Balões de diálogo surgem à medida que o leitor avança os olhos pela tela; áudios reproduzindo os diferentes sons que compõem um ambiente real são acionados no transcorrer da leitura; objetos em cena adquirem movimento quando os olhos do leitor pousam sobre eles. Essas são algumas das possibilidades que estão sendo discutidas no projeto e-Motion, conduzido por pesquisadores do Laboratório de Mídia Digital (LMD) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com objetivo de proporcionar experiências imersivas na leitura de histórias em quadrinhos (HQs).
A proposta foi apresentada pelo pesquisador do grupo, Stanley Teixeira, durante a abertura da HQweek!, na tarde dessa segunda-feira (25/05). Como relatado por Teixeira, a inspiração para o e-Motion veio a partir de suas experiências com o eye tracking, tecnologia que faz uso de câmeras – como as dos smartphones e tablets – para monitorar o movimento dos olhos e permite identificar para que ponto de uma tela a pessoa está olhando. O objetivo inicial era fazer uso da tecnologia em e-books: “botões invisíveis” seriam atribuídos a diferentes partes do texto e ativados pelo sistema ao longo da narrativa. “Ao fazer isso durante o processo de leitura, nós conseguiríamos criar a ambientação sonora daquela narrativa”, contou o pesquisador.
Ao apresentar sua ideia aos demais pesquisadores do LMD, Stanley a viu ganhar mais proporção quando os colegas levantaram a possibilidade de aplicação da proposta às histórias em quadrinhos. O projeto e-Motion passa, então, a ser pensado a partir das HQs. A proposta une o eye tracking ao uso de ilustrações animadas e a outras tecnologias – como o áudio binaural, que quando ouvido com fones simula a audição em um ambiente real – na tentativa de proporcionar uma imersão sonora e visual na fruição dos quadrinhos.
Diante de tal cenário, uma das propostas da HQweek! é de que ela seja “um momento de conversar com quem atua na área – como artistas, pesquisadores, jornalistas -, para saber se essa tecnologia que estamos pesquisando e desenvolvendo dentro do Laboratório faz sentido e deve ser levada adiante”, explicou Teixeira.
HQ como ferramenta de ensino e de resgate da memória
A utilização dos quadrinhos no resgate da memória e como ferramenta de ensino e aprendizagem foi tema da apresentação de Gabriele Oliveira Teodoro, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da UFJF. A discente apresentou o projeto Murilo Brasiliensis, HQ-jogo que retrata a história do poeta juizforano Murilo Monteiro Mendes.
Realizado em parceria com pesquisadores do Instituto de Artes e Design (IAD) da UFJF, no início de 2020 o projeto foi aprovado por uma lei municipal de incentivo à cultura (Lei Murilo Mendes). Em fase inicial de desenvolvimento, a HQ-jogo tem como finalidade principal sua utilização como material didático em escolas de Juiz de Fora.
A história contempla diferentes momentos da vida de Murilo Mendes e possibilita a interatividade dos leitores com a narrativa através do jogo. “A partir de recordações sobre a vida do Murilo, seu círculo de convivências, o leitor é convidado a escolher qual caminho seguir, por meio de ícones, representados em múltiplas escolhas, que indicam a página referente à lembrança do poeta”, explicou Gabriele. “Dessa forma, a leitura da história se dá de modo dinâmico e fragmentado, como a primeira fase de poesias do Murilo Mendes, que tinha uma estrutura mais livre”, complementou.
A doutoranda explicou, ainda, que a experiência de fruição da narrativa se dá de forma não-linear, possibilitando ao leitor retomar alguns trechos da história, contados na perspectiva de diferentes personagens. A estrutura narrativa também prevê que todos os caminhos percorridos levem a dois finais distintos. No primeiro, Murilo Mendes encontra-se com o artista Ismael Nery, em 1985, ano de falecimento do poeta juizforano. O segundo final possível, por sua vez, compreende a visão de Maria Saudade, esposa de Murilo, no momento em que ela decidi doar o acervo pessoal do marido para a UFJF. Como ressaltou Gabriele, ao passo em que a primeira opção ressalta a aura cósmica da vida e da obra de Murilo Mendes, a segunda possibilidade aponta para a importância da educação e da preservação da memória local.
As webcomics nas novas telas
Fechando a tarde de apresentações dessa segunda-feira (25/05), Alexandre Linck Vargas trouxe em debate questões de ordem estética resultantes da adaptação das histórias em quadrinhos para os smartphones. Recorrendo a diversos autores, o professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) inicia sua fala fazendo considerações sobre as diferentes relações tecidas, ao longo dos anos, entre sequencialidade e simultaneidade, características consideradas inerentes às histórias em quadrinhos.
No cenário atual, no qual a internet atua como mais um suporte para as HQs, as webcomics proporcionam novas experiências narrativas e resultam em novos desafios para o setor, tais como as limitações trazidas pela utilização dos smartphones. Dentre estas últimas, Linck destacou a estruturação da narrativa de forma fragmentada e questionou se, a partir do momento em que a leitura se dá quadro a quadro, a história continua sendo uma HQ. Como explicado pelo docente, a partir de tal estruturação a narrativa aproxima-se de uma estética de storyboard, levantando dúvidas sobre a existência da simultaneidade.
De acordo com Alexandre, a fruição da narrativa dos quadrinhos em telas pequenas também esbarra em questões como a presença de poucos elementos em quadro, aproximando o conteúdo a uma estética de livro ilustrado.
Como alternativa possível aos cenários apontados, o pesquisador destacou o uso de experimentações que enfraqueçam a narratividade, deixando maior espaço à abstração e ao minimalismo. “Torna-se curioso que, quando a gente vai para os quadrinhos de tela pequena, para as webcomics, aqueles que mais se aproximam esteticamente dos quadrinhos tradicionais são justamente aqueles que têm um déficit narrativo, no bom sentido, não em um sentido pejorativo da expressão. Portanto, diminuem a sua ênfase na narratividade”, explicou Linck.
Apresentação adiada
Prevista para a tarde dessa segunda-feira (25/05), a apresentação “O sentir nos olhos: arquétipos surdos”, de Felipe Henrique Baléa, foi adiada em função de problemas técnicos. Uma nova data será definida e divulgada nos próximos dias.