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“Psicologia Brazuca: Helmuth Krüger e a cognição social”

Psicologia Brazuca: Helmuth Krüger e a cognição social

Postado por Marcus Vinicius Alves
Fonte: http://cog-psi.blogspot.com.br/2012/03/psicologia-brazuca-helmuth-kruger-e.html

Helmuth Krüger
No início deste ano de 2012, a Universidade Católica de Petrópolis (UCP) abriu um programa de pós-graduação em psicologia, com a área de concentração em cognição social. Foi com muita alegria e entusiasmo que o André e eu recebemos esta notícia, assim como alguns psicólogos sociais brasileiros interessados nesta subárea! Recomendamos a estudantes interessados na área que busquem informações sobre este programa aqui.
O diretor do programa, o professor Helmuth Krüger, nos concedeu uma entrevista discutindo questões relacionadas à cognição social no Brasil e à psicologia de maneira mais ampla, nos fornecendo um panorama de um profissional que vivenciou boa parte da construção da psicologia brasileira e que agora investe seus esforços na consolidação da cognição social no Brasil.
O professor Krüger é formado em filosofia e em psicologia pela Universidade do Estado da Guabanabara (atual UERJ), é mestre em psicologia aplicada e doutor em psicologia pela Fundação Getúlio Vargas – FGV e por mais de vinte anos foi professor efetivo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Universidade Gama Filho. Sem dúvidas o Professor Helmuth Krüger é um dos grandes nomes da psicologia nacional, além de ter orientado uma grande geração de pesquisadores da psicologia social comprometidos com a ciência e a ética na psicologia. Para mais informações sobre o trabalho do professor Krüger, dê uma olhada no currículo dele aqui.

Helmuth, você poderia nos falar brevemente sobre os projetos de pesquisa que você tem conduzido no seu grupo de pesquisa?

Na UCP realizamos estudos e pesquisas sobre temas diversos da psicologia contemporânea. Entretanto, os meus interesses têm sido voltados para a cognição humana, destacando a cognição social. Assim, nos últimos 3 anos investiguei, com a colaboração de dois bolsistas de Iniciação Científica (CNPq), “Crenças de estudantes de Psicologia”, ”Formação de primeiras impressões de pessoas” e “Socialização e identidade transcultural”. Além dessas pesquisas, escrevi alguns textos de natureza teórica, destacando-se os abaixo referidos, que foram publicados em 2011:
“Ideologias, sistemas de crenças e atitudes”. In: Camino, L. et al. (2011). Psicologia Social: Temas e teorias. Brasília: Technopolitik.
“Ética e psicoterapia”. In: Range, B. (2011). Psicoterapia cognitivo-comportamental: Um diálogo com a Psiquiatria. Porto Alegre: Artmed.

E quais são os projetos de pesquisa para o futuro?

No momento, estamos a realizar uma pesquisa sobre “Flexibilidade pessoal e estrutura lógica de sistemas de crenças”. Esta pesquisa será experimental, havendo quatro hipóteses a corroborar, resultantes da combinação da flexibilidade pessoal (alta e baixa) e estrutura lógica de sistemas de crenças (forte e fraca). Na fase atual, ocupamo-nos com a elaboração de uma escala de flexibilidade pessoal, tomando a contribuição de Milton Rokeach como referência.

Como surgiu o seu interesse pela sua área de pesquisa e quais as linhas de pesquisa em cognição social de seu maior interesse?

De modo geral, posso dizer que os meus interesses de estudo e de pesquisa são o resultado natural de minhas experiências intelectuais e profissionais, sendo as relacionadas ao magistério as mais marcantes. Contudo, devo reconhecer que esses interesses também decorrem dos meus estudos no domínio da Filosofia. De fato, antes de realizar minha formação em psicologia, obtive minha licenciatura em Filosofia, em 1964. No momento, venho estudando a influência de fatores não conscientes na cognição social. Trata-se de um tópico que cada vez mais vem chamando a atenção de estudiosos. Mas, neste ponto, cabe observar que os processos inconscientes destacados para fins de investigação na cognição social não se confundem com a interpretação psicanalítica, uma vez que no caso da cognição social se trata muito mais daquilo que há quatro décadas vem sendo referido como “inconsciente cognitivo”.

