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Observatório Carioca de HQs lança, na HQWeek! 2021, livro que reúne histórias em quadrinhos e questões étnico-raciais

Fábio Sampaio

 

Por Helena Amaral e Beatriz Lucchesi

 

No final da tarde de quinta-feira (29/07), a programação da HQWeek! 2021 contou com o lançamento do livro Negritudes, poderes ou heroísmos. A obra é uma iniciativa do Observatório Carioca de Histórias em Quadrinhos e nasceu da perspectiva de articular pesquisas sobre histórias em quadrinhos e questões étnico-raciais.

 

O livro foi apresentado pelo professor do Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (CEFET-RJ), Fábio Sampaio, que é autor de um dos oito capítulos que integram a obra. O docente contou que a iniciativa para a produção da coletânea partiu de dois egressos do Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais (PPRER) do Cefet-RJ: Elbert Agostinho, organizador do livro, e Fernanda Pereira. Em seu mestrado, Elbert pesquisou a representação do primeiro personagem negro da Turma da Mônica, Jeremias. Já Fernanda, que é professora de Artes Visuais, pesquisou como trabalhar com personagens negros de HQs no ensino de artes nas escolas. Ao terem a ideia de fazer a coletânea, entraram em contato com outros e outras autoras.

 

Sampaio ressaltou que, embora tenha mestrado e doutorado na área de Letras e trabalhe com Análise do Discurso, as HQs já se faziam presentes em seu cotidiano e em suas atividades acadêmicas de investigação. No âmbito do grupo de pesquisa do qual participa, por exemplo, chegou a trabalhar com uma das obras do ilustrador e autor de HQs, Marcelo D’Salete. Em Negritudes, poderes ou heroísmos, Fábio Sampaio assina um texto com Bruno Pereira, no qual analisam o personagem Raio Negro, da DC Comics. No artigo, discutem a identidade negra a partir do atravessamento entre as temáticas do racismo e o personagem, que é um super-herói negro, professor e atleta.

 

Dentre outras, o livro também traz abordagens sobre a aproximação da mitologia das personagens Vixen (DC Comics) e Tempestade (X-Men, da Marvel Comics) com deidades afrodiaspóricas; discussões sobre racismo e eugenia, traçadas a partir do personagem Capitão América negro, e análises sobre aspectos de culturas africanas na história do Pantera Negra. “A obra tem uma dupla entrada: alguns textos vão abordar estereótipos, essa estrutura de repetição de lugares estabelecidos para personagens negros e negras, enquanto outros vão mostrar possibilidades de construção, até com relação à própria educação: alguns textos vão dialogar com a possibilidade de levar essas histórias para a sala de aula”, explicou Sampaio.

 

O Observatório Carioca de Quadrinhos é um coletivo que nasceu das articulações para a elaboração de Negritudes, poderes ou heroísmos, e reúne pessoas do Brasil todo, não só pesquisadores acadêmicos, mas também pessoas interessadas no tema, produtores, roteiristas, ilustradores, dentre outros profissionais dos quadrinhos.

 

Gelson Weschenfelder

 

A trajetória pré-capa e pré-máscara de um super-herói e suas adversidades

 

Durante a sessão, também foi lançado o livro Homens de aço? Os super-heróis como tutores de resiliência, de autoria de Gelson Weschenfelder. Também conhecido como “filósofo dos quadrinhos”, Gelson é pós-doutorando em Processos e Manifestações Culturais, na Universidade Feevale, em Novo Hamburgo (RS). A obra tem como base sua pesquisa de doutorado e traz resultados de intervenções que foram realizadas no Brasil. O livro inicia falando que, assim como muitas crianças e adolescentes que estão em situação de vulnerabilidade, os super-heróis também passam por adversidades sociais.

 

A obra traz uma análise na qual se apresenta a existência de uma fase de vida do personagem em que ele passa por situações de adversidade e vulnerabilidade. O autor chama essa fase de “pré-capa” e “pré-máscara”, processo que antecede o empoderamento do personagem, antes do vestir capa e máscara. Para traçar um olhar sobre as adversidades vividas pelos personagens de HQs, foi feito um mapeamento em enciclopédias oficiais da Marvel e da DC Comics. De acordo com Weschenfelder, o levantamento apontou que mais de 97% dos personagens investigados passam por essas adversidades.

 

Em um segundo momento, foram feitas entrevistas com leitores/as de quadrinhos das décadas de 70, 80 e 90, buscando investigar se, em algum momento, os super-heróis foram fonte de inspiração para suas vidas, bem como se estes personagens poderiam vir a ser modelos para crianças e adolescentes na atualidade. A investigação mostrou que quase 100% dos/das entrevistados/as afirmaram que sim, em ambos os casos.

 

Em uma terceira fase, a pesquisa fez um mapeamento de intervenções que fazem uso destes personagens. Como ressaltado por Gelson, foram encontradas várias delas, tais como o uso de fantasias de super-heróis por limpadores de janelas em hospitais infantis. As mesmas foram classificadas pelo pesquisador em esporádicas e permanentes.

 

Ainda de acordo com Weschenfelder, investigando mais a fundo essas intervenções, observou-se que nenhuma delas trabalhava a fase de vida pré-capa. Logo, o pesquisador identificou a possibilidade de fazer uso de algo inédito e propôs um modelo de intervenção focado nas fases pré-capa e pré-máscara, mostrando o empoderamento e esse momento de resiliência dos super-heróis.

 

Para tanto, foram realizados testes com alunos/as do Ensino de Jovens e Adultos (EJA), com idades entre 15 a 20 anos, e, depois, com estudantes das séries finais do Ensino Fundamental. Em um primeiro momento, foi feito um mapeamento das intervenções vivenciadas por eles/as e, então, escolhidos alguns personagens a serem trabalhados. “E aí a gente começa a apresentar esses personagens e ir mostrando que eles também passaram por determinadas adversidades; essas adversidades que muitos deles [estudantes] estão vivenciando”, explicou o pesquisador.

 

Após trabalhar o conceito de adversidade com os/as alunos/as e de pedir que listassem algumas pelas quais passavam, foi perguntado aos/às mesmos/as o que fariam para sobressair às adversidades se fossem super-heróis. A partir de um trabalho de análise de alguns dos personagens junto a estes estudantes, o autor contou ter observado que, “para sobressair a essas adversidades, nenhum super-herói usa superpoderes, muito pelo contrário, o poder é algo interior deles ou algo ambiental, algo em volta deles que ajuda eles a sair dessas situações de risco”.

 

Ainda conforme Weschenfelder, percebeu-se que, a partir do momento em que os/as alunos/as começaram a construir histórias e criar personagens a partir de suas realidades, eles começaram a vivenciar isso na vida real, ou seja, o imaginário projetado nas histórias influenciou a vida cotidiana destes/as. Alguns dos materiais produzidos pelos/as estudantes foram roteirizados e essas “histórias de vida” viraram quadrinhos.

 

Confira a íntegra da sessão de lançamentos aqui.