FRANCESCA ANGIOLILLO
EDITORA-ADJUNTA DE CULTURA – Folha de S. Paulo
27/07/2017 02h05
A mesa “Arqueologia de um Autor”, às 12h desta quinta (27), pode acabar desencavando não só os traços de um, mas de dois escritores.
Dela participa, ao lado dos estudiosos de Lima Barreto Beatriz Resende e Felipe Botelho Corrêa, Edimilson de Almeida Pereira, 54 –como eles professor de letras, mas, à diferença deles, poeta.
Não se pode bem dizer que E.A.P. –como esse gentil professor da Universidade Federal de Juiz de Fora às vezes assina– estivesse escondido. Afinal, vem publicando poesia, de forma constante, desde 1985, quando estreou com “Dormundo”.
Seu lançamento mais recente é “Qvasi”, que sai pela 34. Sua obra reunida, publicada pela Mazza, de Belo Horizonte, soma cerca de mil páginas.
“De fato, trata-se de um paradoxo porque, embora seja ‘obra reunida’, os poemas aparecem em quatro volumes. De certo modo, essa edição aponta para as ‘personae’ que me habitam e que, para cada momento, me oferecem uma experiência diferenciada de criação e de análise do discurso”, diz E.A.P. fala à Folha por e-mail, na véspera de sua chegada a Paraty.
“Gosto de trabalhar dois ou três textos ao mesmo tempo. Lido assim com a poesia, procurando arquitetar os textos a partir de perspectivas estéticas e temáticas diferenciadas.”
Ele explica que esse trabalho de construção paralela lhe dá a sensação de “dividir a criação” entre essas diferentes ‘personae’.
“Quando estou trabalhando em poemas, estou produzindo também algum texto de ensaio”, diz o escritor, que lança também dois volumes do gênero, pela Azougue. “A Saliva da Fala” e “Entre Orfe(x)u e Exunouveau”.
Em linhas gerais, ambos se dedicam a aspectos da produção cultural dos descendentes da diáspora africana no país, tema que está na base de sua pesquisa acadêmica.
DENSIDADE
O resultado do trabalho que ele, resumindo, diz ser pautado pela “reflexão” é uma obra densa e apreciada por seus pares.
“Ele publica muita coisa, e mantém um nível de qualidade muito elevado”, diz o poeta e tradutor Paulo Henriques Britto, que já o incluiu no curso de poesia brasileira contemporânea que ministra na pós-graduação da PUC-Rio.
“A poesia dele não é de fácil leitura; é densa, cerebral, com uma musicalidade que não se capta de imediato”, define. “Mesmo quando aborda a questão étnica, jamais resvala para o panfletário, e nunca é confessional ou sentimental; pelo contrário, tem uma secura, uma dureza que lembra alguns momentos de Drummond.”
O próprio Pereira tem uma leitura semelhante de seu trabalho. “Gosto de alimentar o contato lírico, amoroso e afetivo com a realidade. Mas, quando a escrita se impõe, prefiro ser rigoroso na seleção dos motivos e formas que demarcam o poema”.
E complementa, lembrando outro poeta consagrado: “Para mim continua valendo o norte cabralino do escrever cortando palavras, ou do escrever como quem cata feijões”. “Tento puxar as rédeas da linguagem, na expectativa de armar o poema de modo contido e econômico.”
Com essa contenção, E.A.P. trata de temas que, embora entranhados na nossa formação pelo passado colonial escravocrata, podem soar distantes, mesmo exóticos, nas grandes capitais.
Cantos e tradições, como o congado, comparecem, bem como evocações familiares e memórias, em certos momentos, coletivas –a história de Minas refigurada aqui e ali–, em outros, pessoais.
“Devo minha aproximação à prática da escrita e à percepção de sua relevância na experiência social às professoras que tive nas escolas públicas que frequentei”, diz ele.
Além de escritos da mãe, perdidos em sucessivas mudanças, ele diz que foi uma dessas professoras, Ângela, no segundo ano, quem despertou nele o desejo de ser escritor, ao lhe um livro “como sinal de bom aproveitamento nas aulas de escrita”.
Desde cedo, diz, soube que o rumo seria o da poesia, descoberto nas “conversas nas ruas e nas casas, os cantos sagrados, os enunciados de vendedores ambulantes, as narrativas e os jogos de palavras” do bairro onde cresceu, “entre as heranças rurais e o um processo incipiente de urbanização”.
Pereira se assume devedor de Drummond e João Cabral, bem como de García Lorca “e outros”. Mas não menos do que de narradores orais, “uma roda de pessoas do interior das Gerais”, da MPB e dos textos acadêmicos. “Muitos dos poemas que escrevo só me parecem poemas porque oscilam entre a poesia e a prosa, a fala e a escrita, a história e a ficção.”
É de esperar, como diz Paulo Henriques Britto, “que a presença dele na Flip atraia mais atenção para a sua obra”.
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QVASI
AUTOR Edimilson de Almeida Pereira
EDITORA 34
QUANTO R$ 43 (152 págs.)
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MESA 2 – ARQUEOLOGIA DE UM AUTOR
CONVIDADOS Beatriz Resende, Edimilson de Almeida Pereira e Felipe Botelho Corrêa
QUANDO 12h, no Auditório da Matriz; transmissão no site do evento