Em uma sociedade democrática, a imprensa livre representa uma janela pela qual a população pode observar as ações dos poderes do Estado. Não por acaso, censurar e controlar a mídia estão entre os primeiros gestos de governos autoritários: fiscalizando os governantes, a imprensa coíbe os abusos das instituições e seus agentes. O que acontece, porém, quando a mídia se distancia dessa vocação e passa, ao contrário, a legitimar essas violências?
Levantando esse debate, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) recebeu, nessa quinta-feira, 23, a palestra “Mídia e crime: uma combinação perigosa”, parte da programação do I Fórum do Núcleo de Extensão e Pesquisa em Ciências Criminais da UFJF (NEPCrim). Coube ao graduando Mário José Valente – bolsista do NEPCrim – dar o tom da crítica. Mencionando o livro “O medo na cidade do Rio de Janeiro”, de Vera Malaguti Batista, o estudante apontou a participação da mídia na legitimação de políticas de encarceramento e na propagação de uma cultura do medo.
“A partir de uma reflexão crítica e comprometida sobre essa dinâmica, devemos tornar o direito verdadeiramente emancipatório”, exortou Valente, passando a palavra ao professor Thiago Almeida de Oliveira. Criminalista ciente das deficiências do direito criminal e avesso à demonização da mídia, o professor iniciou sua apresentação, resgatando seu papel democrático. “Antes de refletir sobre essa relação ‘perigosa’ – e, por vezes, promíscua – entre a mídia e os mecanismos do sistema penal, devemos observar a existência de espaços em que essa associação é, não apenas positiva, mas necessária.”
Conforme Oliveira, a imprensa ocupa um espaço constitucional próprio, fiscalizando o exercício do poder e dando visibilidade aos abusos institucionais que dão origem ao estado de exceção. “A imprensa livre é uma conquista e um marco de qualquer sociedade que se pretenda democrática. Mais importante é observar como essa liberdade democrática é exercida. Com uma atuação responsável e crítica, a imprensa pode resgatar a centralidade da vítima – frequentemente relegado a uma peça ínfima dentro do processo criminal – e fortalecer políticas públicas protetivas de minorias. O problema começa quando a mídia assume o papel de produtora de verdades, em lugar de promotora do contraditório das discussões públicas.”
O professor aponta o imediatismo como um dos fatores que levam a esse empobrecimento. Pensando no próprio modo de produção das notícias nos meios de comunicação de massa, com prazos que deixam pouca margem para análises críticas e aprofundadas, Oliveira observa uma tendência para a simplificação de questões complexas. “A mídia costuma observar os conflitos sobre uma lógica maniqueísta e – relembrando o ativista dos direitos civis, Malcolm X – é capaz de retratar vítimas como opressores e opressores como vítimas.”
Nesses casos, ressalta, a imprensa pode ampliar os ambientes de “histeria coletiva” e fortalecer uma cultura autoritária e utilitarista. Associada às políticas públicas de segurança e às instituições judiciais, essa atuação acarretaria o recrudescimento da seletividade penal e da naturalização do estado de exceção permanente: quando, dentro de um Estado de Direito, certos grupos passam a ser perseguidos com ferramentas típicas de governos autoritários.
“Existe um oceano que separa ‘informar’ e ‘entreter com aquilo que se deveria informar’. Monetarizando a tragédia humana, a imprensa pode se transformar num picadeiro em que vilões e heróis de envolvem na barbárie. E, senhoras e senhores, começa o espetáculo”, conclui.