Por Ana Carolina Antunes Vidon, Gerente da Propriedade Intelectual no Núcleo de Inovação Tecnológica
No Manual de Oslo (2005), que estabelece diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) define inovação como:
[…] a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas (Manual de Oslo, 2005, p.55).
Neste sentido, o Manual de Oslo (2005) estabelece que para existir uma inovação, essa deve ter sido efetivamente introduzida no mercado ou utilizada nas operações de uma organização. Portanto, entende-se por inovação aqueles novos produtos, processos e métodos que são colocados efetivamente em prática.
Em uma perspectiva econômica, para Schumpeter (1997), a inovação funciona como uma mola propulsora do desenvolvimento econômico, uma vez que estimula mudanças econômicas. Isto ocorre, pois quando uma inovação é introduzida, absorvida e consumida pelo mercado, a economia tende a diminuir e para retornar o desenvolvimento econômico são necessárias mudanças significativas, por meio das quais haverá uma renovação da dinâmica capitalista, substituindo-se produtos, processos e até mercados inteiros por novos, fenômeno este que ficou conhecido como “destruição criativa”.
O processo de inovação tecnológica ganhou destaque no decorrer dos anos, pois se consolidou como um fator essencial para o desenvolvimento econômico de regiões e países.
Para ocorrer desenvolvimento são necessárias constantes transformações que visem a criação de novas organizações capazes de acompanhar as mudanças de comportamento de seus clientes. A inovação tecnológica é uma ferramenta eficaz para concretizar estas transformações, além disso, a mudança técnica e a tecnologia determinam vantagens comparativas entre as organizações no comércio mundial.
Por esta razão, a proteção da propriedade intelectual relacionada às inovações desenvolvidas, por meio, por exemplo, do sistema de patenteamento, passa a fazer parte da estratégia de concorrência das empresas.
A origem da proteção aos direitos de autor ocorre ainda no sistema do Feudalismo, em meados do século XV, por meio das concessões por reis ou senhores feudais que se baseavam em critérios subjetivos para permitir a proteção (Di Blasi, 2005).
Apesar de ainda não receberem a nomenclatura de “direitos de propriedade intelectual”, estes já eram protegidos por tratados como a Convenção de Paris, de 1883, que disciplina a proteção da propriedade industrial; a Convenção de Berna, de 1886, para a proteção das obras literárias e artísticas; e a Convenção de Roma, de 1961, que visa a proteção aos artistas intérpretes ou executantes, aos produtores de fonogramas e aos organismos de radiodifusão.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos também traz em seu art. 27 o direito de proteção aos autores, no seguinte sentido: “Todos têm direito à proteção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria” (PARIS, 1948, art. 27).
Mas a oficialização da denominação “direito da propriedade intelectual” surge na conferência diplomática de Estocolmo, em 1967, com a Convenção que institui a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), na qual define em seu art. 2º a propriedade intelectual como:
a soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico (Estocolmo, 1967).
Diante da importância da temática nas relações comerciais internacionais, em 1986 ocorreu a Rodada Uruguai do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), a qual teve como foco a propriedade intelectual, resultando na criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) em substituição ao GATT. O Acordo de Marrakesh, acordo constitutivo da OMC, incorporou vários acordos multilaterais, entre eles o acordo TRIPS (Trade Related Aspects of Intellectual Rights) que disciplina aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio.
Seriam benefícios trazidos pelo TRIPS:
a) Maior segurança jurídica para as empresas, principalmente as multinacionais, na medida em que podem contar com a proteção de suas marcas e patentes nos demais países;
b) Mais investimentos e desenvolvimento econômico decorrentes dessa segurança jurídica;
c) Disponibilização de um mecanismo de solução de disputas na OMC, que, mesmo com suas falhas, ainda é preferível a um acordo bilateral, principalmente quando a disputa se dá entre um país desenvolvido e um país subdesenvolvido ou em desenvolvimento (Jungmann; Bonnet, 2010, p. 19).
