Para celebrar o mês da Consciência Negra, o Colégio de Aplicação João XXIII promoveu diversas atividades que valorizam a herança cultural dos povos africanos trazidos para o Brasil.

O evento, intitulado “UBUNTU: Ação e Consciência NEGRA”, teve por objetivo dar continuidade às atividades pedagógicas já realizadas ao longo dos anos pelos/as professores/as e alunos/as do Colégio, além de aprofundar conhecimentos sobre a cultura negra, conforme prevê a implementação da Lei 10.639/03, sobre o tema da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

O evento foi inicialmente proposto pelos/as professores/as do João XXIII: Frederico Crochet, Mônica Maia de Andrade, Carolina Bezerra, Vanessa Vaz e Jussaramar da Silva. A importância da iniciativa foi destacada e o coletivo de professores/as definiu em reunião de Congregação tornar a atividade como parte do calendário escolar. Nesse sentido, outros/as professores/as somaram-se ao grupo inicial na elaboração de uma programação consistente e toda a comunidade escolar se envolveu o que tornou o evento, já em seu primeiro ano de realização, um sucesso!

Rodas de conversas, palestras, oficinas, mostra de cinema, e exposições fotográficas e artísticas aconteceram entre os dias 12 e 30 de novembro, em todos os segmentos e modalidades de ensino.  Zumbi dos Palmares, um dos maiores líderes negros do Brasil, que lutou para a libertação do seu povo contra o sistema escravocrata, por meio da fundação de um quilombo, foi um dos personagens homenageados. 

A oficina de bonecas africanas Abayomi ganhou destaque. Segundo as professoras Vanessa e Jussaramar, a ideia surgiu a partir do estudo em sala de aula sobre o tráfico de escravos da África para as Américas e das distorções em torno do assunto. Os alunos do 7º ano do Ensino Fundamental aprenderam sobre a lenda Abayomi, a história de mães que rasgavam retalhos de suas saias e, a partir deles, criavam bonecas feitas de nós ou tranças. O brinquedo servia como forma de consolo e distração para os filhos que sofriam os horrores ocorridos durante as viagens à bordo dos tumbeiros – navio de pequeno porte que realizava o transporte de escravos entre África e Brasil.

O termo Abayomi significa “encontro precioso”, em Iorubá, uma das maiores etnias do continente africano, e são símbolo de resistência e amuleto de proteção. Além disso, as bonecas são montadas sem costura e não possuem demarcação de olho, nariz e boca, para que as múltiplas etnias africanas sejam reconhecidas. 

Vanessa explica que a criação das  bonecas pelos alunos, após entender a lenda, é uma alternativa para compartilhar o ensinamento da realidade dura e cruel que os escravos viviam de maneira mais “leve”. “Muitos alunos são sensíveis a esse assunto, então a ideia era passar a ideia de que a escravidão também teve outros processos, em que as pessoas escravizadas tentaram formas de resistência. A bonecas fizeram parte de uma dessas formas”, ressalta.

Durante a oficina, a dinâmica escolhida foi de que, a cada nó que os alunos realizavam para construir a Abayomi, fizessem um desejo direcionado para uma pessoa que quisessem doar a boneca, juntamente com o envio de uma carta. As produções dos alunos ganharam destaque ao ficarem expostas no hall de entrada da escola. 

No dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro, os/as alunos/as dos 4ºs e 5ºs anos, bolsistas e professores, também participaram de uma Oficina de Tambores, ministrada pelo convidado Diogo Veiga, músico, capoeirista, estudioso e formador na cena da musicalidade africana em Juiz de Fora.

Para contar a ancestralidade do povo africano no Brasil, Diogo levou diversos tambores com contribuições de povos africanos distintos e com formas de construção diferentes, como os feitos de tarraxas ou de amarração de cordas. Na oficina, trabalhou com os alunos o estudo dos toques Congo e Ijexá, que representam uma importante identidade da musicalidade africana.

Carolina Bezerra e Mônica Andrade, professoras responsáveis pela atividade, reforçam que a atividade contribui na valorização da cultura e da história afro-brasileira no país e na percepção da criança sobre a importância do patrimônio material e imaterial dos negros para toda a população brasileira.

“Trazer elementos ancestrais, de memória e da cultura do povo negro é muito rico porque faz com que os/as alunos/as associem as relações do que estão aprendendo historicamente nas salas de aula. Possibilita que eles materializem o conhecimento que a escola trabalha muitas vezes de forma teórica” aponta Carolina Bezerra.

