Para muitos jovens brasileiros, a carreira científica pode parecer tão distante quanto as estrelas. Nestes casos, seguir a rota traçada por pilotos veteranos pode ser uma forma segura de alcançar os pontos mais misteriosos da galáxia. Colaboradora da Nasa (Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, significado em português), a astrônoma Duília de Mello falou nesta última terça-feira, 23, com a propriedade de uma viajante inveterada de uma longa carreira científica internacional.
Conhecida por ser uma das brasileiras mais influentes no meio da ciência, Duília também é vice-reitora da Universidade Católica de Washington e se dedica à divulgação científica voltada para a sociedade, especialmente jovens e crianças, objetivo que guiou sua palestra para mais de 300 pessoas na UFJF. Além do evento no Anfiteatro da Faculdade de Engenharia, Duília foi recebida pelo reitor Marcus David e visitou o Centro de Ciências e Observatório da UFJF, avaliando a estrutura e a iniciativa da Universidade de forma positiva. “O Centro contribuirá muito para a divulgação da ciência na região, já que o conteúdo é passado de forma dinâmica e bem interessante. Será uma excelente ferramenta para os professores.”
“Sair do armário”
Para Duília, os pesquisadores precisam “sair do armário”, ou seja, deixar seus laboratórios e ir até as pessoas para poder falar de ciência. “O grande problema de fazer divulgação científica é que exige certo talento. Transformar conceitos complexos em linguagem simples não é muito fácil e, por isso, o cientista acaba deixando de lado essa conexão com a sociedade.”
A pesquisadora vê a divulgação científica como forma de prestar contas para a sociedade do que é feito nos laboratórios — mas ela também ressalta que, quando expomos a ciência de forma fácil, fomentamos nas crianças o desejo de serem cientistas. Duília lembra que esse processo aconteceu com ela pela da série de TV Cosmos, através do carisma do cientista e apresentador Carl Sagan e seu dom para desmistificar o conteúdo científico nos anos 1980.
“Eu acredito que o futuro da divulgação científica está nas mídias sociais. O Youtube é uma excelente ferramenta para isso, mas ainda não cativou os cientistas. O Facebook, os blogs e principalmente o Twitter, já que essa é uma ferramenta muito utilizada por cientistas fora do Brasil, são hoje os canais mais usados. No entanto, eu gosto muito das produções audiovisuais que se propõem a falar de ciência, como The Big Bang Theory, a nova série Cosmos, o filme Interestelar, entre outros”, aponta Duília sobre o papel das mídias como aliadas da difusão conhecimento.
Dentre suas iniciativas de promoção da ciência, a astrofísica fundou a Associação de Mulheres das Estrelas (AME), que visa incentivar a divulgação científica através de visitas nas escolas e em empresas. A pesquisadora também escreveu dois livros que procuram aproximar a produção de conhecimento ao público em geral. “Vivendo com as estrelas” e “Pedro, uma pedra especial” têm uma linguagem propícia para crianças e jovens entenderem a ciência de forma fácil e dinâmica. “Acredito que, futuramente, conseguiremos promover bolsas de iniciação científica, feiras de ciência, instalação de clubes de ciência e muito mais. Porém, para isso precisamos de patrocínios, o que tem sido bem difícil de conseguir até agora”, conta sobre os planos da AME.
A palestra
Em visita à UFJF, a professora contou um pouco sobre sua trajetória e os mistérios do cosmos para um público diverso, incluindo docentes e discentes da Universidade, alunos do Ensino Médio e famílias.
Sua infância, conta Duília, foi marcada pelas viagens da Pioneer 11 — uma das primeiras sondas enviadas pela Nasa — que, ao longo da década de 1970, transmitia imagens do sistema solar (com detalhes inéditos na exploração espacial) para a Terra. Fascinada por essas fotos, decidiu que ia se tornar uma astrônoma e entender os segredos do espaço.
“Quando eu falei em casa que queria ser astrônoma, minha família toda perguntava: ‘astro-o-quê?’”, brincou a pesquisadora. Até se tornar vice-reitora da Universidade Católica da América, Duília se especializou em radioastronomia (que investiga as estrelas a partir das ondas radioelétricas de origem cósmica) e foi para o Chile, onde as montanhas altas e a aridez “permitem enxergar o universo mais de perto, sem interferência atmosférica”. Lá, a professora realizou seu pós-doutorado, no Observatório Interamericano de Cerro Tololo. “Nesta época, aconteceu uma coisa importante na minha vida. Eu descobri uma supernova”, lembra, se referindo à Supernova 1997D, descoberta enquanto a pesquisadora estava no telescópio La Silla.
“Quando a gente faz ciência, é comum ficar muito envolvido nos detalhes e esquecer o porquê de fazermos isto. Essa supernova me lembrou da beleza do universo.”
“Olhando nas imagens do telescópio, não é possível ver as estrelas individualmente nessa escala, o brilho delas se combina, formando uma grande mancha de luz. No entanto, essa estrela se destacava. Quando uma estrela explode, sua luz se torna tão brilhante que é possível enxergá-la mesmo a essa distância. Isso aconteceu em 1997 e, no momento em que a luz chegou no meu telescópio, essa explosão já havia acontecido há 53,8 bilhões de anos. Perceber isso foi muito importante para mim, porque eu já começava a esquecer a beleza da astronomia. Quando a gente faz ciência, é comum ficar muito envolvido nos detalhes e esquecer o porquê de fazermos isto. Essa supernova me lembrou da beleza do universo.”
Usando sua descoberta como pano de fundo durante a palestra, a pesquisadora passou a explicar a importância dessas explosões estelares para nós, aqui na Terra, e para os planetas de galáxias distantes. Conforme Duília, a geração de elementos químicos gerados no interior das estrelas, e sua posterior explosão, enriquecem a composição do universo. “A energia gerada pelo sol, por segundo, equivale a de 100 milhões de bombas de hidrogênio”, exemplifica. “O sol é maravilhoso. Por isso a gente nunca deve esquecer de valorizar nossa estrela. Ela é um reator nuclear impossível de ser reproduzido.”
A pesquisadora explicou, ainda, que estrelas como a SN 1997D (com muito mais massa do que o nosso sol) são “as grandes poluidoras do universo”. No caso destas, a variedade de elementos gerados vai ser ainda maior, chegando a ter ferro em seu núcleo, um elemento muito importante para a evolução química do universo.
Outra descoberta realizada por Duília no decorrer de sua carreira foram as bolhas azuis, definidas por ela como “grandes berçários de estrelas”. A pesquisadora exibiu imagens e explicou o processo de descobrimento para o público presente. Ao final da palestra, respondeu perguntas sobre vida fora da Terra, teoria de multiversos, importância da divulgação científica, entre outros.
Para conferir o áudio completo da palestra, na íntegra, confira o arquivo a seguir:
Outras informações: