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Imagine-se na situação em que um familiar entra em estado de saúde terminal, e a equipe médica não tem novos recursos para reverter o quadro clínico. O próprio paciente havia previsto em documento que não gostaria de continuar o tratamento se, ao piorar, perdesse a capacidade de se comunicar. Preferiria receber cuidados paliativos em casa, em vez de protelar a internação sem qualidade de vida. Os parentes não concordam em parar o tratamento intensivo e deixar a doença prosseguir. O que fazer: respeitar a vontade do paciente ou insistir nos cuidados?

A possibilidade formal de o paciente, em plena consciência, manifestar o desejo sobre o tipo de tratamento que deseja ou não receber, em caso de a doença terminal impedi-lo de manifestar sua vontade, é desconhecida pela maioria dos profissionais de saúde que trabalham em hospitais de Juiz de Fora.

A constatação é da pesquisa desenvolvida pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),  publicada na revista científica Bioética, do Conselho Federal de Medicina (CFM). Mais de 82% dos 351 profissionais ouvidos para o estudo desconhecem resolução do CFM, de 2012, sobre o tema, refletindo os poucos estudos e debates sobre o tema (conheça abaixo os principais pontos abordados na pesquisa local).

Dilemas éticos

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Para o professor Renato Ferreira, um dos autores da pesquisa, a aplicação do documento, conhecido como Diretivas Antecipadas de Vontade ou Testamento Vital, ainda é tabu na sociedade, porque envolve não só a área da saúde, mas também questões de direitos civis e políticas públicas.

A desmistificação começa em diferenciá-la da eutanásia – antecipação da morte de paciente incurável – proibida no Brasil. No caso do testamento, seria a ortotanásia, que é “o uso de cuidados paliativos a fim de aliviar o sofrimento do paciente, abrindo mão de mecanismos que pretendam prolongar de maneira artificial e desproporcional o processo de morte e aceitando, portanto, a condição da morte humana”, explicam os autores do estudo.

O testamento põe ainda em discussão a autonomia do paciente, quando a opinião dele difere dos parentes ou dos profissionais – o texto pode tanto indicar insistência no tratamento quanto mudança para cuidados paliativos. O documento é uma opção “capaz de resguardar os direitos do paciente e respaldar as atitudes dos profissionais em situações especiais, o que subentende reconhecer que o indivíduo deve deliberar e tomar ações de acordo com seu próprio plano de vida, crenças, aspirações e valores, mesmo quando contrários àqueles dominantes na sociedade.”

No entanto, a aprovação da resolução pelo CFM não inibe a entrada de ações judiciais que deixam o profissional vulnerável à aplicação do documento, porque o dispositivo não encontra respaldo no Código Civil. Mas, caso não siga as determinações do Conselho, o médico estaria ferindo o Código de Ética Médica. Para evitar a insegurança, um dos autores da pesquisa, o professor José Antônio Chehuen Neto, da Faculdade de Medicina, afirma ser fundamental uma legislação específica, “abrangendo todo o país, desvinculada de processos criminais, com contribuição multiprofissional e participação popular”.

Outros questionamentos sobre o testamento são a confiança na equipe médica, o próprio entendimento sobre estado terminal e o fato de o paciente assinar declaração sobre situação possível, imaginária.

Pesquisa

Diante desse panorama, professores e alunos da UFJF entrevistaram 351 médicos, nutricionistas, enfermeiros, psicólogos e fisioterapeutas que atuam em ambientes hospitalares de Juiz de Fora.

Mais de 52% dos médicos e 72,1% dos demais profissionais disseram não se sentir confortáveis em aplicar o testamento, mas são favoráveis à criação de lei para regulamentar o documento. A margem de erro nos resultados é de 5 pontos percentuais para mais ou para menos.

O estudo aponta também que 79,6% dos médicos e 68,1% dos profissionais de saúde demonstraram entender a importância de passar a informação sobre o testamento ao paciente. E quase 62% declararam que elaborariam o documento para si próprios, conforme o quadro abaixo. 

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A medida é desconhecida mesmo entre profissionais de Unidades de Tratamento Intensivo (UTI), que lidam com mais frequência com pacientes em estado terminal. Mas, de acordo com o estudo, eles são os “mais inclinados a seguir as determinações do testamento vital, bem como a confeccioná-lo para si”.

Profissionais de UTI também desconhecem resolução sobre testamento

Para o professor Renato Ferreira, um dos objetivos do estudo foi fazer com que alunos conheçam e entendam o assunto, uma vez que o testamento vital não é debatido. Os dados coletados também poderão ser fonte de informações sobre o tema, que venham a auxiliar na regulamentação do documento, contemplando a perspectiva dos profissionais de saúde.

Para a estudante de Medicina Natália Cristina, uma das autoras do artigo, o Testamento Vital é extremamente importante para os cuidados com o doente terminal. “Nosso objetivo na área da saúde, vai muito além de curar e prolongar a vida de um paciente. A pessoa quando está lúcida e crítica, tem o direito de decidir sobre o seu destino.” Também assinam o artigo os alunos Álvaro Henrique de Almeida Delgado, Caio Gomes Tabet, Guilherme Gomide Almeida e Isadora Figueiredo Vieira.

Portal e registro
Apesar de pouco difundido, o tema já conta com portal específico, oTestamento Vital, que traz informações e espaço para publicação de trabalhos e discussões. Segundo a administradora do site e consultora na área, Luciana Dadalto, “o brasileiro não tem costume de conversar sobre a morte; assim, elaborar um documento no qual será preciso pensar sobre o assunto, torna-se doloroso, mórbido e, para muitos, sem propósito”. O portal recomenda a elaboração do testamento vital com a ajuda do médico e de um advogado, mas a consultoria não é obrigatória. O site também disponibiliza acesso ao Registro Nacional de Testamento Vital (Rentev). 

Leia a pesquisa na íntegra

Notícia publicada pela UFJF NOTÍCIAS em 16 de março de 2016