materializar grandes mudanças na realidade.
Lidando com as heranças desse passado, o grupo de pesquisa vem trabalhando em importantes discussões, como a formulação do Plano Diretor de Juiz de Fora. “Nós participamos das conferências do Plano Diretor de Juiz de Fora, em 2015, ressaltando a importância de envolver as pessoas. Não basta mais fazer planos sem chamar a participação efetiva da sociedade. Nós perdemos essa noção de um ambiente aprazível, de poder caminhar na cidade e colocar os pés em um rio”, completa Lima