Por volta da década de 1870, a sufragista norte-americana Matilda Gage publicou um ensaio intitulado “A mulher como inventora” (“Woman as inventor”, tradução livre). Nele, descreve um fenômeno que, mais tarde, seria batizado de o “Efeito Matilda”: o de negar descobertas científicas realizadas por mulheres, atribuindo suas contribuições aos homens.
A bióloga Nettie Stevens, por exemplo, descobriu, no início do século passado, que indivíduos masculinos carregavam cromossomos X e Y, enquanto os femininos carregavam XX. Além disto, apontou como o sexo biológico é herdado como fator cromossômico. O prêmio Nobel, no entanto, foi para dois colegas — ambos homens. Um deles, Thomas Morgan, chegou a dizer que Nettie apenas operava na parte técnica do laboratório. Mais tarde, uma carta do próprio Morgan o desmentiu: nela, ele escrevia que, entre as estudantes de graduação com quem havia trabalhado, nenhuma era “tão capaz e independente em pesquisa” mais do que “a senhorita Stevens”.
A história de Nettie é um dos muitos exemplos de como o campo científico moderno foi construído, por séculos, de forma a excluir mulheres. Esta foi uma das considerações trabalhadas durante a palestra “Mulheres na Ciência”, parte do quarto ciclo de mesas-redondas sobre Gênero e Sexualidade, promovido pelo Centro de Pesquisas Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O evento aconteceu no Anfiteatro 1 do Instituto de Ciências Humanas (ICH), nesta sexta-feira, 22.
“É preciso que mulheres assumam posições de poder”
A deputada federal e ex-reitora da UFJF, Margarida Salomão, foi uma das convidadas para a palestra. “Temos um crescimento muito importante na participação das mulheres na ciência do Brasil. Existem dificuldades, diferenças e muitos obstáculos a serem enfrentados e superados, mas eu acho que o panorama é positivo, de expansão”, avalia Margarida. “Como se trata de uma conquista recente, é necessário ter, em relação à ela, uma postura militante. Minha perspectiva não é, então, meramente analítica, mas também de defesa das mulheres, da sua contribuição como pesquisadoras em uma área tão nobre como a científica.”
Pesquisadora da área de linguística, Margarida frisou que a evolução não é apenas biológica, mas também cultural. “Luto pela isonomia de direitos, para que nossas diferenças sejam reconhecidas e, acima de tudo, respeitadas”, alega. “Existem marcas até mesmo linguísticas, muito claras, de assimetria social — é, por exemplo, difícil ter uma fala em uma ambiente com a maioria de homens, e mais difícil ainda manter a palavra e não sermos interrompidas. É preciso que as mulheres assumam posições de poder.”
“Teto de vidro”
Outra convidada foi a professora da Universidade Federal do ABC, Maria Carlotto, que apresentou dados de sua pesquisa de doutorado, que aborda como cargos de direção acadêmica enfatizam as estruturas sociais e políticas nas quais estão inseridos. A pesquisadora constatou, por exemplo, uma presença ínfima de cargos de chefia ocupados por mulheres que possuem destaque na área de pesquisa.
“Existe um ‘teto de vidro’ que as pesquisadoras enfrentam. Embora, atualmente, as bolsas de iniciação científica e de mestrado contemplem mais alunas, o número de mulheres representantes na classe de professores cai drasticamente”, constata Maria. “Precisamos de mudanças profundas de métodos e conteúdos na área acadêmica.”
“Ciência moderna é fruto de anos de exclusão de mulheres”
A pós-doutoranda da Fundação Oswaldo Cruz, Marina Nucci, reflete sobre as implicações do gênero na ciência e para a ciência. “Não se trata apenas de ampliar o acesso de mulheres na ciência, mas de pensar a forma como o conhecimento científico é produzido.”
Marina discorreu sobre o poder de imagens e noções estereotipadas. “A ciência ainda é considerada masculina, racional, objetiva; ainda existe a noção de que o homem deve ocupar o espaço público e, a mulher, o doméstico. Enquanto isso persistir, o campo científico nunca será nivelado”, afirma, também citando uma autoridade internacional sobre a história do gênero na ciência, a pesquisadora Londa Schiebinger. “Para trazer mais mulheres para a ciência, precisamos reestruturar o mundo profissional e o mundo doméstico. Devemos questionar a própria noção de neutralidade científica e da forma através da qual a ciência alimenta, até recentemente, as hierarquias de gênero na sociedade.”
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