Você considera que a comunidade da psicologia social no Brasil é aberta à cognição social ou há alguma resistência?

Há muita heterogeneidade na pesquisa e na prática da psicologia no Brasil e, até certo ponto, tal situação pode ser qualificada como sendo positiva, principalmente devido ao fato de que ela favorece o debate. A homogeneidade não produz esse efeito. No entanto, a acentuação das diferenças pode se fazer à custa da consistência teórica e do rigor empírico, afetando, neste caso, negativamente a psicologia. De outro lado, a considerar sua pergunta, não consigo identificar, até o momento, qualquer reação adversa à pesquisa da cognição social no Brasil. É bem provável que ao menos duas circunstâncias estejam a contribuir para este estado de coisas: o fato da cognição social ser uma abordagem da psicologia social de recente introdução no Brasil; e, o destaque concedido a esse assunto no plano internacional, favorecendo a formação de crenças socialmente compartilhadas a respeito de sua relevância. Havendo manifestações críticas à cognição social, elas muito provavelmente serão baseadas em dois argumentos: o que ressaltará a origem notadamente estadunidense, por conseguinte, estrangeira, desse tópico, que sob uma ótica política seria considerado de escasso interesse para projetos de intervenção em comunidades brasileiras socialmente desfavorecidas; e, o que retomará, de um modo ou de outro, os pronunciamentos já antigos das limitações dos métodos experimentais na psicologia.

Em sua opinião, qual é a importância da pesquisa empírica em cognição social e como você vê que ela poderia ser operacionalizada nas universidades brasileiras?

A investigação científica (tomando-a como expressão de significado amplo, englobando estudos teóricos e pesquisas empíricas e experimentais) pode ser realizada sob três perspectivas: a estritamente teórica; a empírica, destituída de fundamentos teóricos consistentes; e, a combinação destas duas, resultando em investigações de caráter teórico-empírico e teórico-experimental. A melhor delas é esta última. É a melhor porque combina a exigência da organização lógica das hipóteses ou, se for o caso, tratando-se de pesquisas de superior maturidade científica, da consistência da teoria, e a coerência factual dos elementos informativos de procedência empírica. De imediato, as exigências a atender a fim de promover tais pesquisas tendo por foco temas da cognição social são essencialmente duas: conhecimento sobre esta matéria e treinamento em pesquisa. Tais exigências podem ser atendidas em universidades brasileiras.

Você observou a psicologia no Brasil florescer e se modificar ano após ano e ainda hoje permanece publicando, ensinando e orientando alunos. O que o motiva a prosseguir o seu trabalho?

Eu poderia dissertar sobre o significado desta pergunta, mas se assim viesse a proceder certamente iria compor uma resposta monótona, por ser muito pessoal. Assim, com o objetivo de abreviar a resposta, observo apenas que concordo com a declaração de Johann Heinrich Pestalozzi (1746 – 1827), inserida em sua obra “Aforismos sobre o Homem”: “Aquele que sabe e não ensina é o pior pecador de todos”. Acrescentaria apenas: “aquele que (racionalmente baseado) supõe saber”.

É possível dizer que hoje a psicologia no mundo é mais consolidada em termos de paradigma, indo de encontro ao que às vazes é dito em sala de aula, chamando a psicologia de uma protociência ou ciência pré-paradigmática?

As expressões `protociência`, `ciência pré-paradigmática` e `paradigma` tiveram ampla circulação na década de 1960, tendo sido empregadas por Mario Bunge e Thomas Kuhn, dentre outros autores, cujas obras eram muito lidas e discutidas naquela época. Atualmente, são menos empregadas, embora possam, dependendo do argumento, revelar sua utilidade. A meu ver, a psicologia, tanto como ciência quanto como profissão, tem como uma de suas principais características a dispersividade. De fato, não consigo visualizar um futuro para ela que venha a ser marcado pela unidade temática, metodológica e de práticas profissionais. Nem mesmo o significativo desenvolvimento atual da psicobiologia, da psicologia fisiológica, da psicologia genética, da psicologia evolutiva, bem como das relações cada vez mais estreitas entre ela e as neurociências, oferecem a esperança de obtenção de maior homogeneidade neste ramo das ciências contemporâneas. No meu entendimento, em grande parte a situação ora considerada resulta do fato de não encontrarmos acordo quanto aos pressupostos filosóficos da psicologia, especialmente os relacionados à concepção que formamos a respeito de nossa natureza e condição no mundo. Em síntese, não dispomos de teorias gerais na psicologia. Não há, apenas para ilustrar, uma teoria geral da motivação, das emoções e da aprendizagem. Na realidade, teorias psicológicas são teorias de médio alcance.