No entanto, também há críticas ao TRIPS, no sentido de o acordo não se mostrar eficiente por si só, uma vez que apesar de estabelecer que os países desenvolvidos devam conceder incentivos a empresas e instituições de seus territórios para estimular a transferência de tecnologia aos países de menor desenvolvimento, pouco tem sido feito nesse sentido. Alerta-se ainda para a incipiência da cooperação técnica entre países desenvolvidos e países de menor desenvolvimento, demonstrando uma vez que, embora o TRIPS, com base na proteção da propriedade intelectual, preveja promover o bem-estar social, isto não vem ocorrendo, já que a propriedade intelectual é apenas um componente de uma complexa engrenagem, a qual deve ter atuação conjunta de outras medidas, como políticas públicas, investimento em infraestrutura e incentivos fiscais.
Os críticos do sistema de propriedade intelectual alertam ainda que, em termos econômicos, ao obstar a competição na venda de uma obra ou invenção protegida, faz-se possível o aumento do valor daquela propriedade de maneira que menos pessoas conseguem ter acesso as novas tecnologias o que acabaria por dificultar a inovação ao invés de fomentá-la (Merges et al., 2010).
Adicionalmente, mas não menos importante, é preciso salientar que embora seja, de certa forma, resultado de um esforço de investigação conduzido por indivíduos ou firmas, toda inovação se vale de um acúmulo de conhecimento que se desenvolve diacrônica e sincronicamente envolvendo múltiplos atores. Portanto, o momento catalizador da “invenção”, não é um fiat exclusivamente individual, mas um processo social de colaboração entre diferentes personagens e instituições, no mundo da ciência e da vida prática (Marques, 2014). Por isso, ainda que válido para estimular schumpeterianamente a inovação, é preciso que o direito de propriedade intelectual seja parcimonioso. Mesmo porque direitos rígidos de propriedade intelectual acabam por conduzir à inércia das instituições que os detêm e desestimulam eventuais competidores.
Neste contexto, para os críticos a propriedade intelectual permite a apropriação privada do intelecto humano e é relacionada à tecnologia capitalista, movida a lógica do lucro.
Porém, muitos também são os benefícios, citados pela literatura, advindos dos direitos de propriedade intelectual, como por exemplo: i) estimulam a capacidade criativa dos autores e inventores; ii) promovem o rápido progresso técnico e científico em benefício da sociedade; iii) incentivam o P&D e, consequentemente, o progresso tecnológico; iv) estimulam a disseminação da informação.
É importante considerar as características dos direitos de propriedade intelectual. Estes direitos são temporários, uma vez que preceitos legais estipulam prazos para que o titular exerça o privilégio de exclusividade na exploração da sua criação, bem como, possa se defender contra a apropriação indevida por terceiros. Sendo assim, considera-se que a propriedade intelectual apresenta as seguintes características: uma dimensão temporal, sua proteção é estabelecida em lei e proporciona segurança jurídica ao seu titular.
Além disso, observa-se que para se ter uma patente é necessário ter novidade (ser original mundialmente), atividade inventiva (não ser considerada óbvia para um técnico no assunto) e ter aplicação industrial (ser útil e ter a possibilidade de ser replicada em larga escala). Desta forma, percebe-se que há uma série de exigências para se ter uma patente, existindo um exame complexo para que a carta-patente seja concedida e a exclusividade de comercialização seja possível, não se concedendo monopólios a ideias abstratas.
Bradley (1997) afirma que no mundo contemporâneo a mais importante fonte de riqueza é o capital intelectual e tornar este capital tangível traz retornos benéficos para empresas e países, proporcionando crescimento econômico. Neste sentido, a proteção da propriedade intelectual promove a inovação e a criatividade, incentivando os autores e inventores ao processo de criação, mediante recompensa moral e patrimonial.
Diante do exposto, verifica-se que apesar das tentativas de se harmonizar os aspectos dos direitos de propriedade intelectual, até hoje a proteção à propriedade intelectual é algo polêmico nas relações internacionais, sendo que ainda não há uma uniformização quanto ao tema. Neste sentido, estratégias de governo e legislações específicas para nortear a temática são relevantes para se alcançar o sucesso na criação, proteção, utilização e gerenciamento dos direitos de propriedade intelectual.
Portanto, não é suficiente uma regulamentação geral sobre a proteção dos direitos de propriedade intelectual, uma vez que políticas industriais adequadas à realidade de cada país são essenciais para que a tecnologia possa ser gerada e desenvolvida nos mais diversos territórios, evitando-se desigualdades e dependências tecnológicas como as que existem atualmente.
