O professor da Faculdade de Medicina da UFJF, Gláucio Silva de Souza, foi o cirurgião responsável pelo primeiro transplante de fígado da macrorregião mineira que engloba a Zona da Mata e Campo das Vertentes. Devido à extensão do estado de Minas Gerais, a lista de pacientes à espera de órgãos é dividida por região. O procedimento considerado bem-sucedido que ocorreu neste sábado, 5, na Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora, representa um avanço para a população da região que passa a contar com o serviço de forma mais regionalizada. Levando em conta que, segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), houve queda de 11,4% no total de doações de órgãos efetivas em todo o estado nos últimos três anos, esta é uma importante conquista.
Até 2017, quando a Santa Casa foi credenciada para realizar transplantes de fígado, o hospital possuía autorização somente para rins e córneas. Após o sucesso da cirurgia de sábado, Souza pretende dar continuidade à lista de receptores também de fígado, pois, segundo ele, existe na região um número considerável de doadores. Além disso, o médico considera fundamental investir na formação dos alunos. “Temos planos para oferecer matérias opcionais e organizar campanhas de esclarecimento para futuros profissionais mostrando a importância de orientar corretamente as famílias dos pacientes sobre a doação de órgãos. Segundo o médico a conscientização dos profissionais da área da saúde em relação ao tema é fundamental para que o estado avance com eficiência nesta área. “A população precisa saber quando, como e quem pode doar órgãos, além da segurança e confiabilidade do processo e os principais atores desse processo de esclarecimento são os médicos,” explica Souza.
O credenciamento dos hospitais é feito pelo Ministério da Saúde a partir de vistorias que analisam a possibilidade de realizar determinado tipo de transplante. Para que haja a autorização, é necessário que a instituição tenha uma equipe com capacidade de fazer o diagnóstico, a captação do órgão na região, o exame de compatibilidade – no caso do fígado, é através da tipagem sanguínea ABO, equivalente a transfusão de sangue –, a operação de transplante e o acompanhamento após o procedimento. Segundo Souza, em relação à lista, é necessário um controle rigoroso do Ministério da Saúde, pois, no transplante, é essencial a confiança do paciente. Por isso a importância de seguir a ordem de receptores de órgãos. “Nós não podemos brincar com a confiança do paciente. Pode haver um doador no mesmo hospital que um paciente necessitado, mas a lista será respeitada e o órgão vai para o primeiro da fila da lista regional.” Souza, que conta com experiência internacional e estuda o tema desde 2000, é referência em transplantes na região e chefia a equipe da Santa Casa. “Dedico a minha vida a isso. As pessoas ao meu redor já sabem que a qualquer momento posso ser acionado, mas eu já me acostumei e faço com prazer, pois foi isso que eu escolhi para mim”, relata o professor.
Transplantes
O Brasil possui hoje um dos maiores programas públicos de transplantes de órgãos e tecidos do mundo. Com 548 estabelecimentos de saúde e 1.376 equipes médicas autorizados a realizar transplantes, o Sistema Nacional de Transplantes está presente em 25 estados do país, por meio das Centrais Estaduais de Transplantes.
Para ser um doador, não é necessário fazer nenhum documento por escrito. Basta que a sua família esteja ciente da sua vontade. Assim, quando for constatada a morte encefálica do paciente, uma ou mais partes do corpo que estiverem em condições de serem aproveitadas poderão ajudar a salvar as vidas de outras pessoas. Lembre-se que alguns órgãos podem ser doados em vida. Veja as orientações da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) em relação às dúvidas mais frequentes.
A Política Nacional de Transplantes
A gratuidade da doação e a garantia do bom tratamento, tanto aos receptores quanto aos doadores, são garantidas pela Política Nacional de Transplantes de Órgãos e Tecidos. Por meio dela, é estabelecida a regulação da rede assistencial para o funcionamento de equipes e instituições autorizadas a realizar o procedimento. O regulamento técnico do sistema nacional, responsável por regular a captação, distribuição e transplante de órgãos está disponível on-line.
UFJF e os transplantes
Os alunos de medicina da UFJF têm a possibilidade de participar da Liga Acadêmica de Transplantes de Órgãos da UFJF (LATTO). De acordo com Ariel Cruz, presidente da liga, essa iniciativa dá aos alunos a oportunidade de participarem de atividades como ambulatório, captação e transplante. Além destas, são realizadas reuniões formativas durante o ano, contemplando questões referentes à temática, atividades de conscientização da sociedade em datas comemorativas e produções científicas.
“Toda a equipe envolvida nos trabalhos da Liga tem grande conhecimento para compartilhar, pois têm grande experiência atuando na área. Além disso, são profissionais que têm o interesse em compartilhar o que sabem, propiciando um grande ganho aos participantes. Eles atuam ativamente nas atividades da Liga, propondo aulas, reuniões, ações, estando lado a lado com o ligante nos ambulatórios, no centro cirúrgico, e nos eventos científicos”, ressalta Ariel.
Para Gláucio, essas são iniciativas que possibilitam ao estudante conhecer essa que é uma área nova no meio médico. No Brasil os transplantes só começaram a ser feitos em grande escala a partir dos anos 2000 e, por ser recente, muitas universidades ainda não conseguiram adaptar as suas grades curriculares o assunto.
“Eu acredito que a minha experiência na área contribui para que os alunos, mesmo que não sigam essa área, sejam profissionais bem informados sobre o assunto e capazes de prestar auxílio a seus pacientes com o encaminhamento correto”, aponta o professor Souza.
Seja um doador
Se, por um lado, acontece um crescimento notável na capacidade técnica para a realização de várias modalidades de transplante no país, por outro, a desinformação e o tabu acerca do tema ainda resultam na escassez de órgãos doados.
A doação pode ocorrer a partir do momento da constatação da morte encefálica (morte cerebral). Um dos principais obstáculos é a negação da família em consentir que seja feita a doação — por isso, o principal passo para se tornar um doador é conversar abertamente com familiares, deixando claro o desejo em oferecer os órgãos para transplante. O consentimento da família basta para o procedimento ser realizado, ou seja, não seria preciso deixar algum registro em escrito. A doação em vida também é possível, em caso de parentesco em até 4° grau, ou por meio de autorização judicial, caso o receptor não seja parente do doador.