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Quadrinistas e pesquisadores debatem leitura de webcomics e inclusão durante mesa redonda da HQWeek!

Por Monique Campos

 

Quadrinhos digitais foi o tema da mesa redonda que fechou a programação online do terceiro dia da HQWeek!. A mesa foi conduzida pelo designer e professor Buno Porto, integrante da revista eletrônica sobre quadrinhos Raio Laser, uma das parceiras do Laboratório de Mídia Digital (LMD)/UFJF na realização da HQWeek! 2021. Também como anfitrião na mesa, o professor associado do PPGCOM/UFJF e integrante do LMD, Stanley Teixeira. O evento recebeu como convidada a ilustradora e quadrinista Alexandra Presser, o professor do curso de Comunicação Visual/Design da Escola de Belas Artes da UFRJ, André Ramos, e o quadrinista e pesquisador José Aguiar.

 

Para iniciar a conversa, Bruno Porto perguntou aos convidados de que formas eles vêm a produção de quadrinhos digitais e se estes formatos possibilitam maior inclusão. Cada participante comentou sobre sua experiência de produção e pesquisa na área das HQs, de forma a refletir sobre o mercado, o público e a tecnologia.

 

A webcomic Infância do Brasil, criada por Aguiar, já foi utilizada por diversos professores em sala de aula. A versão impressa possui uma tiragem limitada, mas a HQ chegou a muitas pessoas porque está disponível online, conforme relatou o quadrinista. Ele avalia que as questões sociais abordadas no roteiro da obra tangenciam as questões sociais relacionadas à disponibilização e acesso às HQs enquanto bens culturais. Há uma procura significativa pela leitura de materiais como esse, segundo Aguiar, ao mesmo tempo em que há uma série de barreiras como a falta de um mercado editorial equilibrado, a dispersão do público, a política de algoritmos e a construção de “bolhas” de leitores.

 

Alexandra comentou que as histórias que abordam questões de minorias terão mais facilidade de publicação online pois há restrições, por parte de editores, para a publicação de obras destinadas a públicos muito específicos. A internet facilitou a conquista de público e a monetização, na avaliação da quadrinista, que ressaltou a existência do fenômeno de monetização do conteúdo gratuito de HQs, em que o público pagante recebe o conteúdo antes, com exclusividade, e depois a obra é liberada para todos.

 

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Ramos destacou que vivemos um momento de transição e ainda não foi possível acertar a forma de disponibilização das HQs, sobretudo no que se refere à mobilidade, tamanhos e formatos dos materiais para telas. O conceito de alugar bens culturais ainda não é amplamente aceito; o público ainda possui uma cultura de coleção, segundo ele. Para o professor universitário, há espaços para a criação de um “ecossistema saudável e sustentável” no que se refere aos quadrinhos brasileiros.

 

Complementando Ramos, Porto destaca que no passado os quadrinhos eram gratuitos e estavam nos jornais. Houve o momento em que “foram expulsos dos jornais” e reunidos em publicações separadas, com o objetivo de venda. Apareceram os gibis e a linguagem dos quadrinhos modificou-se consideravelmente. Hoje, segundo ele, vivenciamos um movimento contrário: aprendemos a fazer HQs para quem não tem acesso aos impressos, sendo que “o tempo da leitura da moçada é diferente”, conclui.

 

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Produtora e pesquisadora sobre webcomics, Alexandra lembra que as primeiras tentativas de HQs digitais foram transpor o que já havia pronto para outras mídias, como adaptações dos impressos, em formato página, para celular. Mas muitas tentativas falharam e hoje pensa-se diretamente no formato para ser lido em celular. Há webtoons – quadrinhos em formatos para serem lidos em pequenas telas – com tanta popularidade que foram adaptados para impressos. As mídias não se substituem, na visão de Alexandra, mas se complementam. “Onde tem conteúdo bom a gente vai”, opina. Porto ressalta que os quadrinhos digitais trazem os aspectos da transmídia.

 

Quadrinho não tem limite

 

Para Aguiar, a página impressa pode ser explorada de infinitas formas, não prende o artista, e o suporte virtual oferece inúmeras outras ferramentas que abrem portas. Porém ele diz que já se viu em um impasse: com os recursos web, existem fronteiras para as obras deixarem de ser quadrinhos? Ele disse que analisa a questão por duas vias, a do objeto em si e a do público. E conclui que a vantagem do quadrinho enquanto linguagem é justamente o fato de ser aberto. “Por isso o quadrinho se reinventa, sobrevive, atravessa século. Quadrinho não tem limite”.

