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Uma nota sobre inovação, incerteza, financiamento público e política de inovação nas universidades públicas.

Um equívoco recorrente no debate sobre o Novo Marco Legal da Ciência, da tecnologia e da Inovação, bem como das políticas dele derivadas para as universidades públicas, é que seus dispositivos se associariam a uma perspectiva que mira esvaziar o financiamento público das instituições universitárias.

É preciso salientar com ênfase que o Novo Marco (leis 10.973/2004 e 13.243, ainda nos governos de Lula e Dilma, e Decreto 9.283, de 2018) tem como propósito fundamental favorecer uma aproximação entre a universidade e instituições de pesquisa e as empresas, associações da sociedade civil e entes governamentais, para que o conhecimento gerado nas primeiras flua com mais facilidade para a sociedade, aumentando a competitividade das empresas e promovendo a melhora nos serviços prestados aos cidadãos por entidades públicas ou privadas.

No caso das empresas, a elevação da competitividade através da inovação é o único caminho para que evitem a rota fácil e predatória da degradação ambiental e da precarização das relações de trabalho, tomadas como diferencial competitivo quando a produção se ancora em tecnologia majoritariamente importada.

Ocorre que a inovação é algo que se faz num ambiente de enorme incerteza, que é diferente dos riscos, associados a qualquer investimento, que têm caráter probabilístico, com base em considerações sobre as variáveis vigentes no ambiente atual de operação das empresas (Andrade, 2011). A inovação envolve um esforço de pesquisa e invenção cujos resultados são desconhecidos. Por isso, a inclinação das empresas para a inovação exige a presença do Estado para reduzir a incerteza, seja através de mecanismos como as compras públicas (em que os resultados são acertados levando em conta inversões de longo prazo para desenvolvimento de produtos intensivos em tecnologia), seja do financiamento público à pesquisa, apenas para apontar os instrumentos prevalecentes nos EUA, paradigma de uma ordenação liberal da economia. Noutros casos de sucesso no esforço de dotar os países de capacidade endógena de inovar, outros mecanismos também têm relevância, como a concertação entre os atores assegurada pelo Estado, ao lado do financiamento paciente dos bancos, fortemente ligados às empresas, na Alemanha; ou o sistema de contrapartidas com financiamento bancário na Coréia do Sul (Delgado, Condé, Esther & Salles, 2010).

Não faltam registros destacando que nos países desenvolvidos a excelência em pesquisa exige financiamento público (De Negri, Knobel, Brito Cruz, 2018; Caires, 2019). A aproximação com as empresas não é, pois para resolver o problema do financiamento da educação superior, mas para enfrentar o problema da dependência tecnológica que é a matriz da dificuldade em alcançarmos níveis superiores de desenvolvimento, como se evidencia abaixo nos dados que mostram o crescimento expressivo da produção científica brasileira, com impacto, todavia pequeno nos indicadores de inovação no país, na participação das empresas nos dispêndios em inovação (em contraste com outros países mais bem sucedidos tanto na produção científica quanto na capacidade de gerar inovações), e no desempenho de nossa balança comercial, fortemente dependente da importação de produtos de maior intensidade tecnológica. Quando o conhecimento gerado nas universidades flui para as empresas através do licenciamento de tecnologias, parcerias para P&D e outras formas de transferência de tecnologia, a sociedade se beneficia com mais e melhores produtos, mais impostos gerados e menor dependência tecnológica.

O que está em questão não é o financiamento público das universidades, mas sim criar um ambiente mais favorável à interação entre a universidade e a sociedade, alargando as oportunidades para o desenvolvimento e a soberania nacional.

 

Ignácio Godinho Delgado*

*Professor titular aposentado da Universidade Federal de Juíz de Fora (UFJF). Diretor de Inovação da UFJF, desde 2016. Foi Visiting Senior Fellow no Department of Internacional Development da London School of Economics and Political Science (LSE), em Londres, Inglaterra,  entre 2011 e 2102. Membro do Comitê Gestor do Instituto Nacional e Ciência e Tecnologia – Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED).

 

Referências
ANDRADE, Rogério (2011) “A construção do conceito de incerteza: uma comparação das contribuições de Knight, Keynes, Shackle e Davidson“. Nova Economia. vol.21 no.2 Belo Horizonte May/Aug
• CAIRES, Luiza (2019) “Nos países desenvolvidos, o dinheiro que financia a ciência
na universidade é público. Nas universidades dos Estados Unidos, 60% dos recursos vêm do governo; nas da Europa, 77%”. Jornal da USP. Disponível em https://jornal.usp.br/ciencias/nos-paises-desenvolvidos-o-dinheiro-que-financia-a-ciencia-e-publico/?amp&__twitter_impression=true . Acesso em 26/5/2019.
• DELGADO, I. G. CONDÉ, E.S., ESTHER, A.B., SALLES, H.M. (2010). Cenários da
Diversidade – variedades de capitalismo e política industrial nos EUA, Alemanha, Espanha, Coréia, Argentina, México e Brasil (1998-2008). Dados. Rio de Janeiro. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S001 52582010000400006&script=sci_abstract&tlng=pt
• DE NEGRI, Fernanda, KNOBEL, Marcelo, BRITO CRUZ, Carlos Henrique (2018) “Excelência acadêmica requer custeio público”. Unicamp Notícias Disponível em https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2018/01/10/excelencia-academica-requer-custeio-publico . Acesso em 20/01/2019.