Fechar menu lateral

Linguagem Transmídia é tema da palestra de Lúcia Santaella na HQWeek! 2021

Lúcia Santaella

Por Helena Amaral

 

Nessa quinta-feira (29/07), a HQWeek! 2021 recebeu a professora e pesquisadora Lúcia Santaella para uma palestra sobre “Linguagem Transmídia”. Referência nos estudos de semiótica, Santaella coordena o Centro Internacional de Estudos Peirceanos, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Lúcia é também coordenadora do TIDD e diretora do Centro de Investigações em Mídias Digitais (CIMID/PUC-SP)

 

A pesquisadora, que se define como uma “fêmea teórica”, iniciou sua palestra ressaltando ter um grande compromisso com o significado das palavras, do qual pontuou a importância. “Quando estamos no ambiente acadêmico, no ambiente de formação e de diálogo um com o outro, nós temos que praticar a ética da terminologia”, alegou. Lúcia se propõe, então, a fazer uso dessa ética em sua explanação. “As palavras cobram seu preço, e elas têm história!”, complementou.

 

Para abordar a linguagem transmídia, Santaella traçou um percurso no qual abordou palavras correlatas, que nos ajudam a compreender a gênese e as características daquela. Para tanto, teceu considerações sobre mídia, multimídia, multimodalidade, hipermídia, transmídia, multiplataformas e narrativa transmídia. Como ressaltado por Santaella, embora todos esses conceitos suscitem conexões com a tecnologia, eles também implicam linguagem. “O que o mundo da linguagem está se transformando, em função, inclusive, destes avanços da tecnologia! Se a gente observar, as tecnologias que estão avançando são tecnologias cognitivas. Elas estão estendendo a capacidade cognitiva humana”, observou, ponderando não se tratar de um discurso laudatório às tecnologias, mas que também leva em consideração o humano, com seus paradoxos e contradições.

 

O primeiro conceito trazido pela docente foi o de mídia. Santaella contou que a primeira vez em que ouviu o termo foi na década de 80, em um evento do campo da comunicação, durante uma mesa sobre publicidade. Como explicado por ela, os publicitários e outros profissionais da área faziam uso da palavra mídia para se referir aos meios de informação e divulgação.

 

Nos Estados Unidos, o termo new media era usado para se referir às novas linguagens do computador, principalmente a partir de Lev Manovich. Mídia, então, passou a ser integrado ao vocabulário para substituir o uso de meios de comunicação. “A palavra mídias começou a ocupar todo o território dos meios de comunicação, que antes eram chamados de Meios de Comunicação de Massa [MCM]”, explicou.

 

Para Lúcia, no entanto, as pessoas fazem uso do termo sem saber muito bem do que estão falando. Desse modo, quando alguém fala em mídia com ela, a pesquisadora logo pergunta de qual mídia estão falando. Como abordagem possível a essa identificação, a docente retoma a divisão das eras culturais proposta em seu livro Culturas e Artes do Pós-Humano: da cultura das mídias à cibercultura. Na obra, ela apresenta seis tipos de formações culturais:  a cultura oral, a cultura escrita, a cultura impressa, a cultura de massas, a cultura das mídias e a cultura digital. Em acréscimo a estas, diz estar trabalhando em mais uma, que leva em consideração o que diz ser uma segunda era da Internet, na qual se destacam a Inteligência Artificial, a Internet das Coisas, a computação na nuvem, dentre outras.

 

O segundo conceito abordado por Lúcia Santaella foi o de multimídia, que ela ressaltou ser usado por artistas já na década de 70, para se referir à diversidade de suportes midiáticos com os quais trabalhavam. “Eu prefiro intersemiose, porque a multimídia põe muita ênfase na mídia e esquece das linguagens que estão se cruzando na multimídia, e isso que é importante: é o som, é a imagem, é o vídeo, é o texto, a mistura. Isso é importante que a gente perceba: quais são as linguagens que estão se cruzando lá”, argumentou.

 

A palestrante também explicou que pesquisadores/as que trabalham com a Análise do Discurso e com a Linguística não fazem uso do termo multimídia, uma vez que não trabalham diretamente com as mídias e sim com a questão da linguagem. Dessa forma, fazem uso do termo multimodalidades. Para Santaella, no entanto, a perspectiva da multimodalidade não dá a devida relevância ao papel do computador como ferramenta que possibilita encontros entre linguagens. “As linguagens, no computador, se misturam na morfogênese: som vira imagem, imagem vai sendo gerada como som. Isso é lindo!  É a própria gênese da linguagem que está lá sendo trabalhada”, ressaltou. “Falar só em multimídia e multimodalidade ignora que, quando a linguagem entra no computador, ela  transforma multimídia e multimodalidade em hipermídia”, complementou. A hipermídia, portanto, nasce da mistura de hipertexto com multimídia.

 

Para Lúcia Santaella, a hipermídia, assim como a transmídia, é a linguagem do nosso tempo. Sobre a segunda, disse que, se traduzida ao pé da letra, “é a passagem de um circuito de linguagem para um outro circuito de linguagem. Ou seja: a passagem de uma mídia para outra mídia”. Ressaltou que o que passa de uma mídia para outra não é conteúdo, mas linguagem.

 

A docente também destacou que a transmídia é resultado da multiplicação de plataformas com as quais estamos convivendo. Remete, então, à obra Cultura da Convergência, de Henry Jenkins, na qual o autor fala em narrativa transmídia. “Quando a gente fala na multiplicidade de plataformas e quando a gente fala de transmídia, nós entramos nesse terreno. […] Aquilo que a gente chama de transmídia, onde as coisas vão bem mesmo, se combinam, é a narrativa”, argumentou.

 

Sobre a narrativa, ressaltou que a mesma pertence à ancestralidade da humanidade: as culturas antigas, primordiais, se preservaram por causa do mito, que é uma narrativa, e a narrativa acompanha todas as culturas humanas. “A linguagem narrativa é a linguagem das línguas indo-europeias. Cada estrutura de frase que nós falamos é uma narrativa em miniatura, e nós não vivemos sem o imaginário que as narrativas trazem para nós”, pontuou.

 

Santaella, então, traz todas as abordagens tecidas em sua explanação para o âmbito das histórias em quadrinhos, que destaca serem um tipo de estrutura narrativa para um tipo de mídia. “Quando a gente fala em narrativa transmídia, nós estamos falando em narrativas que se adaptam às mídias nas quais elas estão se materializando. Então isso é muito importante: mesmo que você passe uma mesma narrativa da literatura para o quadrinho, não é a mesma coisa, porque, quando ela entra no quadrinho (…), ela adquire uma nova natureza”, observou, ressaltando que, se ela adquire uma nova natureza semiótica, ela é interpretada de uma maneira também diferente. “Nenhuma [plataforma] substitui a outra. Cada uma dá o melhor de si. E, portanto, se uma não substitui a outra, elas vão continuar existindo, para sempre”, complementou.

 

O conteúdo completo da palestra está disponível no canal da HQWeek! no YouTube!