Ressignificando o contexto histórico dos movimentos estudantis de 1968, o Grupo de Pesquisa Narrativas Midiáticas e Dialogias entrevistou o professor e jornalista José Luiz Ribeiro, que comentou sobre a atuação do principal jornal da cidade de Juiz de Fora na época, o “Diário Mercantil”, perante os acontecimentos de 1968 e sobre a cronista Cosette de Alencar, que possuía uma coluna de crônicas neste jornal intitulada “Canto de Página”. A entrevista transcrita abaixo foi concedida à pesquisadora e integrante do grupo, Marcela Valladares de Toledo, no dia 20 de novembro de 2018, e contribuirá com artigos e pesquisas vinculadas a este grupo de pesquisa.
Narrativas Midiáticas e Dialogias: Como era a orientação que o Diário Mercantil recebia para a cobertura do movimento estudantil em 68?
José Luiz Ribeiro: 1968, o que acontece, eu participava no jornal como eu fui primeiro o programador e depois eu fui o editor do segundo caderno… a gente se lembra que existia no Diário Mercantil uma entrada e chegava o cara da Polícia Federal com um monte de anotações e passava para ele (para o diretor do jornal) o que não podia ser falado. Não é?! O que acontece, o movimento da universidade, o movimento estudantil, na época inclusive eu fui um pouco antes, 66 eu fui presidente do Diretório Acadêmico Tristão de Ataíde, que era o da Faculdade de Filosofia, que era também do curso de Jornalismo, que depois ele continuou sendo Tristão de Ataíde até mudar, foi até a Raquel Scarlateri como presidente acho que do diretório que mudou o nome justamente para o que vocês tem de Wladimir Herzog hoje né?! … esse movimento ele era muito mais, como é que eu te diria, ele era um resistência porque os ideais tinham e tudo, mas houve um determinado momento que os diretórios inclusive foram proibidos de fazer posse… outro dia até eu resgatei o meu discurso e ele dizia o seguinte: “há um cheiro de pólvora na fala desses meninos”, então essa colocação a gente fazia porque a gente tava ligado a teatro e tudo… e minha relação com a Cosete era muito legal porque era um momento que a redação estava vazia, porque eu trabalhava no departamento de cultura e promoções, então o trabalho que eu tinha que fazer no jornal eu fazia justamente praticamente na hora do almoço, que era a hora que estava a Cosete, o doutor Hipólito também costumava ficar nesses horários assim, então a gente conversava em cima disso e a Cosete era mais ligada à literatura, a ligação dela era muito forte, e as crônicas dela se você levantou hoje, era muito engraçada porque às vezes ela fazia crítica até o pessoal assim do jornal né, os diretores, a mulher do diretor que era gorda e tudo ela contava aquela história e a gente morria de rir porque ela fazia isso e as pessoas não notavam de repente esse tipo de crítica. Ela era muito rígida e a gente teve uma ligação muito boa … então a gente tinha uma relação muito, eu diria carinhosa, porque eu sempre tive uma coisa, mesmo quando eu era jovem, eu já fui jovem, (risos) eu tinha uma relação com os jornalistas mais velhos assim, de ouvir, eu sempre adorei saber as histórias deles, então quando a Cosete contava essas histórias era muito legal a forma né… e ela tinha uma relação muito ligada como leitora né, que ela recebia, e com todos os poetas mineiros e tudo, ela tinha uma relação muito grande com o pessoal do Estado de Minas né, que era ligado…
Narrativas Midiáticas e Dialogias: Eu notei nas crônicas da Cosette, que tanto ela tem momentos que age como porta-voz dos estudantes, falando que eles têm mesmo que reivindicar, e em alguns momentos ela critica. Ela critica como “baderneiros”, aí é difícil de decifrá-la nesse sentido.
