“Doar: entregar-se; demonstrar dedicação a uma causa ou pessoa. A definição do dicionário revela em essência o que é o ato altruísta que vem sendo praticado cada dia mais. O projeto de extensão Sempre Vivo, do departamento de Anatomia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), está há mais de um ano direcionando pessoas que se interessam em ceder seu corpo para fins de estudo e pesquisa.
Coordenado pelas professoras doutoras Alice Belleigoli Rezende e Vanessa Neves de Oliveira, o Sempre Vivo tem como objetivo sensibilizar sobre a importância da doação de corpos para o aprendizado e orientar os interessados sobre os procedimentos legais necessários para efetivar a doação. A ideia de implementar o projeto na UFJF surgiu da necessidade de manter o acervo de peças anatômicas para continuar oferecendo aulas de qualidade, já que o Departamento de Anatomia não recebia corpos não reclamados há mais de cinco anos.
Como doar?
Ao contrário do que se pensa, a comunidade apresenta interesse neste tipo de doação. Desde que o projeto começou foram registrados 23 doadores e, recentemente, um dos corpos cadastrados foi recebido. Qualquer pessoa com mais de 18 anos pode ser doadora e não há limite de idade. Para ser reconhecido como doador, basta ir ao Departamento de Anatomia, localizado no Instituto de Ciências Biológicas (ICB), no campus de Juiz de Fora, para preencher o cadastro.
Quais as consequências?
A decisão não interfere em outros tipos de doação como, por exemplo, na doação de órgãos, e pode ser retificada a qualquer momento, sempre comunicando os responsáveis pelo projeto.
Na doação de corpos, o anonimato dos doadores é um dos pilares que rege a prática. Após o falecimento, a família também pode optar pela doação do corpo de um parente próximo, mesmo que o mesmo não esteja cadastrado no projeto. A doação não impede a realização de cerimônias religiosas. O transporte do corpo doado pode ser feito após as mesmas.
Superando o tabu
Apesar do assunto ainda ser encarado como tabu, sua prática ocorre no mundo inteiro em universidades renomadas da Europa e dos Estados Unidos, como em Harvard. No Brasil, a referência vem do sul do país, através da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), que implementou a doação de corpos há dez anos. A quantidade de doadores é tão grande que não precisam mais receber corpos não reclamados. Ainda que o termo remeta à pessoas em situação de rua, o conceito vai além: considera-se corpo não reclamado o de uma pessoa que morreu e que não tem nenhum parente que a tutele, ou seja, que a reclame ou faça os atos fúnebres.
A doação voluntária de corpos para ensino e pesquisa é prevista em lei e não é ressarcida em nenhum âmbito. Entretanto, os gastos com o cadastro e transporte funerário são custados pela Universidade. Para garantir que o corpo chegue até a Universidade, é preciso que familiares e amigos comuniquem os responsáveis do projeto, pois a inscrição no cadastro não garante sua obrigatoriedade. É importante que a decisão do doador seja respeitada pela família.
Acima de tudo, seres humanos
A barreira psicológica encontrada para discutir o assunto pode ter origem em aspectos religiosos e culturais que se fazem presentes na sociedade.
Os aparatos legais que amparam as pessoas socialmente reforçam que o ser humano deve ser respeitado independente do estado que se encontre. Ainda que o direito trate o corpo como objeto em alguns aspectos, ele sempre será considerado derivado de um ser humano e deve ser tratado como tal, independentemente de ser animado ou inanimado. O professor doutorando João Beccon, da Faculdade de Direito da UFJF, tem estudado sobre bioética e saúde coletiva. Sua participação no Sempre Vivo ocorre primordialmente na assistência jurídica que se exige. Os bolsistas de treinamento profissional que participam da execução do projeto realizam sob sua orientação pesquisa comparada para entender o que vem sendo discutido no exterior ou no Brasil.”
Outras informações: (32) 2102-3205 (Departamento de Anatomia da UFJF)