As mulheres são maioria dentre os estudantes da graduação nos dois campi da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Na sede, representam 52,57% do universo total de 17.319 discentes presenciais. Já o campus de Governador Valadares possui 1.431 alunas, o equivalente a 62,27% de matriculados. Nos cursos de graduação a distância, a situação não é diferente: as mulheres ocupam 56% das vagas, somando 1.292 matriculadas.
Nos cursos de mestrado e doutorado, a participação feminina é levemente inferior à masculina: as alunas somam 1.351 matriculadas, o correspondente a 47,01% do total de estudantes.
A escolaridade é tida como fator que eleva a produtividade da economia como um todo, além de gerar outros efeitos positivos, como a melhora de salário e de oportunidades. Esse é um dos objetivos da mestranda em Ciências Sociais na UFJF, Sheila Cristina Gonçalves, 29 anos, assim como de milhares de outras brasileiras. Sheila era comerciária e o ingresso como aluna na Universidade deu-se na graduação em Ciências Sociais, em 2009.
“Grande parte da minha graduação foi dividida entre uma longa jornada de trabalho no comércio e uma participação pouco expressiva em sala de aula, considerando que o meu trabalho consumia mais de dez horas diárias. Ao perceber que minha formação estava comprometida devido às desvantagens oriundas da ausência de tempo para dedicação plena aos estudos, busquei alternativas que amenizassem essa situação. Foi nesse momento que me deparei com o programa de Apoio Estudantil da UFJF, que foi de fundamental importância para a mudança e otimização da minha trajetória acadêmica. O Apoio prioriza a permanência dos alunos na graduação, concedendo auxílio financeiro. Em algumas categorias, para ser assistido o aluno necessita dedicar 12 horas semanais a atividades institucionais. As minhas horas de trabalho foram dedicadas ao próprio Programa de Apoio Estudantil, onde eu auxiliava no atendimento aos alunos assistidos.”
Políticas afirmativas: ampliação do acesso à Universidade
A mestranda conta que fez a inscrição na graduação em Ciências Sociais pelo processo seletivo que contemplava alunos cotistas, sistema para estudantes de escola pública e autodeclarados negros. “O início da graduação para mim, foi marcado pela sensação de não pertencimento e de dificuldades de adaptação ao universo acadêmico. Pude observar que isto não acontecia somente comigo, mas também com os outros alunos negros cotistas. Tínhamos maiores dificuldades de adequação do que os demais alunos. Esse fenômeno teve, para mim, algo de positivo, pois aguçou meu interesse em compreender o processo de inserção dos negros em instituições de ensino superior públicas.”
“Alunos e ex-alunos apoiados pelo programa relatavam o quanto foi importante a assistência recebida, para que pudessem de fato, concluir a graduação.”
Sheila Gonçalves
No Programa de Apoio Estudantil, Sheila conheceu casos semelhantes ao dela e transformou as inquietações em trabalho acadêmico. “Alunos e ex-alunos apoiados pelo programa relatavam o quanto foi importante a assistência recebida, para que pudessem de fato, concluir a graduação. Pude constatar também que a maioria dos alunos cotistas recebiam o auxílio ofertado pela universidade. Essas observações são hoje inquietações que foram organizadas na minha monografia, com intuito de buscar compreensões e contribuições sobre o cenário da desigualdade racial no contexto da sociedade brasileira.”
UFJF é plural
A doutoranda em Ciência da Religião, mestre em Ciência da Religião e graduada em História pela UFJF, Maria Luiza Igino Evaristo, 41 anos, também vivenciou as transformações decorrentes, dentre outros fatores, do processo de ampliação de vagas na instituição e de adoção de políticas afirmativas e de apoio estudantil. “Durante minha graduação, iniciada em 1997, convivi com dois ou três negros no meu curso, cada um em um período. E por essa falta de representatividade, as questões negras discutidas eram focadas na escravidão e com um olhar bastante viciado. Quando voltei alguns anos depois para fazer pós-graduação, pude viver a experiência de cruzar com diversos negros e negras pelos corredores, a maioria da graduação, mas esse fato é importante, não apenas por nossa inserção no meio acadêmico, mas pela representatividade e pela possibilidade de novas discussões sobre a questão negra, a valorização de uma identidade negra e a possibilidade de ocuparmos novos espaços dentro da sociedade. Na pós-graduação ainda somos poucos, mas estamos chegando também e provando que nossas pesquisas têm a mesma qualidade que as dos demais pesquisadores.”
