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Apresentações da HQweek! discutem perspectivas de inclusão e uso da cultura geek no debate de temas atuais

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Por Helena Amaral

 

Perspectivas de inclusão dos surdos a partir da produção de HQs bilíngues e utilização de elementos da cultura geek para abordar assuntos da contemporaneidade foram temas das apresentações do último dia da HQweek!, na última sexta-feira (29/05). A programação também contou com uma palestra sobre a dialética herói-vilão nas perspectivas freudiana e cultural.

O primeiro inscrito a se apresentar foi o professor de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) Felipe Henrique Baléa, que relatou o processo de criação de “O Sentir Nos Olhos”, história em quadrinhos bilíngue para surdos. A apresentação foi acompanhada por tradução em LIBRAS, possibilitando a inclusão da comunidade surda às atividades do evento.

É importante salientar que, em função de limitações de diversas ordens, muitas escolas brasileiras não estão aptas à alfabetização dos deficientes visuais no Português. Como consequência, muitos surdos não sabem ler nosso alfabeto. Neste contexto, ao fazer uso da LIBRAS os quadrinhos bilíngues atuam como ferramenta de inclusão desta comunidade ao universo das HQs.

Além de retratar o processo criativo de elaboração da história, a partir das reflexões propostas o trabalho de Baléa também busca contribuir com elaboração de materiais bilíngues educativos e ficcionais. A investigação foi sistematizada em quatro momentos principais, dos quais os três primeiros correspondem à pesquisa bibliográfica especializada.

A primeira delas volta-se para a História da Educação de Surdos, a educação bilíngue, os artefatos culturais, audismo e surdismo. A segunda etapa de pesquisa bibliográfica contempla as HQs em Língua de Sinais, com estudos de mangás, comics, tirinhas e cartuns. Por fim, o pesquisador se valeu de bibliografia sobre histórias em quadrinhos de ficção científica, ciências forenses, terror e inteligência artificial.

A última etapa do trabalho foi a produção da HQ “O Sentir Nos Olhos”, que envolveu a elaboração de um roteiro escrito, a consulta a referências de portfólios visuais, a gravação de um roteiro sinalizado e a diagramação do quadrinho. Porém, como ressaltado por Baléa, em função dos altos custos ainda não foi possível imprimir o material.

O docente também apresentou o processo de criação dos personagens, mostrando cada um deles a partir do uso de um sinalário – conjunto de expressões que integram o vocabulário de uma língua de sinais -, com estrutura bilíngue. Sobre os heróis da trama, ressaltou a ausência de referenciais destes personagens entre a comunidade surda.

Cultura geek e debates de temas contemporâneos

A segunda apresentação de sexta-feira (29/05) evidenciou a possibilidade de uso de elementos da cultura geek na promoção de debates sobre temas que permeiam a sociedade contemporânea. Feita pelo professor de publicidade Eric de Carvalho, a exposição contemplou um estudo de caso do Távola Podcast, desenvolvido por ele em parceria com alunos de pós-graduação.

De acordo com Carvalho, o projeto se vale do uso da cultura geek como um ponto de contato com o jovens, com fins de demonstrar como a mesma permite analogias com temas como educação e política. Produzida em 2019, a primeira temporada do Távola Podcast pautou-se em lançamentos do cinema para abordar, jornalisticamente, temas de relevância social. Também foram feitas entrevistas, dialogando com o mundo geek e tendo a comunicação como tema.

Este ano, em função do cancelamento de lançamentos da cultura geek por causa da pandemia de Covid-19, os produtores têm buscado novas abordagens para os podcasts. Estes últimos têm se voltado, então, à cultura de uma forma geral, com debates de temas como as fake news, a quarentena e as mudanças no mundo e ciência e obscurantismo. As entrevistas também ganharam mais espaço.

No levantamento realizado para o trabalho foram identificados dois eixos principais: o uso de metáforas já presentes na cultura geek (apocalipse, quarentena, agentes do Caos, nostalgia, etc.), proporcionando um debate que se inicia na análise destes produtos e termina em discussões políticas e sociais; e entrevistas em profundidade, com um olhar geek para temas contemporâneos.

Dentre outras conclusões obtidas a partir do estudo de caso, Carvalho destaca que o uso do Távola Podcsat engaja e vincula; possibilita a explicação de conceitos e teorias de forma acessível, graças ao recorte com objetos da cultura geek; informa com leveza e profundidade e estimula a reflexão crítica.

Heróis e vilões na perspectiva freudiana e cultural

Fechando as atividades da tarde de sexta-feira (29/05), o doutor em Teoria Psicanalítica (UFRJ) Tiago Sarmento fez uma palestra sobre a dialética herói-vilão para Freud e a cultura. A partir de considerações sobre a construção destes personagens ao longo da história dos quadrinhos e do cinema, Sarmento retoma o classicismo grego para tecer reflexões sobre os papéis dos protagonistas e antagonistas nas narrativas. Conceitos traçados na retórica e poética aristotélicas, os dois termos possuem a raiz “ágon”, que significa estreitamento, agonia, angústia, conflito.

Como ressaltado pelo pesquisador, ao longo da história, o herói tem sido sinônimo de protagonismo; independentemente de suas características e personalidade, ele é tido como guardião, aquele que protege. O herói é acionado com a chegada do antagonista, comumente associado à figura de vilão, que perturba a ordem vigente. “O chamado do herói é sempre quando há um distúrbio na ordem, seja o antagonista uma pessoa ou um ato antagonístico”, explicou, remetendo ao conceito de jornada do herói, de Joseph Campbell.

Porém, como ressaltado pelo palestrante, “um ato antagonístico nem sempre é um ato mau, ele é um ato contra o status vigente”. Remetendo à Freud, Sarmento argumentou que o homem não nasce bom ou mau e nem propenso ao bem ou ao mal, conceitos estes que não são absolutos, mas constructos resultantes de fatores de diversas ordens. Logo, a visão de um indivíduo como herói ou vilão depende de um ponto de vista ideológico e cultural.