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O sensibilizar para incluir é tema do LMD Lives

Por Helena Amaral

 

Dados do último Censo (IBGE, 2010) mostram que mais de 12,5 milhões de brasileiros apresentam alguma deficiência. Os números consideram os entrevistados que declararam ter grande ou total dificuldade para enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus, bem como pessoas que disseram ter deficiência mental ou intelectual. O índice sobe para 46 milhões de indivíduos quando considerados, também, todos os que afirmaram ter algum grau de dificuldade em uma das habilidades supracitadas.

A inclusão das pessoas com deficiência (PCDs) nos diversos âmbitos e ambientes da vida social – mercado de trabalho, instituições de ensino, lazer, cultura, etc. – ainda é um desafio à democracia brasileira. A garantia de direitos, via leis e decretos, não assegura plena acessibilidade aos PCDs, uma vez que colocá-las em prática envolve não somente a efetivação de políticas públicas – muitas vezes prejudicada por questões financeiras, interesses políticos, má gestão e outras questões inerentes à administração pública -, mas também o suporte, a colaboração e o respeito de toda a sociedade.

Incluir demanda, portanto, sensibilizar. Foi este um dos aspectos abordados pela professora Kelly Cezar, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), na sexta edição do LMD Lives, realizada na segunda-feira (03/08). Doutora em Linguística e Língua Portuguesa (UNESP), Kelly é docente adjunta no curso de licenciatura em Letras-Libras da UFPR e integra a equipe multidisciplinar da Coordenadoria de Integração de Políticas de Educação à Distância (Cipead) da instituição. Desde 2008, a Cipead tem realizado ações inclusivas na plataforma de ensino da universidade, com iniciativas que integram a comunidade acadêmica em busca de soluções para a acessibilidade.

A docente destaca a importância do sensibilizar no processo de inclusão e efetivação da acessibilidade ao recordar episódio vivenciado durante a HQweek!, evento online voltado a discussões sobre o mercado de histórias em quadrinhos, realizado pelo Laboratório de Mídia Digital (LMD) em maio deste ano. Na ocasião, foi preciso alterar a data da apresentação da HQ bilíngue “O sentir nos olhos: arquétipos surdos”, de forma a garantir que a exposição fosse acompanhada de um intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Como ressaltado por Kelly, a partir da sensibilização – processo de parar e pensar sobre – da equipe organizadora do evento, fizeram-se as adaptações necessárias para a apresentação. “A gente chegou e desestruturou uma estrutura já considerada dominante e uma estrutura já fixada, mas, a partir da sensibilidade da equipe, nós conseguimos fazer os ajustes necessários, as trocas, a divulgação”, ressaltou a docente.

A criação de histórias em quadrinhos sinalizadas integra o universo de pesquisa da professora desde 2018. Nascido a partir de depoimentos e demandas recebidos da comunidade surda – com argumentos sobre o excesso de textos em português e de balões, além de uma ausência de representação/identificação com os personagens -, o projeto volta-se à elaboração de narrativas bilíngues, nas quais a Libras é apresentada como primeira língua. Como explicado por Kelly Cezar, imagens e textos escritos complementam as HQs, de forma concomitante, sem que uma linguagem se sobreponha à outra.

O bilinguismo das histórias em quadrinhos se faz fundamental em termos de acessibilidade ao considerarmos as limitações de alfabetização dos deficientes visuais no Português, o que faz com que muitos deles não estejam aptos a ler nosso alfabeto. Logo, o uso da Libras nos quadrinhos bilíngues atua como ferramenta de inclusão dessa comunidade no universo das HQs.

De acordo com Kelly, todos os materiais produzidos no projeto por ela coordenado são públicos, gratuitos e podem ser impressos. Os arquivos digitais também possibilitam a inclusão de outros recursos, como áudios. “Elas [as HQs sinalizadas] têm uma perspectiva científica, uma perspectiva acadêmica e todas essas duas como uma devolutiva para a sociedade utilizar esses materiais de uma maneira gratuita”, destacou a docente.

As perspectivas de inclusão oferecidas pelas HQs sinalizadas vêm ao encontro das propostas do projeto e-Motion, que volta-se à pesquisa e ao desenvolvimento de uma tecnologia que proporcione a leitura imersiva dos quadrinhos. Desenvolvida no âmbito do LMD e apresentado durante a HQweek!, a iniciativa chamou a atenção da professora da UFPR e resultou em uma parceria que busca estender o uso da ferramenta em termos de inclusão e acessibilidade.

