O recentemente criado Grupo de Conversão Eletromecânica de Energia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/GCEME) teve seu primeiro projeto aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), recebendo um aporte de R$ 500 mil da Embraer, por meio do órgão de fomento. Reunindo professores e estudantes de diversos campos da Engenharia, ao longo dos próximos dois anos, o projeto deverá construir um banco de ensaios, onde serão estudadas novas tecnologias de sistemas híbridos-elétricos para propulsão de aeronaves.
Apesar de suas vantagens econômicas e ambientais, os sistemas de propulsão aeronáutica puramente elétricos ainda apresentam menor autonomia que os tradicionais. No atual cenário de desenvolvimento, o maior desafio, como explica o líder do grupo de pesquisas, professor Manuel Rendón está na eficiência das baterias. “Um quilograma de querosene de aviação é capaz de armazenar de cinco a seis vezes mais energia que um quilograma de bateria nas tecnologias atuais. E, embarcando uma bateria seis vezes mais pesada, aumentaria a demanda de energia do veículo aéreo.”
Frente a esse dilema, os sistemas híbridos de propulsão aeronáutica surgem como uma das alternativas. Intercalando a propulsão tradicional — em processos específicos (como quando o avião atinge nível de cruzeiro), que demandam maior autonomia — com a propulsão elétrica (mais útil em processos de decolagem e pouso, com maior torque e mais controlável), os pesquisadores esperam alcançar um equilíbrio entre as duas modalidades e seus benefícios. “Diante da inviabilidade atual da propulsão exclusivamente elétrica em grandes aeronaves, apesar de já existirem pequenos aviões com esse tipo em funcionamento, as grandes construtoras de aeronaves esperam que a propulsão híbrida possa ser aplicada em larga escala, daqui a alguns anos.”
“A tecnologia que pretendemos pesquisar é similar àquela utilizada nos carros híbridos, nos quais o combustível e energia elétrica cooperam na propulsão do veículo. Nessa combinação, por exemplo, a energia da frenagem do carro — que normalmente se perderia na forma de calor e atrito — é devolvida para produzir mais acionamento e continuar movendo o veículo. Porém, a dinâmica do voo possui diferenças substanciais com a dinâmica da viagem terrestre.”
Dentre as topologias de propulsores híbridos — e suas inúmeras combinações –, os pesquisadores da UFJF selecionaram a topologia série, por ser mais facilmente implementada em laboratório. Esse sistema — cujo protótipo deverá ser construído pelo grupo de pesquisa, constituindo o banco de ensaios –, utiliza um motor a combustão (uma turbina a gás, nesse caso) para mover um gerador elétrico. O sinal de corrente alterna gerado é convertido a continua com um conversor eletrônico, suportado por um banco de baterias.
O sinal elétrico de corrente contínua é, então, convertido de contínua (quando os elétrons se movimentam sempre em uma única direção) para corrente alternada (quando a direção dos elétrons varia). Com esse processo, é possível controlar a rotação do motor e movimentar o propulsor da aeronave (no caso do protótipo, sua hélice) ou reabastecer o sistema, evitando a perda de energia.
Nesse banco de ensaios, serão trabalhadas seis áreas distintas dentro do campo de propulsores híbridos: controle, motores a combustão, conversores eletrônicos, sistemas de armazenamento de energia, motores elétricos e propulsores. Atuando conjuntamente nesses pontos, os pesquisadores do GCEME esperam criar uma base de conhecimento em sistemas híbridos de propulsão, além de acompanhar os desenvolvimento tecnológicos em andamento no estrangeiro pela indústria aeronáutica em cooperação com centros de pesquisa.
Parceria de longa data
Criado ainda em 2016, o GCEME surgiu de uma aproximação entre pesquisadores da UFJF e o departamento de Desenvolvimento Tecnológico da Embraer. “Em uma conversa informal, eles manifestaram o interesse em apoiar grupos de pesquisa em universidades brasileiras, na área de propulsão híbrida em aeronaves, formando parcerias de longo prazo. Na ocasião, eu pensei que o ‘longo prazo’ seriam cinco, dez anos. Mais tarde, fui entender que falavam de 20, 30 anos”, explica Rendón.
Conforme o professor, esse é o prazo estimado para que as grandes empresas construtoras de aeronaves consigam desenvolver essa tecnologia e implementá-la em suas linhas de produção. “Com isso, concluímos que a criação de um grupo de pesquisa seria um bom começo para desenvolver uma base tecnológica aqui na Universidade, mostrando nosso comprometimento com essa perspectiva a longo prazo.”
A pesquisa – realizada em parceria com a Universidade de Mälardalen (MDH – Suécia), com a Universidade de Uppsala (UU – Suécia) e com a Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI – Brasil) acompanha a expectativa do intercâmbio de professores e estudantes entre as instituições envolvidas.
“Pesquisas desenvolvidas na Universidade em cooperação com a indústria precisam ser divulgadas. Não por questões de marketing, mas para atrair novos investimentos, mostrar que é possível — para a comunidade de docentes, mas, principalmente, para os discentes — funcionar como um ente da sociedade: como mais uma engrenagem no desenvolvimento tecnológico do país”, conclui.