No Brasil, falar em regulação da mídia gera polêmica e grande desconforto, principalmente, por ser associado a regimes ditatoriais. Enquanto isso, países como Portugal, tema de pesquisa na UFJF, instituíram sistemas de regulação de mídia a fim de garantir padrões de qualidade na programação. Iluska Coutinho, pesquisadora da instituição, desenvolveu um estudo em parceria com a Universidade Nova de Lisboa sobre televisão pública, o que permitiu compreender melhor o funcionamento desse tipo de iniciativa, além de possibilitar a reflexão sobre os possíveis efeitos de entidades reguladoras da mídia no Brasil e as dificuldades para seu funcionamento.
A pesquisa realizada em seu pós-doutorado verificou em que medida as promessas do jornalismo e da televisão pública se assemelham. “O jornalismo tem uma promessa de contribuir para a construção do sentimento de cidadania, ampliar o conhecimento do mundo e informar, para que o indivíduo seja capaz de pensar de forma autônoma. As pessoas devem ser tratadas como cidadãs a serem esclarecidas, e não como consumidoras convertidas em audiência, o que acaba acontecendo quando ele é utilizado por uma empresa de comunicação que tem como objetivo final a obtenção de lucro”, esclarece Iluska. Dessa forma, ela busca entender se a promessa de atendimento ao cidadão, de formação de pessoas mais atuantes e engajadas, é concretizada pela televisão pública.
Contraste com cenário brasileiro
No Brasil, a ideia de televisão pública ainda é muito recente: a instituição de uma televisão de rede nacional pública só se concretizou no país em 2007, resultado de um fórum realizado no ano anterior pelo então Ministro da Cultura, Gilberto Gil. Além disso, existe uma confusão legal entre o que seria público e estatal, resultado da constituição brasileira, que prevê a complementaridade em três sistemas: público, estatal e privado. Iluska explica que, “em princípio, estatal é aquilo que pertenceria a todos, porque o Estado somos todos nós, mas, no nosso entendimento, o que é estatal é aquilo que é governamental, apropriado pelo Estado. Então é algo que não serve ao interesse dos cidadãos, mas sim daqueles ocupantes do governo naquele momento. Na prática, é o que vem ocorrendo. Já as emissoras de televisão públicas teriam outra perspectiva, de maior vínculo com o cidadão.”
Com a visão legal indefinida e a ideia ainda recente de uma televisão pública no Brasil, a pesquisadora buscou países em que essa perspectiva fosse mais consolidada. O caso europeu, que a utilização da televisão pública foi anterior a comercial, serviu como objeto do estudo. “Eu também queria entender como a narração da notícia, a dramaturgia do telejornalismo, é diferente na TV comercial e pública e, para isso, eu precisava de um país que usava o mesmo idioma, o que me fez escolher a RTP1, de Portugal”, completa.
A análise se focou em dois momentos principais. O primeiro foi uma pesquisa documental, onde ela buscou documentos online e livros sobre o modelo da TV pública em Portugal e o marco legal, além de documentos da própria TV, do Estado e da ERC – Entidade Reguladora para Comunicação, que permitiram entender melhor a sistemática da TV pública e a relação dela com a sociedade. A outra etapa foi mais empírica, que envolveu tanto uma pesquisa de campo, com entrevistas e visitas, quanto análise de produtos audiovisuais da RTP1, um dos dois canais públicos de Portugal, conhecido por ser geralista e diferir pouco das emissoras comerciais, embora apresente maior diversidade de gêneros.
De acordo com Iluska, a principal semelhança encontrada entre a realidade brasileira e portuguesa é o que esperamos que seja a televisão. “Todos nós queremos uma televisão que fale com o cidadão, que nos represente. Só que os caminhos são diversos. Um dos métodos que podem ser utilizados é o empoderamento do cidadão.” Em Portugal, a sociedade tem um instrumento de atuação, a ERC, que é mantida com recursos públicos e aqueles repassados pelas próprias empresas. Ela regula toda a “comunicação social, que deverá ser, de fato, social. A sociedade pode exercer a regulação, que não tem nada a ver com censura nem com controle. Se o cidadão não está satisfeito com a mídia, ele pode fazer uma queixa que será analisada por técnicos da ERC, podendo resultar em uma sanção pecuniária ou moral.” Além disso, a entidade faz avaliações regulares de pluralismo público e partidário, que investiga a forma de representação de partidos e sua aparição nos programas.
Novos caminhos para a UFJF
A pesquisadora afirma que é possível criar relações com a realidade brasileira e portuguesa e utilizar os conceitos e critérios de análise para aprimorar os estudos feitos pelo grupo que ela coordena, o Laboratório de Jornalismo e Narrativas Audiovisuais. “O contato com a forma que a ERC avalia o telejornal é muito rico para o grupo, já que, desde 2010, a gente desenvolve um trabalho de avaliação contínua do telejornalismo, sobretudo, o telejornalismo público, inicialmente a partir de uma parceria entre a UFJF e a TV Brasil”.
Ela completa explicando que o contato com um telejornalismo público mais consolidado permite ampliar o tipo de investigação que vem sendo feita. “Um dos nossos principais desafios é encontrar métodos de análise mais satisfatórios, porque é muito complexo traduzir uma mídia audiovisual para um texto, converter texto, som e imagem para uma perspectiva qualitativa de texto. Esse contato auxiliou a nossa pesquisa e fez com que revisássemos alguns modelos de avaliação do grupo”.
Além do resultado nas pesquisas do grupo, o estudo permitiu novos caminhos de internacionalização da Faculdade de Comunicação e do PPGCOM. A equipe tem participado de eventos, como o realizado pelo CIMJ (Centro de Investigação em Mídia e Jornalismo), na Universidade Nova de Lisboa, que garante representação em âmbito internacional. Além disso, o orientador da professora, Francisco Cádima, visita a UFJF em agosto, quando ministrará um minicurso sobre televisão pública.
Outras informações: (32) 2102-3601 / 3602 (Faculdade de Comunicação – PPGCOM)