Ao perceber dificuldades encontradas pela população em situação de rua na área da saúde, enfermeiras do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) traçaram perfis desse grupo em Juiz de Fora, a fim de entender como eles se cuidam, demandam atendimento de saúde e se relacionam com esses serviços.
A pesquisa, desenvolvida pelas enfermeiras Denicy Chagas e Elaine Soares, durante residência em Saúde do Adulto, resultou em convite para elaboração de capítulo do livro “Direitos Fundamentais das Pessoas em Situação de Rua”, contemplado pelo Prêmio Jabuti – o mais importante da literatura Brasileira -, em dezembro de 2015, na categoria Direito. O capítulo aborda os direitos à saúde das pessoas nessa condição. O tema foi aprofundado, em seguida, na dissertação de mestrado de Denicy.
Foram entrevistadas 68 pessoas que frequentavam o Núcleo do Cidadão de Rua, localizado no Centro de Juiz de Fora. A maioria está fora de casa por conta de rupturas familiares e uso de álcool e drogas ilícitas (veja quadro 1). Ouça o exemplo citado por Denicy de uma jovem de 18 anos, vítima de violência sexual:
A pesquisa identificou que essas pessoas têm independência para se tratar, porém o cuidado é prejudicado por não possuírem locais próprios para suprir necessidades básicas.
E a maioria não realiza exames preventivos periodicamente e procura atendimento médico apenas quando manifesta sintomas, como dores e febres (veja quadros 2 e 3). Uma senhora abordada por Denicy havia retornado de um atendimento médico, mas ainda se encontrava desamparada. Ouça:
Colaboração em livro premiado
A participação no livro veio de convite do Ministério Público de Minas Gerais, que chamou Denicy, Elaine, a professora Edna Aparecida de Castro, do Departamento de Enfermagem Aplicada da Faculdade de Enfermagem da UFJF, e o enfermeiro Edson José de Carvalho Magacho, do Hospital Universitário. “É um ganho muito grande saber que essa população está sendo vista, de uma forma ou de outra. Essa indiferença que ela sofre está sendo quebrada”, afirma Denicy, que também atua como professora substituta na Enfermagem.
Contribuições para o cuidado
Para a dissertação de mestrado defendida por Denicy, em 2015, o foco continuou a respeito do autocuidado da população em situação de rua. Durante um ano, a pesquisadora acompanhou o “Consultório na Rua”, veículo com profissionais das áreas de saúde e assistência social, que aborda pessoas em situação de rua e oferece auxílio. Entre os serviços, estão atendimento básico, encaminhamento a Unidades de Atenção Primária à Saúde (Uaps) e trabalho de resgate social, como obtenção certidão de nascimento e carteira de identidade.
Segundo Denicy, a própria população nas ruas nota que há despreparo de parte dos profissionais que os atendem nas unidades e em outros pontos de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). E é necessário compreender que essas pessoas têm suas próprias maneiras de se cuidar, bem diferentes de alguém que se trata em domicílio.
Ainda de acordo com a professora, muito mais que realizar o tratamento médico, deixar o preconceito de lado é fundamental para o cuidado com pessoas que se encontram nessa condição, pois faz com que elas neguem a busca por ajuda. “Quando a trato igual a qualquer outro ser humano, já estou cuidando dessa pessoa. Resgatam-se o valor social que ela perdeu e a desconfiança que costuma ter de todos”, afirma Denicy.
A profissional destaca a necessidade de reconhecimento da diversidade dessa minoria, de melhor qualificação técnica e ampliação das discussões sobre o assunto, para assim atender as demandas e garantir enfim direitos básicos dele.