É difícil ser um pesquisador em psicologia no Brasil?

Não, mas também não é tão fácil assim. Para profissionais desejosos de se dedicar à investigação científica, a condição institucional que mais lhes favoreceria neste sentido seria a da docência em universidades públicas ou particulares, que estejam mobilizadas para a busca de conhecimento. A ciência, qualquer que seja o seu ramo, é muito valorizada na atualidade, pois, o conhecimento dela derivado, embora possa ser utilizado para fins política e eticamente condenáveis, contribui na ampliação de nossa liberdade, possibilitando-nos a crítica e a rejeição de superstições, crendices e preconceitos, quer dizer, torna-nos menos ignorantes.

Qual foi o melhor conselho que você já recebeu?

Pensando bem, conselho propriamente não me recordo de haver recebido. Obtive sugestões, tendo sido uma delas muito importante para o direcionamento de ao menos parte de minhas motivações para o estudo e a pesquisa na psicologia. Refiro-me às palavras muito expressivas do Professor Eliezer Schneider (1916 – 1998), dirigidas a mim, na oportunidade em que iniciava as minhas atividades docentes na Universidade do Estado do Rio de Janeiro em 1971. Naquela ocasião, pensava em dedicar-me a temas da psicologia geral, como aprendizagem e motivação, e complementarmente, à filosofia da psicologia, mas tinha sido indicado para lecionar a disciplina psicologia social no curso de ciências sociais. Essa indicação não me deixou particularmente satisfeito. O professor Schneider, tendo tomado conhecimento de minha insatisfação, observou que as minhas experiências familiares e o biculturalismo delas resultante, tal como havia ocorrido com ele, as quais foram vivenciadas (tanto por mim quanto por ele) em relações sociais bastante complexas, deveriam deixar-me mais interessado em estudar, pesquisar e ensinar psicologia social. Só posso dizer que levei muito em conta o que ouvi do professor Schneider.

Quais são as suas expectativas em relação ao futuro da psicologia brasileira?

Boas. Podem ser melhores se houver mais cuidado no processo de formação de psicólogos no Brasil. Refiro-me em especial a aspectos relacionados à formação científica, que demandam muita atenção à análise conceitual, à amplitude de conhecimento, necessária à obtenção de uma visão intelectual mais ampla de nossa condição no mundo, às competências cognitivas, às habilidades técnicas necessárias à pesquisa e à intervenção e à disposição de submeter o conhecimento, assim como a nossa própria experiência, ao escrutínio de nossa reflexão. No momento, há cerca de 250.000 psicólogos no Brasil, mas podemos perguntar, tomando como referência padrões internacionais, qual é a contribuição teórico-científica de psicólogos brasileiros? Segundo o CNPq, atualmente, a contribuição científica conjunta da psicologia e da psiquiatria deste país no plano internacional alcança apenas 0,62%. Esta média é bastante inferior à média de toda a contribuição científica brasileira no plano internacional, que é 2,1%.

Você recomenda alguma leitura para quem se interessa pela sua área?

Para iniciantes, recomendaria a leitura de alguns capítulos da seguinte obra:
CAMINO, Leôncio; TORRES, A. R.; LIMA, M. E.; & PEREIRA, M. E. (2011). Psicologia Social: Temas e teorias. Brasília: Technopolitik.
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Esta série de entrevistas é uma parceria entre os blogs SocialMente Cogpsi. Visite-nos para conhecer um pouco mais sobre psicologia!