Cristina dias

Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, Cristina Dias, pesquisa “Políticas do/no corpo: cultura e cidadania”. (Foto: Divulgação)

Você já parou para pensar no Sistema Único de Saúde (SUS) sob um viés político? Já olhou para situações que acontecem em hospitais pensando que elas podem ir além de problemas relacionados a saúde? Em seu projeto de pesquisa, “Políticas do/no corpo: cultura e cidadania”, a professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCSO) Cristina Dias se propõe a buscar um diálogo mais próximo entre essas duas especialidades da antropologia, levando em consideração o conceito de corpo.

Para isso, a pesquisadora traz a teoria do biopoder, de Foucault, como um dos principais pontos de embasamento para sua pesquisa. O biopoder é uma tecnologia que permite o controle da população e a biopolítica é um termo utilizado pelo filósofo para determinar que, na passagem dos séculos XVIII e XIX, a preocupação em governar e disciplinar deixa de estar focada no poder soberano e passa a estar centralizada na população e em suas necessidades. Sendo assim, é no corpo que se inserem os poderes, que exercem influência e “moldam” a sociedade.

Como um dos principais exemplos apresentados pela pesquisa, podemos observar o SUS, que a professora define como “braço governamental que aplica o conceito de que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado”. Pensando dessa forma, fica mais fácil enxergar esse sistema como uma das maiores políticas públicas do mundo. “É fundamental pensar no SUS como um sistema que é para todos, no qual cabem, ao mesmo tempo, pluralidades e muitas desigualdades”, complementa ela.

O projeto está registrado na Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais e é baseado em revisão bibliográfica. A intenção é promover um debate e entender o que tem acontecido nessas  especialidades nos últimos 15 anos no Brasil. Além de pesquisas em livros, artigos, dissertações e teses, também são estudados os anais de congressos, como os da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs) e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Foucault e a antropologia

O conceito de corpo é uma noção fundamental para entender esse processo da antropologia da saúde, que trabalha com a produção de etnografias que falam dos processos de saúde e doença. “Quando você pensa na perspectiva do corpo, o que pode ser doença pra um, pode ser saúde para outro e aí estou falando de distinções culturais mesmo”, explica a professora.

Já a antropologia da política aponta para uma visão do corpo mais voltada para Foucault, pensando em Estado de uma forma diferente da ciência política. Não se trata de uma entidade externa, mas algo que envolve as pessoas e o que elas fazem. A noção de Estado é movida para o cotidiano, para aquilo que acontece efetivamente no dia a dia.

Essas duas especialidades se desenvolveram de maneiras independentes no Brasil, formando dois grandes núcleos de estudos. Deste ponto vem o objetivo deste projeto de fazer uma conjunção entre a definição de Estado e biopolítica de Foucault com o processo de saúde e doença, que já é uma linha mais clássica da antropologia da saúde.

Etnografias nacionais

Em meio a tantos materiais utilizados como fonte de pesquisa, a professora Cristina se deparou com alguns exemplos de etnografias brasileiras que ajudam a pensar na convergência entre essas duas especialidades da antropologia, propondo um debate sobre a inserção do corpo nesse contexto.

Na tese “Parteiras, buchudas e aperreios”, Soraya Fleischer apresenta o sistema não oficial de partos em Melgaço, interior do Pará. Ao trazer a relação entre a parteira e a mulher que está dando à luz, a professora da Universidade de Brasília (UnB) consegue enfatizar a importância desse laço para a cultura daquele local. No caso de falecimento da mãe durante o parto, há o constrangimento, porque a parteira pode ser julgada socialmente por essa circunstância. No caso de falecimento da criança, a comoção é de outra ordem, porque há a compreensão de que pode haver uma complicação durante o parto que resulte no óbito do recém-nascido.

“Quando você vê esse debate no contexto hospitalar, há uma inversão simétrica disso, porque a violência obstétrica muitas vezes é descrita como um verdadeiro abandono da mulher que está em trabalho de parto”, comenta Cristina. Sendo assim, é possível ver que vai além de questões de saúde ou culturais, entrando também no campo do poder e como ele é exercido em algumas instâncias.

Aprofundando na área da antropologia da saúde, a professora Cristina também traz para a pesquisa seu livro “Viver em primeira pessoa: uma etnografia sobre humanização e técnicas do corpo”. A obra apresenta a iniciativa de profissionais da saúde de implementar um projeto de humanização das práticas terapêuticas em um hospital no interior de Goiás e permite uma reflexão a respeito do que é e quem está envolvido nesse processo.

Resultados

A pesquisa é extensa, mas o grupo envolvido já tem conseguido alguns resultados. Dentre eles, está a percepção de que a antropologia da saúde está em ascendência, despertando maior interesse para esse tipo de pesquisa e campo etnográfico, e recuperando etnografias clássicas dessa especialidade.

Por outro lado, a antropologia da política tem declinado em relação às produções que tiveram um crescimento maior nos anos 90.  A articulação entre os grupos relacionados ao Núcleo de Antropologia da Política, que tiveram muitas publicações entre 95 e 2005, caiu. Agora, também passa a ser interesse do projeto tentar entender como esse processo acontece.