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Com o tema “Transmídia: universos expandidos e narrativas integradas”, mesa redonda encerra as atividades da HQWeek!

Por Monique Campos

 

Os professores Alexandre Kieling (UCB), Felipe Muanis (UFJF) e o jornalista e editor na Mauricio de Sousa Produções, Sidney Gusman, foram os convidados da mesa que encerrou a programação da HQWeek! 2021 com o tema “Transmídia: universos expandidos e narrativas integradas”. A condução do debate ficou a cargo do professor da UCB e editor do site Raio Laser, Ciro Ignácio Marcondes.

 

Para iniciar a conversa, Marcondes comentou que nossas experiências com o mundo são necessariamente mediadas, e os fenômenos transmídia acabam se tornando cada vez mais comuns em nossos cotidianos. Pesquisador em cinema e quadrinhos com foco nas questões relacionadas à era transmídia, Marcondes destaca que “a circulação de conteúdos e informações plasmando as mídias”, “midiamorfose” ou “mídias que se interinfluenciam” é algo antigo. Adaptações cinematográficas de livros e quadrinhos já existiam em um contexto muito primitivo de cinema, por volta dos anos de 1910. O professor pergunta aos convidados, então, se as adaptações de conteúdo se confundem com o termo “transmídia” e se esse termo virou um jargão nos dias de hoje.

 

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Kieling considera que o conceito de transmídia deve estar atrelado aos conceitos de palimpsesto e de transfer narrativo (a partir da teoria de Gérard Genette na área da narratologia). Palimpsesto se refere a um texto que se alimenta de outros textos, e transfer narrativo diz respeito à migração de estruturas significantes, conteúdos semânticos ou temporais de um texto para o outro. “É uma coisa que fizemos a vida toda. Ao estruturar uma história, buscamos referentes em outras histórias e trazemos esses referentes àquela nova história que está sendo contada”, explica. Kieling deixa, como exemplo, as referências dos quadrinhos levadas ao cinema, algo que se tornou bastante comum. Essa realidade nos conduziu a três características de transferência narrativa, segundo enumera: a total, a parcial (referências alteradas em algumas características da história) e a adaptação livre (quando cria-se outra referência a partir de uma a qual a autoria dispõe).

 

Assim, o professor define transmídia como trabalhar o conteúdo de forma transversa, de forma a valorizar a potencialidade de cada mídia envolvida e também como cada uma delas pode contribuir para um todo. “Narrativa transmídia seria contar história através de multiplataformas, preferencialmente com um nível de participação, um nível de interação e um nível de colaboração do público”, destaca.

 

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Muanis afirma que ter um raciocínio transmidiático equivale a considerar os “entre-lugares” das mídias, uma espécie de espaço de intervalo, ou seja, que não está preso aos “espaços canônicos de uma mídia estabelecida”. Portanto, há uma experimentação nesses espaços de intervalo e não uma permanência em determinada mídia, seja o quadrinho, o cinema ou a televisão. “Esses desdobramentos, deslizamentos entre mídias, são muito bem-vindos porque oxigenam a linguagem dos meios e nos permitem pensar de outra forma”, considera. Conforme Muanis, o primeiro passo para se pensar em conteúdo transmídia é ter uma postura transmídia, em que se busca efetivamente um consumo que não se restrinja a um meio ou outro.

 

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É possível pensar a trajetória que envolve adaptações e produções transmídia desde os seriados dos anos de 1950 e 1960, os quais traziam os heróis dos quadrinhos como Superman, Batman, Mulher Maravilha e Capitão Marvel (Shazam). A partir dessa avaliação, Gusman considera que esse período proporcionou o entendimento da potencialidade dos quadrinhos enquanto elemento transmídia. Os anos de 1980 e 1990 são representativos de um início da queda de venda de quadrinhos no mundo, ao mesmo tempo que foi um período de crescimento das produções em outras plataformas. Segundo Gusman, houve espaço para a exploração das possibilidades e linguagens, proporcionando inúmeras adaptações. Mais recentemente, os profissionais passaram a pensar como os quadrinhos podem ser produzidos inseridos em outras linguagens. “Você não faz mais um negócio para caber na página dos quadrinhos”, resume.

 

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Marcondes deixa, como exemplo, as franquias atuais que integram o pensamento transmídia, ao potencializarem, em cada mídia, seus recursos, estratégias de marketing e de criação pensadas para cada meio. Gusman complementa com a consideração de que hoje os quadrinhos passam a ser um abastecedor de outras mídias. “O mercado entende hoje os quadrinhos como celeiro”, resume o editor.

 

Ecossistemas digitais

Kieling apresenta aos outros convidados e aos internautas os projetos transmídia de Os Vingadores e Star Wars, em que foi possível visualizar as produções em quadrinhos formando um conjunto de obras envolvendo cinema, série, games, entre outras. A indústria do entretenimento é um ecossistema, segundo o professor, representando as atividades dos grandes conglomerados.  “O que vem acontecendo nesses ecossistemas? A medida que digitalizamos tudo, saímos de uma condição de verticalidade, em que cada mídia tem a sua caixinha. Eu jogo dentro de uma ambiência virtual todos esses ecossistemas”, ressalta o professor, apontando que todos esses ecossistemas oferecem conteúdos e  dispositivos dos mais tradicionais aos mais novos nesse universo. Atrelada a essas características está uma audiência que atua como produtora de conteúdo, interage com o que gosta e encontra formas diversas de trabalhar a atividade de consumo. Nesse contexto, a indústria entra com seus algoritmos, tentando faturar sobre essa produção de conteúdo, conforme analisa Kieling.