José Luiz Ribeiro: Não, não… Eu acho, num certo sentido, ela era fruto de um tempo mais conservador, então, a gente que tava por exemplo em Diretório Acadêmico era contra ditadura, mas ela era também um fruto daquele tempo que parece com o tempo que a gente esta vivendo… a gente criticava muito, ria muito, que as mulheres com a “marcha com Deus, pátria, família”, aquele negócio, e que na época do tenentismo você também tinha essas coisas, quer dizer, você tem por exemplo, as pessoas que reagem de uma forma que a gente vai considerar que é uma forma reacionária. Mas é aquelas pessoas que tem um encontro com tradição… eu estive numa exposição de 68 lá no Rio de Janeiro, eu vou te mostrar uma passeata pra você sentir,olha aqui, o que que acontece, você vai perceber, essa exposição mostrava muito modificações de costumes, que as pessoas começaram a fumar seus baseados, esse negócio todo, e a partir daí, havia conflito por exemplo, entre a Cosete, a formação dela, que era uma formação religiosa, por assim dizer, né. Então você vê, isso aqui é uma passeata de 68 (mostra uma foto). Você acha que isso aqui não chocava as famílias tradicionais? … Há pessoas que são mais pra frente, outras que são mais pra trás. Então esse conflito a gente via na Cosette… É a mesma coisa de você aceitar o movimento. Mas você não aceita quando eles começam a quebrar os vidros todos, aquilo foi uma desqualificação do movimento que tava saindo na rua, ordeiro, ou da morte lá do jornalista que levou o foguete que morreu… Então essas coisas ela tinha sensibilidade, e você vai entender que em determinados momentos ela vai, ela fala: “não, a juventude tem direito a isso, mas tem que ter limite. Não pode ultrapassar o limite”. É uma coisa que a gente está vivendo hoje nessa confusão, está entendendo? Então eu acho que se você pegar as crônicas dela, a gente vê isso…
Narrativas Midiáticas e Dialogias: Ela escrevia na redação ou enviava os textos dela?
José Luiz Ribeiro: Não, não, na redação. Eu sempre chegava, ela tava lendo, lendo, escrevia… ela ficava na redação, ali mesmo.
Narrativas Midiáticas e Dialogias: E ela ficava mais ou menos qual o período do dia?
José Luiz Ribeiro: Ela ficava na hora do almoço.
Narrativas Midiáticas e Dialogias: Mas ela chegava antes?
José Luiz Ribeiro: Aí eu não sei, e aí eu encontrava com ela na hora do almoço, não sabia que horas, era um horário que a redação ficava também mais calma, porque depois começava a chegar o jornal, é o tempo do linotipo, que é o chumbo caindo, aquela rotativa, não é hoje o que você encontra numa redação asséptica, toda branca, no computador, havia barulho de máquina batendo o tempo todo, pessoal rindo, chegando. “Morreu um”, saía tudo correndo no “Diário da Tarde”, saía correndo pra ver o que aconteceu. Mas ela desaparecia justamente ali pelas, quando ia dando uma e meia, duas horas, era hora dela ir embora, que era a hora que a redação começava a ferver né.
Narrativas Midiáticas e Dialogias: E como que era essa atuação dela até, não só no final de 68, até no início mesmo, na questão do maio na França, vocês conversavam sobre isso?
José Luiz Ribeiro: Ela conversava muito sobre literatura, sabe? Sobre literatura, sobre o romance dela ela falava muito. E sobre as coisas, porque ela trabalhava muito, tocava isso, porque esse maio de 68, quando ele chega aqui todo o movimento francês da Sorbonne, que pegou a gente lá, aqui tava pegando justamente a censura. Quer dizer, então aquilo, aquela contracultura que tava havendo lá, a gente aqui tinha o cachimbo do Mourão pra gente tentar apagar, você está entendendo? A gente via isso tudo é claro, que toda a preparação que a gente tinha como universitário, porque não havia ninguém, todo mundo era de esquerda né, como que você podia falar? E a preparação mesmo das pessoas, o que se fazia, trabalhava nesse processo. Agora, a gente comentava as coisas comuns, porque era a época que tava vivendo, ainda não tinha aquela interligação… Mas a relação da gente era muito literatura, porque eu era segundo caderno né, então segundo caderno era mais arte e tudo. Então, embora ela fosse uma mulher de letras.