Conforme relembrado pelo pesquisador do LMD, Stanley Teixeira, que recepcionou a convidada durante a live, o aspecto colaborativo proposto pelo e-Motion também contribui para a sensibilização, na medida em que possibilita a integração de surdos e não surdos na elaboração de HQs sinalizadas.

 

Acessibilidade no ambiente acadêmico digital

O processo de sensibilização também tem sido fundamental aos esforços desenvolvidos pelo Cipead junto à comunidade acadêmica da UFPR. De acordo com Kelly Cezar, tal como a força motriz que impulsionou o desenvolvimento do projeto de HQs sinalizadas, o ouvir a comunidade acadêmica tem sido incentivado como forma de buscar soluções às questões de acessibilidade dentro da instituição.

Para tanto, Kelly contou que a equipe multidisciplinar da Coordenadoria tem se empenhado em manter um diálogo com professores e técnicos administrativos, buscando compreender quais são as lacunas, inquietações e dificuldades dos mesmos na recepção dos alunos com deficiência; e também com a comunidade que necessita de ações inclusivas, com fins de compreender quais são os recursos que seus integrantes querem utilizar, como querem ser tratados e observados dentro do campo virtual de ensino, quais são os principais aplicativos e ferramentas dos quais fazem uso, dentre outras questões.

Como explicou a docente, existe um leque grande de tecnologias assistivas e falar em acessibilidade sensível é estar disponível a aprender com quem faz uso destes recursos, de forma a incorporá-los de maneira efetiva no dia a dia de discentes, técnicos e professores com deficiência. “Se a gente quer trabalhar, do ponto de vista da acessibilidade real e efetiva, a gente precisa pensar em um projeto dessa incorporação”, argumentou.

A pesquisadora ressaltou, ainda, que embora a universidade possua regras e políticas afirmativas, uma série de lacunas precisam ser preenchidas para que essas sejam efetivamente garantidas e aplicadas. Logo, o fazer acessível tem que ser pensado e planejado com antecedência. Dessa forma, evita-se a necessidade de adoção de medidas ‘corretivas’ que prejudiquem o devido usufruto de ações, recursos e ferramentas voltadas à acessibilidade.

Como exemplo, a docente citou um curso desenvolvido pelo Cipead, voltado à capacitação para a acessibilidade: de acordo com Kelly, a inclusão de audiodescrição e Libras em cursos já oferecidos na plataforma digital de ensino leva de quatro a seis meses para ser concluída; ao passo em que o curso pensado na acessibilidade, considerando-se suas distinções, levou dois anos para ser finalizado. Logo, o tempo e o espaço de elaboração destes materiais são diferentes e, como argumentado pela pesquisadora, os últimos demandam mais discussões junto à comunidade antes de serem idealizados, desenvolvidos e implementados.

Diante deste cenário, reforça-se a importância da sensibilização, do buscar compreender a relação dos estudantes, professores e técnicos administrativos com deficiência com as tecnologias, tornando-os protagonistas dos processos de orientação e indicação de ferramentas, aplicativos e estratégias que ampliem as possibilidades de efetivação da acessibilidade nos ambientes físico e virtual da universidade.

Como salientado por Kelly Cezar, a acessibilidade digital também deve ser pensada em termos de acesso à Internet e velocidade desse serviço. Usando como exemplo a tradução em Libras que estava sendo realizada durante a live, ela ressaltou que um travamento da transmissão em decorrência de problemas de conexão no local onde os intérpretes se encontravam, prejudicaria o processo de comunicação, uma vez que trechos de sua fala seriam ‘perdidos’.

A fala de Kelly também contemplou considerações sobre a presença de intérpretes em sala de aula e as adaptações decorrentes da mesma, sobre outras questões relativas ao desenvolvimento das HQs sinalizadas e ações desenvolvidas no âmbito do Cipead. Veja aqui o vídeo completo da live.

 

LMD Lives

Iniciativa coordenada pelo Laboratório de Mídia Digital (LMD), a LMD Lives tem como objetivo promover discussões online voltadas, principalmente, à comunicação e suas interfaces com diversas áreas. Os vídeos das lives ficam disponíveis no canal do LMD no YouTube.