“Acho que a minha história mostra como o espaço da universidade pode ser acolhedor para as pessoas transexuais e travestis, propiciando seu empoderamento enquanto sujeitos de direitos”
Brune Coelho
A doutoranda em Psicologia, mestre e graduada em Psicologia pela UFJF, Brune Coelho Brandão, primeira aluna transexual a concluir pós-graduação stricto sensu na Universidade, também tem ‘provado’, sob outro viés, que a diversidade do corpo discente favorece reflexões importantes para a instituição e a sociedade de um modo geral. “Sou aluna da UFJF desde 2009, quando ingressei na graduação em psicologia. O meu processo de transição de gênero ocorreu durante o curso. Vou falar da minha história pessoal que, infelizmente, não é hegemônica ao passo que ouvimos outras realidades dentro do campus, que é bem heterogêneo. Eu não sofri nenhum tipo de represália. Os professores e professoras do curso de Psicologia, graduação e pós-graduação, os funcionários e funcionárias do Instituto de Ciências Humanas (ICH), meus amigos e amigas de curso, todos foram muito abertos às minhas necessidades, me trataram com extremo respeito. Ouvi muita gente dizer que aprendeu com a minha história. Por mais que às vezes não tivessem conhecimento teórico em alguns casos, foram sensíveis, ouviram e atenderam minhas solicitações. “
Segundo ela, mesmo antes da portaria, teve seu direito reconhecido na UFJF. “Antes da Portaria que regulamenta o uso do nome social na UFJF ser aprovada, eu já fazia uso do nome social. Tanto que o meu trabalho de conclusão de curso saiu com o nome social, no fim de 2013. A Portaria é de 2015. Acho que a minha história mostra como o espaço da universidade pode ser acolhedor para as pessoas transexuais e travestis, propiciando seu empoderamento enquanto sujeitos de direitos. Na minha história de vida, a universidade fez muita diferença.”
Os desafios
“Combater o racismo e o machismo não é algo simples, por isso é fundamental compreender como eles operam. O racismo e o machismo muitas vezes são expressados de uma forma muito sutil. Em meu percurso acadêmico, vi que os autores estudados são, em maioria, homens. Apenas em uma das disciplinas uma docente inseriu autoras, nas referências para leitura. Os docentes trabalharam, em sua grande maioria, com autores homens, não havendo espaço para autoras negras. Mas uma das maneiras de combater o machismo é o questionamento. A mudança está em questionar os docentes o motivo pelo qual não há a presença de autoras, bem como autoras negras. Elas existem, então qual o motivo de invisibilizá-las ou negligenciá-las?”, questiona Sheila.
A avaliação é compartilhada por Brune: é preciso avançar mais. “A Universidade está caminhando nesses avanços e precisa deixar claro que direitos não se barganham. No que diz respeito às mulheres trans, a UFJF precisa abraçar efetivamente a luta e investir em capacitação de funcionários da instituição. A Portaria, de 2015, que regulamenta o uso do nome social foi um passo importante, mas não podemos parar por aí. Temos que promover o respeito, legitimar o uso do nome social e do banheiro conforme a identidade de gênero.”
UFJF repudia práticas discriminatórias
A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) repudia práticas racistas, machistas, LGBTTIfóbicas e qualquer outro tipo de discriminação. Com o objetivo de desenvolver políticas de identificação, apoio e prevenção aos casos de violência, a atual administração da UFJF propôs a criação da Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas, em dezembro do ano passado.
Se você foi vítima de preconceito na UFJF, denuncie.
Procure a Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas, na sala da Diaaf, no prédio da Reitoria, de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 18h, ou por meio do telefone (32) 2102-6919.