Narrativas Midiáticas e Dialogias: Eu até notei também nas crônicas dela que enaltece muito Charles De Gaulle, por isso que eu te perguntei da França. Ela tinha uma admiração muito grande, né?
José Luiz Ribeiro: Ela tinha um temperamento normal conservador da época né, uma pessoa mais antiga. De uma Juiz de Fora muito religiosa, de bispo, da Geralda Armona no Museu Mariano Procópio, estáa entendendo? 1968, ou um pouquinho, essa virada de 68, ela altera também o comportamento do universitário. Em termos disso né, o comportamento até eu te diria, moral. Houve uma virada muito grande… aí quando veio o golpe de 64, foi um momento que o pessoal que era noivo de repente acabou o noivado e saiu do armário, teve um movimento assim, as meninas se soltando mais, em termos até de sexualidade e de experimentação mesmo, né…
Narrativas Midiáticas e Dialogias: Ela tinha a liberdade de escolher o que ela ia abordar na crônica dela? No jornal?
José Luiz Ribeiro: Ela era a dona, ela era respeitada como a dona das coisas. Que era a coluna dela, e a coluna da Igreja em Marcha, que o pessoal da Catedral fazia.
Narrativas Midiáticas e Dialogias: Então assim, ela que escolhia mesmo o que ela ia publicar?
José Luiz Ribeiro: Não havia esse tipo de censura não.
Narrativas Midiáticas e Dialogias: E mesmo em 68, com o AI-5? Porque eu reparei que as crônicas dela foram sumindo, ela falava muito da temática política no Canto de Página. Aí em dezembro até mesmo depois do AI-5 meio que some um pouco, ela não aborda tanto, a coluna desaparece um pouco.
José Luiz Ribeiro: É porque o que acontece, o seguinte: você viu como é que esse país se dividiu agora na véspera da eleição? As pessoas que você menos achava que pudesse falar em política passaram a discutir política. As famílias passaram a brigar, eu acho que as redes sociais ajudaram muito isso, mas naquele momento houve uma retração também… quando o governo militar vira e fala assim: “olha, lá fora tem briga, tem revolta, e aqui no Brasil não tem”. Mentira, porque tinha censura e não deixava publicar. Exatamente igual o DIP do Estado Novo lá do Getúlio… Então, houve uma retração com relação a isso, por exemplo, no campo do teatro, em 1968 nós fizemos Bodas de Sangue, e fizemos Electra, de Sófocles. Por quê a gente não tava fazendo mais Boal? Porque era, todo mundo fazia, “Eles não usam black tie”, porque a censura estava proibindo. Então se você pegar o repertório do Divulgação dessa época, é um repertório muito russo, “Pequenos burgueses”, “Diário de um louco”, “O urso”, Chekhov, essas coisas todas, realismo social e tudo, que era a chance da gente passar na censura e eu acho que isso acometeu também o jornal, não podia falar abertamente. Mesmo porque eram “Diários Associados”, do Assis Chateaubriand, né.
Narrativas Midiáticas e Dialogias: Como você descreveria a Cosette cronista em 68?
José Luiz Ribeiro: Uma jornalista com acuidade, uma cronista com acuidade, mas fiel a um cotidiano. Acho que não era uma visão holística da política, mas um cotidiano. Ela era mineiramente cronista. E como mineiramente, ela tocava nos assuntos como se fossem causos. Eu acho que seria isso que eu falaria da Cosette.
Narrativas Midiáticas e Dialogias: Uma curiosidade: ela se refere também muito a “Balbino” nas crônicas. Eu não sei se é uma pessoa, se ela cria um…
José Luiz Ribeiro: Ela tem um fetiche, ela cria um fetiche do Balbino, não sei aí o que que é não… Eu acho que era um personagem, uma coisa assim que ela criou.