Junto da espaçosa Rose, o filme Titanic (1997) esconde outra importante personagem feminina: a empreendedora Maria Beasley. Mulher destemida e pesquisadora com foco na inovação, Maria lançou, em 1884, a versão moderna do bote salva-vidas. Mais compacto do que os modelos existentes e à prova de fogo, quase 30 anos mais tarde a sua invenção salvou muitos dos tripulantes e passageiros do RMS Titanic, durante o seu dramático naufrágio. Segundo registros, Maria nasceu na Filadélfia, casou-se em 1865 e trabalhou como costureira antes de registrar 14 patentes e adentrar a profissão de inventora, que lhe garantia um rendimento de 20 mil dólares ao ano — uma quantia alta para os padrões da época.
Ponto fora da curva para as mulheres do século XIX, Maria ainda seria uma exceção. Conforme a pesquisadora da UFJF, Nádia Raposo, apesar de representarem 43% dos empreendedores do Brasil, apenas 20% delas têm faturamento mensal superior a R$30 mil. Esse cenário reforça as dificuldades apontadas pelo Índice Global de Empreendedorismo e Desenvolvimento da Dell (Gedi), que investiga as condições de suporte ao empreendedorismo feminino de alto impacto pelo mundo. O Gedi apontou que 22 dos 30 países pesquisados, em 2014, não tinham condições mínimas de incentivo ao empreendedorismo feminino.
Além de já ter atuado no Critt e como Pró-reitoria adjunta de Inovação e Pesquisa, Nádia coordena o Núcleo de Pesquisa e Inovação em Ciências da Saúde (Nupics), um ambiente criativo, capaz de estimular a aplicação da pesquisa em tecnologias inovadoras. “Nós adotamos a educação transformadora (empreendedora) como recurso estratégico na remoção de obstáculos à igualdade de gênero e também para superar desafios pessoais. Reforçamos a importância do empoderamento das mulheres como mecanismo de promoção de avanço econômico para toda a sociedade”, explica.
Nádia aponta que 40% da mão de obra global é composta por mulheres, também maioria entre os estudantes universitários, conforme dados do Banco Mundial, divulgados em 2012. “Nesse sentido, empoderar as mulheres para que participem de todos os setores da economia e em todos os níveis de atividade econômica é essencial para melhorar a qualidade de vida, não só para as mulheres, mas para as famílias e comunidades, visto que os países que promovem os direitos das mulheres e aumentam o acesso delas aos recursos e ao ensino têm taxas de pobreza mais baixas, crescimento econômico mais rápido e menos corrupção do que os países onde isso não ocorre”.
Inspiração para novas alunas
Nascida na cidade do Rio de Janeiro, Duília de Mello atravessou 53 bilhões de anos luz através do telescópio La Silla, chegando a uma galáxia distante e, nela, descobrindo uma supernova. A astrônoma brasileira — atualmente vice-reitora da Universidade Católica da América (Washington, EUA) — atua como pesquisadora associada da Nasa, ao mesmo tempo em que se dedica à divulgação da ciência por diversos meios, como o livro “Vivendo com as Estrelas” e palestras no Brasil e no exterior, com o intuito de popularizar o conhecimento e incentivar o acesso à carreira científica.
Representante da ciência brasileira em terras além-mar, Duília sentiu a necessidade de desbravar novos horizontes devido a escassez de recursos e estrutura para pesquisa no país. Essa é, também, uma preocupação da professora Janaína de Oliveira — do Departamento de Engenharia Elétrica da UFJF –, especialista em veículos elétricos e construção de redes elétricas inteligentes. “Os projetos nos quais tenho me envolvido visam, em grande parte, o desenvolvimento de estudos e modelos que nos permitam desenhar a rede elétrica do futuro que queremos.”
“A engenharia tem como objetivo, em minha opinião, melhorar a qualidade de vida das pessoas, sempre levando em consideração os recursos e o ambiente no qual vivemos. São temas de extrema relevância, mas a contextualização desses projetos se torna muito difícil no cenário nacional, onde o apoio para pesquisa e a preocupação com infra-estrutura decente para todos é insuficiente.”
Uma das poucas mulheres a ocupar posições de destaque dentro desse campo de pesquisa — além dela, apenas outras duas professoras figuram entre os mais de 50 docentes do curso –, Janaína avalia que o avanço da presença feminina na Engenharia é um movimento constante. “Como mulher dentro um ambiente majoritariamente masculino, muitas dificuldades são encontradas. Ainda jovem, aspirante a cientista, me sentia incapaz de traçar caminhos que pudessem levar a alguma mudança em nossa sociedade.”
“Hoje, vejo que como mulher engenheira e pesquisadora, a busca por recursos, reconhecimento e representatividade é uma luta contínua. Ainda há uma representatividade pequena, porém, isso mostra um avanço em relação a um passado recente, quando não havia nenhuma professora no mesmo curso. Nesse contexto, é motivante perceber que nossa trajetória inspira alunas hoje presentes em maior número. Espero que essas e outras estudantes ocupem cada vez mais espaços historicamente e culturalmente ocupados por homens.”
No mês da Mulher, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) desenvolveu uma campanha com mulheres que fizeram e continuam a fazer parte do desenvolvimento científico, social e tecnológico. Exemplos fortes de como a mulher, mesmo com possibilidades limitadas por sociedades opressoras, foram fundamentais para evolução da humanidade. Nesta campanha, vamos lembrar algumas das mulheres que fizeram história — com seus feitos na Ciência e com suas próprias trajetórias — e homenagear aquelas que, na UFJF, continuam a fazer. Esta é a segunda matéria desta série especial; confira aqui a primeira.