Em meio ao denso debate que vem ocupando a sociedade e a mídia, foi realizado na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) neste sábado, 3, a mesa-redonda “As reformas educacionais no cenário político atual: propostas e tensões”. Nesta, foram debatidas as motivações, as consequências e a legitimidade jurídica das recentes propostas de reforma no ensino básico, como a MP 746 — que altera a lei de diretrizes e bases da educação para reformar o Ensino Médio — e o congelamento de gastos do governo em setores como educação e saúde, como é proposto na PEC 55.
Mediada pela coordenadora de Licenciatura dentro da Pró-reitoria de Graduação (Prograd) da UFJF, Angélica Cosenza, a conferência foi conduzida pela professora Elita Betania Martins (UFJF), que tratou do contexto pedagógico e social das mudanças propostas, e pelo professor Frederico Riani (UFJF), abordando o cenário político e jurídico das reformas.
A motivação para o evento partiu do entendimento de que a MP 746 é “inconstitucional e representa um processo de precarização da educação pública”, segundo Angélica. “Surgiu a ideia de organizar uma ação formativa, dirigida aos bolsistas da Universidade, aos professores parceiros das escolas e aos projetos ligados à educação de forma mais estreita.”
Necessidade de uma “escola mais plural”
Elita Martins iniciou sua fala partindo da crise econômica de 2008, quando então se “profetizou” o fim do neoliberalismo. Conforme a professora, as previsões não levaram em consideração a capacidade do sistema econômico de se adaptar, se infiltrando em diversos setores da sociedade e, enfim, saindo fortalecido da recessão. Ainda de acordo com Elita, a educação teria assumido, desde a década de 90, uma lógica focada em resultados. “Com isso, o desempenho do aluno passa a ser exaustivamente mensurado. Questões como acolhimento e projetos extracurriculares ficaram em segundo plano, preteridas em benefício do resultado dessas escolas em tais avaliações.”
“A única forma de barrar retrocessos nas políticas públicas de educação é por meio de uma escola mais plural, baseada no diálogo e na construção conjunta dos saberes”
Para conservar os índices, os colégios começaram a realizar processos seletivos, criando provas para que os alunos com melhor desempenho fossem premiados com descontos na mensalidade do ensino privado. Esse clima de competição vai ao encontro da subjetividade neoliberal que, segundo Elita, é fundamental para a manutenção do sistema econômico. A professora aponta que este seria o ponto de partida das propostas de reforma do ensino, alegando que a MP 746 seria uma forma de acelerar a linha de produção do ensino, formando alunos mais preparados para performar melhor dentro da lógica de mercado.
Para a professora, mudanças como a criação de linhas temáticas optativas ignoram limitações práticas, como o orçamento das escolas públicas e sua acessibilidade aos estudantes. Ao mesmo tempo, o aumento da carga horário proposta pela MP, acompanhada do congelamento dos gastos e investimentos em educação, estaria caminhando para tornar o ensino público mais precário. Elita também alegou preocupação com o mesmo problema no cenário de condições de trabalho de educadores do Ensino Médio.
A professora concluiu sua fala apontando que, na contramão do que propõe projetos como a MP 746, a única forma de barrar retrocessos nas políticas públicas de educação é por meio de uma escola mais plural, baseada no diálogo e na construção conjunta dos saberes.
Risco do comprometimento de futuras gerações
O professor Frederico Riani resgatou os conceitos e o momento histórico nos quais foi pautada a formulação da Constituição de 1988, excepcional, segundo ele, por ter se originado de um processo de construção social. Dessa forma, o documento que organiza e normatiza as relações políticas do país teria maior foco nos direitos cidadãos e sociais. A partir dos anos 1990, porém, esse viés foi gradativamente invertido, havendo esforços, segundo o professor, para minar seu aspecto social em favor do produtivo.
Riani apontou que a ausência de participação e diálogo com a sociedade, fundamentais para dar cabo de revisões constitucionais profundas, acaba resultando, segundo sua opinião, na pouca legitimidade das propostas de reforma orçamentária e educacional.
Relembrando o histórico de constituições brasileiras, Riani ressaltou que apenas duas Constituições permaneceram em vigência por mais de 20 anos, uma delas sendo a própria de 88. Ao limitar direitos previamente garantidos à população durante um período tão extenso (a duração da PEC 55 compreende 20 anos) e comprometer o bem estar social de diversas gerações, a proposta estaria, segundo ele, em desacordo com os princípios jurídicos existentes.
“Ignoram que o crescimento populacional no país continua positivo e que a sociedade vem envelhecendo. Logo, haverão mais pessoas nascendo e mais pessoas necessitando de atendimento médico em 2018 do que em 2017, e assim por diante. Manter fixos esses investimentos implica em reduzir os custos per capita com esses serviços sociais. Tudo isso sob a justificativa do pagamento dos juros da dívida, alegando que é necessário acalmar o mercado, supostamente reticente em relação à capacidade do Brasil em pagar suas dívidas e voltar a atrair empréstimos. No entanto, desde o governo Sarney, o país não voltou a decretar moratória. As condições de pagamento dos juros não se alteraram. Não há razão para esse horror que o Brasil, alegam, vem causando no mercado.”