Abaixo da superfície turva daquelas águas, um mundo secreto se escondia. Pequena demais para ser vista por qualquer olho humano, uma comunidade sobrevivia e prosperava contra todas as dificuldades, enquanto zelava pelo equilíbrio do seu ambiente. Seus resilientes membros são conhecidos por nós como bactérias.
Histórias como essa são estudadas pelo Grupo de Pesquisas em Biologia Celular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) que, há dez anos, analisa o comportamento desses microrganismos e sua importância para os ecossistemas. Recentemente, o grupo conseguiu observar que bactérias são dotadas de comportamentos muito mais complexos do que se antecipava, sendo capazes de se comunicar entre si e programar sua própria morte; fenômenos vistos como exclusividade de seres unicelulares eucariontes.
“Bactérias vivem em comunidades, onde elas têm uma notável habilidade de interagir e de coordenar, em conjunto, eventos de proliferação e diversas atividades bioquímicas. Elas desenvolveram sistemas que permitem monitorar o meio circundante e avaliar a densidade de células, a presença de competidores e a disponibilidade de nutrientes”, explica a coordenadora do grupo de pesquisa, Rossana Melo.
Conforme a professora, a importância das bactérias vai muito além do aspecto de causadoras de doenças. “Sim, bactérias podem ser benéficas. Elas atuam como potenciais fábricas celulares – produzindo compostos com aplicações em áreas industrial, biotecnólogica e médica –, utilizadas na fabricação de antibióticos, hormônios e vacinas.”
“Elas também podem auxiliar na limpeza de substâncias prejudiciais ao meio ambiente (como pesticidas e petróleo e compostos radioativos) e, por isso, são muito utilizadas no processo de tratamento de água para abastecimento e consumo. Além disso, muitas bactérias apresentam potencial para serem utilizadas no controle biológico de outros organismos, como pragas e vetores em plantas e animais.”
A queda das folhas
Testemunhado pela primeira vez, na década de 70, em células eucariontes – que possuem um núcleo, onde se concentra seu DNA –, esse processo de morte programada (apoptose) foi ilustrado pelos pesquisadores como a queda das folhas das árvores, que visa poupar energia da planta e focar seus recursos em outras frentes.
Quando observada em organismos multicelulares – formados por células eucariontes –, esse fenômeno é algo corriqueiro. No processo de gestação, por exemplo, diversos conjuntos de células podem realizar apoptose para formar um órgão e esse sistema continua, no decorrer da vida desse organismo, como um método de controle celular.
A descoberta realizada pelos pesquisadores da UFJF aponta para a capacidade (ainda surpreendente) das bactérias – células procariontes que não possuem núcleo – perceberem as condições de seu ambiente e se organizarem para a sobrevivência da comunidade. Como na queda das folhas, os pesquisadores sugerem que uma das causas para esse processo poderia ser a eventual escassez de nutrientes. Nesse caso, o “sacrifício” dessas bactérias serviria para alimentar suas “irmãs” e permitir que a coletividade sobrevivesse nos cenários menos propícios.
Comunicação a longas distâncias
Outro comportamento bacteriano descoberto pelo grupo de pesquisa foi a capacidade desses seres comunicarem-se entre si a (proporcionalmente) longas distâncias. Na pesquisa encabeçada pela doutoranda Juliana Gamalier — com participação do doutorando Victor Zarantonello e do estudante de iniciação científica Matheus Langley — foi observado que as bactérias expelem vesículas extracelulares, cápsulas revestidas por membrana celular.
Reunindo em laboratório as amostras de bactérias aquáticas, coletadas nos diversos reservatórios estudados pelo Laboratório de Ecologia Aquática (LEA/UFJF), os pesquisadores as submeteram a diversas situações de estresse: aplicando radiação, aumento de temperatura e infecções virais nesses microrganismos. Em todos esses cenários, os organismos liberaram essas cápsulas que foram observadas em alta resolução, com o uso de técnicas avançadas de microscopia eletrônica.
Enquanto todos os microrganismos secretam substâncias variadas (de nutrientes a material genético), essa forma de comunicação permite que as substâncias viagem durante mais tempo, sem serem diluídas na água. Os pesquisadores apontam que, por esse método, as bactérias são capazes de comunicar mudanças no ambiente para suas “irmãs”, alertando para a existência de ameaças ou nutrientes, por exemplo.
Conforme pesquisador Thiago da Silva – membro do grupo desde sua graduação e, agora, lecionando na UFJF –, as bactérias são importantes em diversas situações ambientais, como na decomposição de matéria nos ecossistemas onde se encontram. “Além de serem uma das bases das cadeias tróficas (cadeias alimentares), elas estão relacionadas aos ciclos biogeoquímicos. Nesses ambientes aquáticos, algumas bactérias são capazes de fixar carbono e, iniciando a cadeia trófica, transferem esse carbono para os organismos superiores. Isso impacta não só o ambiente onde elas se encontram, mas todos os ecossistemas, por influenciar diretamente na emissão de gases”, conclui.