 

Outra característica dessa estratégia midiática é a criação da ideia do engajamento, aberturas para que o público se sinta reconhecido, contemplado pela obra e possa participar da produção desse conteúdo, nas palavras de Muanis. A fanfic (fanfiction, narrativa elaborada pelos fãs) é representativa do contexto midiático atual, sendo que “esses conteúdos deslizam por várias outras mídias” e há perda do total controle desse conteúdo. Muanis considera que o espectador atual tem mais entendimento dos meios e de suas lógicas, consegue entrar no universo e contribui com produções que alimentam esse universo, ainda que de maneira informal.

 

O caso da Turma da Mônica

No ano de 2009, Gusman começou a trabalhar em um projeto de releituras da Turma da Mônica por outros autores (MSP50), o que abriu portas para as possibilidades de se trabalhar os personagens e narrativas em outras linguagens gráficas e plataformas. Em seguida, a empresa produziu a animação de sucesso no Youtube, nica Toy, e, mais recentemente, o filme nica Laços. O astronauta Magnetar se tornou protagonista de graphic novel da Mauricio de Sousa Produções e vai estrelar séries do canal HBO, assim como “Jeremias: Pele” vai virar uma série live action. Turma da Mônica Jovem, um projeto que nasceu dos quadrinhos, também terá narrativas criadas para uma série televisiva no canal Cartoon Network.

 

De acordo com o editor da MSP, a empresa pensa cada vez mais em produções e produtos que possam expandir a marca, sendo que hoje não é necessário ter o traço clássico da Turma da Mônica. “A empresa entendeu que precisa estar em várias plataformas e que o conteúdo brinque e fale com várias idades”, conclui.

 

Gusman lembra que a expansão das histórias e personagens da Turma da Mônica para outras linguagens não pode deixar de ser pensada através de um momento importante da sua história, quando o personagem Jotalhão entrou para os comerciais de extrato de tomate. Em se tratando de retorno financeiro, o quadrinho é o último a proporcioná-lo, porém é o gerador das ideias que compõem as narrativas transmídia, salienta Gusman.

 

Muanis afirma que a Turma da Mônica está entranhada na cultura brasileira, por isso se torna um celeiro de conteúdo para outros meios, já que “são anos e anos de história que você pode transpor”. Gusman acrescenta que “informalmente, Mauricio de Souza é o maior formador de leitores do Brasil”. A maioria dos brasileiros lê quadrinhos a partir da Turma da Mônica; no entanto, as pessoas geralmente param de ler com cerca de dez anos de idade e nunca mais retomam, de acordo com ele. O cenário sofreu modificações com as HQs Mônica Jovem e os projetos das graphic novels, que levaram muitas pessoas a voltarem a ler quadrinhos. “Temos as mesmas famílias de personagens falando com todo mundo”, avalia. 

 

Encerramento

Em nome de toda a equipe de organização da HQWeek! 2021, os professores Stanley Teixeira (LMD/UFJF), Kelly Cezar (UFPR), Ciro Marcondes (UCB) e Hermes Renato Hildebrand (PUC-SP) encerraram as atividades com os agradecimentos a todos os envolvidos na concepção do evento e a todos que acompanharam e participaram da programação. Eles fizeram um agradecimento especial aos tradutores e intérpretes que, voluntariamente, tornaram possíveis uma HQWeek! 2021 inclusiva para a comunidade surda.

 

Ciro Inágio Marcondes é professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Católica de Brasília (UCB) e do curso de mestrado profissional em Inovação em Comunicação e Economia Criativa na mesma instituição. Ele é doutor em Comunicação e mestre em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB). Graduado em Letras (UnB), é também editor do website Raio Laser, especializado em crítica de HQs, e escreve para a coluna ZIP – Quadrinhos e Cultura Pop no Portal Metrópolis

 

Sidney Gusman é jornalista especializado em quadrinhos e escreve sobre o tema desde 1990 em jornais, revistas e sites. Atualmente é editor na Mauricio de Sousa Produções (MSP), sendo responsável por projetos como MSP 50, MSP + 50, MSP Novos 50Ouro da CasaGraphic MSP e Mônica(s). Foi editor da Conrad, trabalhando em obras cultuadas como Sandman, Zap Comix e Dragon Ball. Foi também editor da revista Wizard, da Panini. Gusman lançou os livros 100 Respostas sobre Super-Heróis100 Respostas sobre Hanna-Barbera100 Respostas sobre Batman e Grandes Sagas DC, todos pela Editora Abril. Além disso, é editor-chefe do Universo HQ, principal site sobre quadrinhos do país vencedor por dez vezes do Troféu HQ Mix (de 2000 a 2007, 2009 e 2010) em sua categoria.

 

Felipe Muanis é professor no Instituto de Artes e Design no Curso de Cinema e Audiovisual da UFJF e também da Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagens. Coordena o ENTELAS – Grupo de pesquisa em conteúdos transmídia, convergência de culturas e telas. Também é professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará. É doutor em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com bolsa-sanduíche na Bauhaus Universität-Weimar, Alemanha, e pós-doutor pela Ruhr-Universität Bochum, Alemanha, com pesquisa em quadrinhos documentais. Possui graduação e mestrado em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

 

Alexandre Kieling é professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Católica de Brasília (UCB) e do curso de Mestrado Profissional em Inovação em Comunicação e Economia Criativa da mesma instituição. É pós-doutor em Comunicação pela UnB – Universidade de Brasília, possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), especialização em cinema e TV, mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Desenvolveu uma pesquisa sobre interatividade na TV, tendo feito estágio doutoral na Sorbonne Nouvelle Paris 3 , na França. Atualmente Coordena a Pós-Graduação Lato Sensu Narrativa Transmídia da mesma instituição e o Grupo de Pesquisa que estuda os conteúdos digitais e interativos.