O Projeto de Extensão “Capoeirando no João” também marcou presença no dia 20 de novembro com a realização de seu IV Batizado e Troca de Cordas. Quarenta e cinco alunos, com idade de cinco a catorze anos, participaram do evento que comemorou a graduação de cada um deles na capoeira. Mais de duzentas pessoas estiveram presentes assistindo e participando da solenidade. O mestre de capoeira, Christiano Brum, foi convidado e conduziu a cerimônia da graduação, seguindo a tradição da capoeira. O evento também contou com a participação de seu grupo, a União Cultural de Capoeira (UCCAP), que apresentou um show cultural envolvendo apresentações sobre a capoeira de vadiação, a capoeira no estilo corda e também o maculelê.

Para coordenadora do Projeto de Extensão, Mônica Maia de Andrade, o batizado é um momento único pois determina o reconhecimento do capoeirista como parte do grupo. Além desse reconhecimento entre os capoeiristas, esse é um momento de importante de participação da família e amigos, atentos à evolução e dedicação dos/as alunos/as. “Quando o/a aluno/a recebe sua primeira corda no batizado, ele/a deixa de ser apenas praticante de capoeira e passa a ser considerado como integrante do grupo. Integrar familiares e amigos é importante para que o capoeirista tenha um momento de reconhecimento”, explica.

Cine-debates estimularam discussões sobre diferentes questões que envolvem a temática. Dentre eles destacam-se as produções “Kiriku e a Feiticeira”, “Kiriku e os animais selvagens”, “Vista a minha pele”, “Azur e Asmar” e “Quase Deuses” – filmes e animações que tratam sobre as histórias, experiências, dores, lutas e conquistas do povo negro. Na EJA, o Cine debate aconteceu com a exibição do filme “Besouro” e a atividade contou com a participação dos alunos e organização da Coordenação de Ensino.

Além disso, a “Mostra de Curtas e Livros Animados sobre Contos Africanos” aconteceu  todos os dias, durante o recreio do Ensino Fundamental I. Foram exibidas diversas obras, tais como: “A Menina Bonita do Laço de Fita”, “O Filho do Vento” e “Garoto Tambor”. A participação foi aberta a todos e optativa àqueles que desejassem assistir. O recreio do Ensino Fundamental II e Ensino Médio também esteve repleto de atividades, como o Slan de Poesias, a apresentação teatral “As Ruths” e a roda de Jongo.

A roda de conversa organizada pelo NAE em parceria com a Coordenação da EJA também foi um sucesso, com a presença da Professora Carolina Bezerra e da TAE Mariângela Ferreira Costa. Além dessas atividades, os alunos da EJA também puderam apreciar a apresentação do  Batuquedelas e um Lanche temático preparado com riqueza de detalhes pelo NAE e Coordenação de Ensino.

A atividade de Contação de Histórias e Musicalidade “Olelê uma antiga cantiga da África” foi uma importante oportunidade de aprendizado para as crianças dos 1ºs, 2ºs e 3ºs anos. A atividade organizada pela professora Mônica Andrade, contou, mais uma vez, com a participação do músico Diogo Veiga. Durante a atividade, além de aprenderem sobre o conto africano, as crianças puderam conhecer instrumentos musicais como o Balafon Africano e a Mbira Dzavadzimu, do Zimbabwe.

Os 4ºs anos contaram com a presença de Olivier Nong`olela Shamololo, africano da República Democrática do Congo que veio participar da Roda de conversa sobre o continente africano, sua diversidade, riqueza e aspectos culturais, visando desconstruir um imaginário negativo sobre a África ligado apenas à doenças, fome e guerra. Também falou sobre a sua experiência de ter vindo estudar no Brasil, recebendo o diploma de Arquiteto pela UFJF. Já os 5ºs anos receberam a quilombola Zezé (Maria José) da comunidade quilombola de Colônia do Paiol situada em Bias Fortes – MG, com o objetivo de complementar os estudos por essa turma realizados nas disciplinas de História e Geografia ministradas pela Professora Carolina Bezerra. Zezé relatou como é uma comunidade quilombola, aspectos religiosos, culturais, sociais, simbólicos, territoriais e a luta pela posse coletiva da terra.

