Ícones de Juiz de Fora, galerias guardam nomes e histórias de pessoas que contribuíram para o desenvolvimento da cidade
Por Renata Delage
Quando o ourives Artur Vieira anunciou, em 1923, a construção de uma galeria na Rua Halfeld, muitos colocaram em dúvida a sanidade mental do comerciante. O boato que corria na sociedade juiz-forana era que a obra ameaçaria o patrimônio da família. O ousado empreendimento seria o primeiro de Minas Gerais. Apenas o Rio de Janeiro contava com um exemplar, a Galeria Cruzeiro. Foram necessários dez anos para finalizar a Galeria Pio X, que, a princípio, não possuía saída para a Rua Marechal Deodoro. “Os inquilinos demoravam seis meses para quitar os aluguéis, pois só pagavam ao meu avô quando o negócio começava a dar lucro”, conta o neto de Vieira e um dos herdeiros Joalharia Meridiano, Roberto Villela Vieira. O nome em homenagem ao Papa foi escolhido pelo próprio criador da galeria. “Ele era muito católico”, diz o neto.
Vieira, talvez, não imaginasse que o modelo se alastraria pela região, fazendo do local, de fato, o centro comercial e referência de Juiz de Fora. Itinerário habitual de grande parte dos juiz-foranos, as galerias guardam ainda a história de alguns dos nomes que ajudaram a construir a cidade e permanecem impressos nas placas que identificam as passagens. Comerciantes, empresários, políticos, fundadores de entidades que existem ainda hoje, membros da sociedade e de famílias tradicionais na cidade compõem a maioria dos homenageados.
Apenas nos anos 1970, a nomeação das galerias passou a ser fruto de processo e de votação pelo plenário da Câmara Municipal. Até então, os nomes eram definidos por decretos de prefeitos da cidade. A Galeria Epaminondas Braga foi nomeada pelo prefeito Olavo Costa, em 1961, em homenagem ao amigo tesoureiro dos Correios e dos Telégrafos, que se dedicou ao ofício por mais de 20 anos. Braga, que faleceu no início dos anos 60, foi um dos fundadores da Casa Espírita, na Rua Sampaio, assim como da Fundação Espírita João de Freitas. A aproximação entre as famílias teria se dado a partir de um hobby que o prefeito e o tesoureiro tinham em comum: colecionar selos. Muitos lojistas teriam ficado insatisfeitos com a mudança, alegando que os consumidores se confundiriam, e os negócios poderiam ser prejudicados na então Galeria Central.
Olavo Costa também batizou, em dezembro de 1960, a Galeria Tenente Belfort Arantes. Arantes era oficial da reserva e foi convocado para servir na 2ª Guerra Mundial. Ele faleceu na Itália, vítima da explosão de uma mina subterrânea, e foi homenageado como símbolo de coragem e bravura da cidade.
Constança Vidal Lage Valadares foi uma das mulheres mais atuantes de seu tempo segundo o pesquisador e diretor do Museu Mariano Procópio, Douglas Fasolato. Teria sido sócia-acionista e fundadora da Sociedade Anônima Academia de Comércio, embora seu nome não conste nos registros da instituição. Também pouco aparece na história do Cine-Theatro Central, mas foi uma das idealizadoras do projeto, ao lado do marido, o empresário e político Francisco de Campos Valadares. Contudo, não há registros de quando a galeria foi batizada.
A diversidade de funções das galerias, local de encontro e convívio de públicos e objetivos distintos, é um dos temas discutidos no livro “Passagens em rede – a dinâmica das galerias comerciais e dos calçadões nos centros de Juiz de Fora e de Buenos Aires”, lançado na última quinta, pelo professor doutor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, Frederico Braida. “A galeria é um espaço privado, mas seu uso é baseado no que chamo de ‘gentileza urbana’, já que acaba sendo vista como um local público”, argumenta.
Como confirmação desta apropriação pela população, o pesquisador destaca que o nome dos acessos é dado pelo município, assim como é cobrada, por parte de certos condomínio, a conservação do local pelas autoridades. “O conceito de galeria contém o princípio de um novo sistema de acesso no qual a fronteira entre o público e o privado é deslocada e, portanto, parcialmente abolida”, argumenta Braida, ao citar o pesquisador Herman Hertzberger.
Os limites ficam ainda mais tênues quando é discutido o papel das vitrines. “Ao mesmo tempo em que a rua, que traz os clientes potenciais, continua loja adentro, as mercadorias são levadas para a rua, através do artifício de sua exposição nas vitrines”, escreve o pesquisador Cristóvão Duarte, outro pesquisador abordado por Braida.
As dialéticas suscitadas pelo espaço das galerias vão além das questões referentes ao público e ao privado. “Ao mesmo tempo em que ela corta o Centro, ela costura. Ela fragmenta e articula. Conecta e rompe”, conclui o pesquisador.
Fonte: Jornal Tribuna de Minas, dia 20/05/2012. Cadernos Dois.