Os dois monitores, simetricamente dispostos na mesa de Danilo de Oliveira Sampaio, exibem um extenso e-mail, recebido, há poucas semanas, da World Association for Sustainable Development (WASD) — Associação Mundial para o Desenvolvimento Sustentável. Traduzindo as primeiras linhas da mensagem, Sampaio explica que foi convidado para uma conferência no Palácio das Nações em Genebra, em abril do ano que vem.
“Nesta conferência, a UFJF foi convidada para representar o Brasil na ONU”
Sediada na Inglaterra, a WASD atua como um braço da Organização das Nações Unidas (ONU), fomentando o desenvolvimento sustentável no mundo. Realizada anualmente pelas duas instituições, a conferência recebe pesquisadores, oriundos de todos os países membros da ONU, para avaliar os avanços alcançados nesse campo e os trabalhos acadêmicos desenvolvidos sobre o tema.
“O grupo de trabalho para o qual fui convidado ficou responsável por receber e avaliar os artigos tratando de parcerias público-privadas dedicadas ao desenvolvimento sustentável”, conta o professor, que é convocado pelo quarto ano consecutivo. Na lista de convidados anexa ao e-mail, constam apenas outros dois pesquisadores de universidades sul-americanas. “É um resultado muito interessante do trabalho que temos desenvolvido na Universidade, marcado pela publicação de artigos, inclusive internacionalmente. Nesta conferência, a UFJF foi convidada para representar o Brasil na ONU.”
Como é recebida, por nós, a ideia de sustentabilidade?
A relação de Sampaio com a associação britânica foi travada a partir do grupo de pesquisa Desenvolvimento, Sustentabilidade, Comportamento e Organizações (Descor) — da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis (FACC). Investigando o desenvolvimento sustentável sob diversas perspectivas, o Descor recentemente propôs pesquisar a percepção das organizações (públicas e privadas) sobre o desenvolvimento sustentável, e qual a recepção dos usuários sobre essas entidades no que diz respeito ao tema.
Uma espécie de fidget spinner dos conceitos de nosso tempo, atualmente, a “sustentabilidade” aparece com frequência na mídia, é uma idéia almejada pelas marcas, mesmo que ainda não seja totalmente compreendida. “Não podemos culpar as organizações por isso. Desenvolvimento sustentável é um conceito já amplamente conhecido no meio acadêmico, mas existe um distanciamento entre a Universidade e a sociedade. Então, cabe ao meio acadêmico se aproximar mais, difundir a ideia.”
O trabalho do Descor foi desenvolvido em duas frentes; uma delas, voltada para o setor público, consistiu na aplicação de questionários e entrevistas em organizações — das esferas municipais, estaduais e federais — de Juiz de Fora, Uberlândia e Belo Horizonte. Segundo Sampaio, com esses dados, foi apurado se as organizações estão preocupadas com o Desenvolvimento Sustentável, se sabem o que é, se conhecem as políticas tomadas nesse sentido, entre outras questões. A outra parte da pesquisa foca no consumidor final, nos indivíduos que são usuários dos serviços prestados por essas organizações. Os pesquisadores do Descor, então, estavam interessados na percepção desses consumidores-cidadãos sobre o Desenvolvimento Sustentável, se e como compreendiam esse conceito, e qual era sua avaliação das ações propostas pelo setor público nesse campo.
Empresas e a visão sobre ser sustentável
Sampaio adianta algumas respostas encontradas. “Quanto às organizações do setor público, o que observamos é que, muitas vezes, o conceito de Desenvolvimento Sustentável é reconhecido, mas não é trabalhado ou assimilado corretamente.”
“O setor público carece de gestão, e no que tange o desenvolvimento sustentável, todos os campos do conhecimento podem colaborar”
A mesma confusão sobre o tema ocorre entre os consumidores-cidadãos, de acordo com Sampaio, que revela um outro aspecto da percepção dos usuários sobre os serviços prestados pelas organizações. Em outra pesquisa, os alunos de Graduação da FACC entrevistaram pessoas que utilizavam os sistemas de saúde, educação e transporte público, e pediram que dessem uma nota de 1 a 5 para a qualidade desses serviços. “Infelizmente, as notas ficaram entre 3 e 1. Foram dados muito recentes, esses que conseguimos nessa pesquisa, e que nos preocupam. Porque a aplicação do desenvolvimento sustentável nesses setores é muito necessária, e muito ampla. O que o poder público está fazendo no sentido de fiscalizar os consórcios que prestam esse serviço? É preciso rediscutir esses problemas.”
Além disso, apesar de práticas voltadas para o desenvolvimento sustentável serem mais comuns em organizações do setor privado, o professor percebe que, em áreas como o comércio de pequeno porte, quase não existe conscientização. “Nossa região tem forte vocação econômica para o Comércio e Serviços, e o varejo desses setores representa, aproximadamente, 74% do PIB de Juiz de Fora. No entanto, as empresas de médio e pequeno porte (a grande massa econômica da cidade) não recebem nenhuma campanha de conscientização ou fomento para o desenvolvimento sustentável.”
“É preciso pensar, também, que a demanda no setor público é muito maior que no privado. Nosso modelo de saúde pública, por exemplo, não é ruim — ao contrário, é muito elogiado internacionalmente. Porém, não dá suporte ao tamanho da demanda que recebe. O setor público carece de gestão, e no que tange o desenvolvimento sustentável, todos os campos do conhecimento podem colaborar: da comunicação a administração, da biologia a engenharia. É um tema que precisa ser debatido com profundidade.”