As Contações de Histórias feitas pela técnica administrativa, Nívea Santos também fizeram parte da programação. Os/as alunos/as do 1º ao 5º ano escutaram a história “Obax” e “Rapunzel e o Quibongo”, uma recriação da história tradicional europeia, “Rapunzel”, adaptada para cultura afro-brasileira, com personagens negros e cenários típicos do Brasil. Nívea destaca que trazer livros da biblioteca da escola para essas atividades motiva e incentiva a leitura de obras semelhantes. 

A exposição Afro Retratos feita pelos/as alunos/as dos 3ºs anos do Ensino Médio chamou a atenção de todos que passaram pelos corredores do colégio. Usando o conhecimento sobre Arte Contemporânea, o professor Frederico Crochet optou por trabalhar o negro, entre os diversos temas escolhidos. A mostra teve como inspiração a exposição Afro Retratos, de Renato Felinto. A proposta foi mostrar a trajetória do negro no Brasil e marcar sua contribuição e participação no universo artístico da cultura brasileira. 

Os/as alunos/as buscaram na própria escola atores negros que fazem parte do dia a dia de cada um. Cada grupo ficou responsável por fotografar alunos, professores e TAEs que se declaram negros. O resultado valorizou a etnia e promoveu o orgulho de sua ancestralidade e origem.

Os relatos dos alunos e alunas do colégios e as avaliações realizadas demonstram que a a ação pensada e realizada durante todo o mês de novembro cumpriu o seu objetivo. Uma das alunas retratadas na exposição afirmou que foi a primeira vez que se sentiu importante no colégio e uma outra aluna, devido ao espaço de valorização criado no colégio com relação à cultura negra, sentiu-se à vontade para dividir com os colegas de turma que é adepta do candomblé, trazendo as suas guias para ser mostrada em sala de aula e explicando sobre o seu processo de iniciação, no qual teve que raspar a cabeça segundo os preceitos da sua religião.

Frederico ressalta que o trabalho da Consciência Negra é fundamental para combater o racismo e qualquer forma de preconceito que vem sendo alimentado durante a história brasileira. “Precisamos de um recorte de empoderamento sobre Consciência Negra. A etnia branca nunca foi animalizada como a negra foi e ainda hoje é.  O evento lembra a história de dor e violência dos negros e alerta para as consequências desse histórico. O que nos dá embasamento para soluções”, explica.

A Roda de Jongo foi outra maneira de se trabalhar as manifestações artístico-culturais da população negra afro-brasileira no colégio. Segundo Carolina Bezerra, a música e a dança afro-brasileira são fundamentais para desconstruir um imaginário racista e escravocrata e ensinam os valores civilizatórios presentes nas tradições africanas e afro-brasileiras para as novas gerações. Para a docente, as atividades estimulam os alunos a se orgulharem da história dos seus antepassados como pessoas produtoras de culturas e sentidos existenciais. “Ver os alunos do 9º ano dançando junto com os alunos das séries inicias na roda foi uma vivência rica. Pude ver resultados da oficina quando duas alunas negras do primeiro ano, que nem estavam inseridas na prática, quiseram mostrar que aprenderam a dança. Trabalhar com a história afro-brasileira amplia o olhar em relação a essas culturas para além de um enfoque que as trata apenas como um grupo de escravizados”, destaca.

A apresentação e roda de conversa sobre a exposição “Corpo, Poder, Identidade: o axé da beleza negra no Ilê- Aiyê”, elaborada pela professora Carolina Bezerra, fechou a programação. As fotos retratam mulheres negras na 33a noite de Beleza Negra do Ilê- Aiyê. O objetivo da mostra foi subverter as relações de identidade e poder.  A exposição não valoriza apenas as características físicas das candidatas ao posto dos “Deusa do Ébano, mas também sua importância na comunidade sua atuação política, social, cultural aonde vivem, ou seja, o que cada uma traz de relevante para sua comunidade. 

Durante o debate, Bezerra ressaltou que as fotos mostram mulheres que desafiam os valores impostos pela sociedade sobre seus próprios corpos. Valores que qualificam suas belezas não pela presença, mas pela ausência dos ideais europeus de branquitude. 

A professora de artes, Renata Caetano, curadora da exposição, comenta “A qualidade técnica é importante na escolha das fotos. Mas também pensamos muito na captação dos momentos, das expressões das mulheres negras que redefinem a ideia do padrão de beleza e nos provoca pensar sobre a importância de enaltecer a   negritude no Brasil,” explica. A atividade encerra a programação do “UBUNTU: ação e consciência NEGRA” do ano 2018.

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