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A cidade que tornou obrigatório o ‘Pai Nosso’ nas escolas

Município de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, editou lei que obriga orações semanais em instituições públicas e privadas. Associação pediu declaração de inconstitucionalidade da norma

 

 

O município de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, aprovou uma lei que torna a oração do “Pai Nosso” obrigatória nas escolas públicas e particulares da cidade. Proposta pelo vereador Luciano de Oliveira Julião (PL-SP), a lei foi aprovada em sessão ordinária com 18 votos favoráveis e quatro contrários.

A norma, sancionada na quarta-feira (2) pelo prefeito Fabio Candido (PL-SP), reacendeu debates sobre a liberdade religiosa de crianças e adolescentes no ambiente escolar.

Neste texto, o Nexo explica o que diz a lei, relembra outras cidades que também adotaram a obrigatoriedade e mostra outras práticas de elementos religiosos em escolas. Também conta qual a relação da norma com o ensino religioso, disciplina obrigatória no currículo escolar.

O texto institui a obrigatoriedade da oração do “Pai Nosso” em escolas públicas e privadas ao menos uma vez na semana. Na justificativa do projeto de lei, o vereador Luciano de Oliveira Julião (PL-SP) cita que a oração pode “direcionar as crianças e jovens no caminho do bem e dos ensinamentos de Deus”.

“Estudos apontam que momentos de oração e meditação podem reduzir o estresse e a ansiedade, promovendo o bem-estar emocional dos alunos”, diz Julião no projeto aprovado, sem referenciar as pesquisas. Caso um aluno não queira participar da oração, ele deve apresentar uma declaração assinada pelos responsáveis à direção no primeiro mês letivo do ano. Com a opção, a criança ou o adolescente deve permanecer em sala de aula.

O teor da lei não é novidade no Brasil. Em 2011, vereadores de Ilhéus, na Bahia, aprovaram a “Lei do Pai Nosso”. Proposta por Alzimário Belmonte (PP-BA), ela foi sancionada pelo então prefeito Newton Lima (PT-BA) e entrou em vigor em janeiro de 2012.

Em abril do mesmo ano, o Tribunal de Justiça da Bahia suspendeu os efeitos da norma, após solicitação do Ministério Público baseada numa ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) protocolada pela Procuradoria-Geral de Justiça do estado.

Outro caso aconteceu no interior do Rio de Janeiro. Em outubro de 2017, o Tribunal de Justiça do estado determinou a suspensão de uma ordem de serviço da prefeitura de Barra Mansa. Dias antes, o secretário municipal de educação Vantoil de Souza Júnior havia publicado um texto que tornava obrigatório hinos cívicos e a oração do Pai Nosso em colégios municipais. Alunos que não desejassem participar do momento seriam organizados em
fila separada.

O que diz a lei

Elisa Rodrigues professora do departamento de ciência da religião da Universidade Federal de Juiz de Fora, em entrevista ao Nexo

“Por mais bem intencionado que possa parecer um projeto de lei que institui a realização do Pai Nosso no ambiente escolar, por princípio ele fere a laicidade do estado.

O conceito de Estado laico leva em consideração o reconhecimento da diversidade religiosa e da liberdade de exercício de crença individual, sem favorecer uma religião em detrimento de outras.

A Associação dos Trabalhadores em Educação Municipal de São José do Rio Preto, com o mesmo entendimento de Rodrigues, protocolou na quinta-feira (4) uma ação de inconstitucionalidade contra a lei municipal.

O órgão argumenta, em comunicado, que a norma “fere a liberdade de consciência dos profissionais da educação e dos estudantes, além de desrespeitar as religiões de matriz africana e outras tradições não cristãs”. A ação será analisada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Além do “Pai Nosso”

O momento da oração ganhou outra roupagem com os próprios alunos em algumas escolas. Chamadas de “intervalos bíblicos”, as iniciativas se popularizaram nas redes sociais após casos em Pernambuco e Goiás.

Conforme mostrou o site G1, os encontros reúnem jovens de maioria evangélica para orações, cantos de louvores e leitura da Bíblia durante o intervalo das aulas. A prática é organizada pelos adolescentes, mas há relatos da presença de influenciadores e pastores.

Em setembro de 2024, o Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras em Educação de Pernambuco recebeu denúncias de intervalos devocionais
envolvendo:

  • presença de líderes religiosos evangélicos
  • uso sem autorização de material escolar e equipamentos de som
  • tentativas de converter colegas a adotarem a religião – prática
  • conhecida como proselitismo

As queixas foram apresentadas ao Ministério Público, que realizou audiência em novembro de 2024 para discutir a prática e segue apurando o caso.

Em Goiás, a vereadora Léia Klebia (Podemos) apresentou projeto de lei para autorizar os intervalos bíblicos nas escolas de Goiânia. No texto, protocolado em fevereiro de 2025, ela defende a ação como “ferramenta de.prevenção da violência e do bullying no ambiente escolar, promovendo uma cultura de paz e respeito”. O projeto aguarda parecer da Procuradoria.

O ensino religioso nas escolas

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) assegura a liberdade de crença e culto religioso às crianças e adolescentes, estendida ao ambiente escolar pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação — que regulamenta o
sistema educacional no Brasil. Essa norma garante, por exemplo, o direito à falta justificada por preceito religioso em dia de prova ou aula marcada.

O texto também institui o ensino religioso durante o ensino fundamental. Em 2017, a Base Nacional Comum Curricular estabeleceu diretrizes para a oferta da disciplina, que não deve ser confundida com uma manifestação religiosa ou defesa de fundamentação específica. O texto, inclusive, veda a prática do proselitismo.

No componente, as aulas devem abordar expressões religiosas diversas, para além do cristianismo, e suas interações com a sociedade — como nos costumes, na cultura e nas concepções sobre vida e morte nos territórios. Para o ensino público, a disciplina é obrigatória, mas com matrícula facultativa aos alunos.

A ideia é apresentar às crianças e adolescentes, como explica Rodrigues, a diversidade religiosa típica do Brasil a partir de especificidades locais e regionais. “O que se pleiteia é o combate às intolerâncias e violências religiosas, assim como a construção de bases mais solidárias de convivência social”, afirmou a professora.

 

Fonte: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2025/04/08/oracao-pai-nosso-lei-obriga-escolas-interior-sp

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