Encerrando sua visita à UFJF, o professor da Universidade de Lisboa, António Costa Pinto, realizou nessa sexta-feira, 23, a palestra “Democracia e ditadura no mundo contemporâneo”. O evento, promovido pelo Programa de Pós-graduação em História (Pppghis), teve como objetivo colocar os alunos de graduação do curso em contato com o professor lusitano, que ao longo da semana vinha participando de atividades e seminários com docentes e discentes da pós-graduação.
O professor Fernando Perlatto, vice-coordenador do Ppghis, avaliou a passagem professor português pela Universidade como uma etapa importante para a aproximação entre as duas instituições e para a internacionalização do curso.“É a segunda visita do professor a UFJF, dessa vez com o objetivo específico de contribuir para nosso programa desenvolver seu processo de internacionalização. Ainda está em andamento uma parceria entre o Instituto de Ciências Humanas (ICH) e o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.”
Panorama histórico
Coordenador do Instituto de Ciências Sociais na universidade portuguesa, Pinto resgatou, ao longo de sua fala, o histórico dos governos democráticos e ditatoriais, desde o final do século XIX até a atualidade. Conforme o professor, a primeira grande onda de democratização ocorreu na segunda metade dos anos 1800, num mundo dominado pelo Ocidente e pelo Norte, sustentados por um imenso sistema colonial.
Ressaltando, nesse ponto, a diferença entre liberalismo e democracia, o professor apontou esse período como o momento de proliferação democrática, com a instauração dos partidos políticos, a separação mais clara dos Poderes e a participação (relativa) das massas na dinâmica política. O século XIX, comentou Pinto, foi também marcado por uma globalização seminal: “Era muito comum, entre os membros da classe média francesa, investir capital em empresas na Argentina, na Rússia. Além disso, havia uma grande circulação cultural entre os territórios.”
O sucessor século XX, no entanto, teve seu princípio marcado pela expansão do pensamento autoritário e pelo nascimento de governos ditatoriais, especialmente no período entre as duas Grandes Guerras. Pautados por uma ideologia orgânica (que o professor classifica como o senso comum de uma sociedade), esses movimentos enxergavam de forma simplista a nação como um organismo, constituído de grupos muito distintos: associações patronais, sindicatos, imigrantes.
De onde vêm os ditadores
Segundo Pinto, entender o processo de instauração de uma ditadura não exige grande esforço de raciocínio, considerando o contexto sócio-econômico do território e do período em questão. A verdadeira questão, aponta ele, seria a extensão de autoritarismo a que chegam esses regimes. “Existe uma certa clareza ao analisar a ascensão do nazismo na Alemanha pós a Segunda Guerra, quando havia uma profunda crise econômica, administrada por um governo republicano extremamente complexo, como era a República de Weimar. Entender como essa ascensão culminou no holocausto demanda maior esforço.”
“Se um regime político existe em um país, estatisticamente, maiores são as chances desse mesmo regime se instalar no país vizinho.”
De acordo com o professor, os governos ditatoriais tendem a apresentar três características comuns. A primeira seria a personalização do poder, em que o governo autoritário é concentrado (simbólica ou efetivamente) nas mãos de um chefe. Para essa regra, as ditaduras militares no Brasil e na Argentina são exceções. “Se democracias precisam de partidos, ditaduras precisam de um partido”, explicou Pinto, assinalando o segundo atributo dos governos autoritários, ao qual o Brasil também escapou: frequentemente, quando o regime ditatorial se instala, o partido do qual se originou é oficializado como partido único (como é o caso do fascismo na Itália e na Alemanha e do comunismo na URSS), ou é criado um partido único (como na experiência salazariana, em Portugal).
A terceira característica, mais complexa de ser medida, é o nível em que o Estado e o Partido controlam a sociedade civil. “O totalitarismo afeta segmentos sociais não políticos, alterando diretamente o dia a dia na nação. Isso pode ser observado dramaticamente no governo de Pol Pot, no Camboja, em que havia o plano de mover toda a classe média ‘corrupta’ para o campo. Mas também esteve presente no fascismo e na URSS, onde havia casos de netos denunciando avós ao governo.”
O totalitarismo seria uma fase da ditadura, sendo insustentável a longo prazo. Nesse cenário, o partido único serviria de mobilizador político na sociedade, além de enquadrar seus cidadãos ao comportamento desejado pelo Estado. “Enquanto no Portugal de Salazar podia-se viver com relativa tranquilidade, desde que não se fizesse oposição ao regime, na Alemanha nazista e em alguns períodos do governo soviético não bastava não ser nada, era preciso ser ativamente a favor”, sintetizou Pinto. Quanto mais afetada é a sociedade pelo Estado, maior o nível de totalitarismo.
A segunda onda de democratização chegou com o pós guerra, ineditamente promovida nos países conquistados pela força conquistadora. Em contrapartida, territórios da Europa Central e Oriental foram englobados pela expansão soviética, tendo impostos governos ditatoriais. Nesse momento, a influência internacional tem grande impacto na instauração de regimes. “O caso da Grécia é ilustrativo nesse ponto, tendo um partido comunista subido autonomamente ao poder, sem considerável apoio externo. No entanto, estando a oeste do limite estabelecido de influência da URSS, foi invadida por forças britânicas.”
Concluindo sua narrativa, o professor classificou a terceira onda de democratização, vivida num passado recente e ainda em curso, como um processo continuísta, marcado pela capacidade das elites autoritárias e democráticas em firmar pactos sociais e mudarem seus regimes.
“Existe uma ilusão de que regimes democráticos são, invariavelmente, resultado de movimentos e conquistas dinâmicas da sociedade.”
Questionado sobre a influência econômica no surgimento de governos autoritários, o professor comentou sobre o atual cenário da União Européia, hegemonizada por uma Alemanha economicamente potente, e que vem abandonando seu projeto de construção de identidade europeia. Frente a crise econômica, a pressão dos interesses monetários alemães e a insuficiência das instituições internacionais do bloco, partidos populistas vem ganhando força.
Como na Hungria, atualmente governada por um partido ultraconservador que vem ampliando seus poderes institucionais, pressionando opositores e propagando uma ideologia xenófoba e racista. “No entanto, a presença de agentes internacionais pró-democratizantes inibe o surgimento de governos autoritários. O que temos visto são rupturas democráticas, uma piora nas condições democráticas. E regimes mistos, como o russo — que permite alguma liberdade de expressão, e realiza eleições, não manipuladas, mas controladas — e o chinês. A China, por sua potência econômica, é o governo autoritário mais curioso, e cujo futuro é mais incerto”, conclui.