 

Relacionando a esse ponto, Alexandra apresenta o contexto de sua pesquisa voltada para entender o funcionamento do mercado de HQs. O(a) artista pode usar recursos hipermídia até o limite da sua capacidade. Nem sempre o quadrinista tem as habilidades necessárias para atuar em tantas frentes e, quando é feita a migração para a web, ele “dá de cara com uma infinidade de habilidades técnicas que precisa pra fazer a HQ”, explica. Os webtoons podem possuir efeitos, trilhas sonoras, animações, o que proporciona uma experiência de leitura muito rica, mas que exigem uma grande equipe envolvida na produção. Aguiar exemplifica o cenário descrito pela artista. Sua webcomic Infância do Brasil envolveu 20 pessoas em trabalho apoiado em editais culturais. A HQ digital exige estrutura para que possa ser produzida constantemente, segundo a sua avaliação.

 

Stanley Teixeira mencionou que a HQWeek! surgiu em 2020 com o foco na discussão sobre ferramentas que possibilitem a leitura de HQs em mídia digital. O suporte digital com eye tracker visa a leitura de quadrinhos com ambientações sonoras e efeitos visuais que acontecem na medida em que olhamos para as imagens. Essa proposta não seria apenas de desenvolvimento de uma ferramenta tecnológica, conforme  explica Teixeira, mas também que possibilite acessibilidade aos quadrinhos e criações com contribuições coletivas de artistas variados. Ele ressalta que o Laboratório de Mídia Digital saiu do evento no ano passado com parcerias e possibilidades de desenvolvimento de projetos, o que se expande na edicação de 2021 da HQWeek!.

 

Temporalidades e experiências de leitura

 

Ramos conta que ministra aulas de quadrinhos, animação, vídeo e cinema, por isso transita entre as linguagens usadas para contar histórias. O que é importante considerar, na opinião do professor, é a temporalidade que influencia a narrativa. “Quando temos uma timeline específica, pensada por alguém, é algo diferente de um quadrinho em que é o meu tempo que está mandando nisso”. Para Alexandra, que se baseia em resultados da sua pesquisa, o que a mídia quadrinho se propõe é que a leitura se dê no próprio tempo do leitor, no seu ambiente, “isso implica você querer tomar conta dessa timeline de leitura”. Teixeira apresenta a questão de que maneira a tecnologia pode absorver a experiência da literatura, do quadrinho, sem perturbar a lógica de que o tempo pertence ao leitor. Para ele, essa questão motiva pesquisas e experimentações.   

 

Conforme Ramos, há experiências bem sucedidas que fizeram com que os leitores entrassem no fluxo narrativo; outras ainda não conseguiram êxito na utilização do hipertexto. Para ele, são recursos sobre os quais os quadrinistas vão ganhando sutilezas e se apropriando de recursos de programação para o seu repertório. Alguns webcomics trazem a possibilidade do giro do celular para se ganhar horizontalidade e ampliar a área dos desenhos, exemplifica Alexandra. Outra criação são as áreas (telas) brancas para causar a sensação de suspense, efeitos similares aos que são feitos por meio da página dupla nos impressos.

 

Porto menciona que o digital traz, para os quadrinhos, leitores que não são dos quadrinhos inicialmente; pessoas que partem de outra mídia, passam a conhecer trabalhos de quadrinistas e a consumir HQs. Aguiar concorda e levanta a discussão sobre como as relações de leitura se permeiam. Segundo ele, poucas pessoas que são do meio quadrinhos conhecem suas webcomics, mas muitas pessoas fora da área das HQs leram essas obras. Sua webcomic Malu: Cotidiano Alterado teve 60 mil leitores, mas o quadrinista não conseguiu vender mil impressos no mercado. “São públicos bem distintos, com hábitos de leitura bem diferentes”.

 

A mídia digital facilita em muitos aspectos a leitura de quadrinhos, conforme Ramos. Muitas pessoas que se dizem não leitoras de quadrinhos acabam conhecendo narrativas desse tipo porque lhes aparecem no ambiente online. São pessoas que lêm, replicam e isso faz com que se identifiquem com o trabalho de determinados artistas.

 

Ao término dos debates, em função do tempo, o anseio que ficou por parte dos convidados da mesa sobre HQs digitais é o de continuar as conversas, as trocas de ideias e expandir ainda mais as parcerias nas pesquisas e produções. “É uma conversa contínua”, conclui Bruno Porto.

 

Alexandra Presser é ilustradora e quadrinista. Ela é doutora em Design com foco nos estudos sobre webcomics pela UFSC e também pelo IADE de Portugal.

André Ramos é professor do curso de Comunicação Visual/Design da Escola de Belas Artes da UFRJ. Desenvolve pesquisas e projetos sobre processos narrativos nos quadrinhos e também coordena o Núcleo de Comunicação e Design da UFRJ.

José Aguiar é autor de várias HQs, com destaque para as webcomics Infância do Brasil e Malu: Cotidiano Alterado. É autor das tiras Nada Com Coisa Alguma no jornal O Globo e Folheteen, publicada no Guia Curitiba Apresenta. Ele é mestre em tecnologia e sociedade pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná na linha de mediações e cultura.