Para H-Joon Chang (1994, p.60) “política industrial é aquela que se dirige a grupos específicos de indústrias para o alcance de resultados que são percebidos pelo Estado como eficientes para a economia em seu conjunto”. Assim sendo, a política industrial é aquela que estabelece interligação entre o empresariado e o Estado, visando ganhos de informação, reciprocidade, credibilidade e confiança, que garantam eficácia às políticas e segurança aos empresários para a realização dos investimentos. Para isso, podem ter como objetivos a equiparação, a solução de problemas de coordenação econômica, a ampliação do emprego, a inovação e o desenvolvimento tecnológico; e como instrumentos: subsídios, crédito, tarifas, compras do Estado, orientação dos investimentos, apoio à inovação.
No mundo contemporâneo, verifica-se claramente a concentração da tecnologia desenvolvida no mundo em poucos países ao se analisar o histórico de depósitos de patentes no decorrer do tempo. De 1883 a 1963 o escritório de patentes dos Estados Unidos da América (EUA) foi o principal escritório de pedidos mundiais, sendo que o Japão ultrapassou os EUA em 1968 e manteve a primeira posição até 2005. Já o Escritório Europeu e a República da Coréia viram aumentos a cada ano desde o início dos anos 1980, assim como a China desde 1995, logo após o TRIPS. Destaca-se que a China ultrapassou o Escritório Europeu e a República da Coréia em 2005, o Japão em 2010 e os EUA em 2011, sendo atualmente o país com maior número de pedidos de patentes no mundo. Ressalta-se, ainda, que há uma tendência de aumento gradual na participação combinada dos cinco principais escritórios no total mundial de 75,3% em 2008 para 85,3% em 2018 (WIPO, 2019). Apresenta-se o gráfico 1 para ilustrar este panorama.
Gráfico 1 – Panorama histórico de pedidos de patentes (1883-2018)

Pelo gráfico percebe-se que a propriedade intelectual ganhou força nos últimos anos, porém uma parcela pequena de países concentra estas propriedades e consequentemente usufruem do lucro advindo dela. A propriedade intelectual se tornou uma estratégia de mercado e poder, seja para os titulares de direitos, seja para a formulação de políticas públicas estatais. Ocorre que por meio dos direitos de propriedade intelectual, como por exemplo o direito auferido por patentes, permite-se a dominação de mercado e, consequentemente, a rentabilidade advinda destes direitos, o que permite maior investimento em pesquisa. Perante este cenário, os países desenvolvidos são cada vez mais beneficiados e em contrapartida os países em desenvolvimento, dependentes da tecnologia estrangeira, teriam cada vez mais dificuldades para se inserir no campo da inovação.
Para reverter este cenário não seria razoável a exclusão dos direitos de propriedade intelectual, direitos estes contemplados no rol de direitos fundamentais de diversos países, bem como contemplados na Declaração Universal de Direitos Humanos. É preciso compreender que a lógica econômica da proteção à propriedade intelectual é advinda das falhas de mercado, ou seja, o conhecimento é algo passível de ser compartilhado e não se reduz com o consumo, é algo fácil de ser reproduzido, bem como seus custos de produção são altos. Portanto, faz-se necessário a intervenção do Estado para que ocorra a produção de forma adequada e dentro das melhores possibilidades possíveis. Desta forma, o governo pode produzir ou financiar pesquisas e produção de conhecimentos, oferecer subsídios para os custos privados de produção, bem como conceder direitos temporários de propriedade intelectual, usando-se em geral a combinação destas inciativas. Portanto, faz-se necessário um sistema jurídico que regule os direitos de propriedade intelectual e permita auxiliar na geração de novos conhecimentos (Malhotra, 2004).
Porém não se justifica uma abordagem universal sobre o tema, diante das diferentes capacidades tecnológicas e situações socioeconômicas dos mais variados países, sendo preciso normas e políticas que permitam que países pobres eliminem a defasagem tecnológica e que permitam o desenvolvimento nacional, mesmo que para isso as normas de propriedade intelectual nestes territórios sejam mais brandas por um determinado período de tempo.
Neste contexto, há uma série de medidas governamentais que podem auxiliar na diminuição das desigualdades e consequentemente na diminuição do controle da tecnologia pelos países dominantes, colaborando para equilibrar melhor os interesses dos segmentos mais pobres da população mundial. Seriam estas medidas: i) elaborar uma legislação nacional que aborde as necessidades do desenvolvimento humano e aos recursos e oportunidades de progresso tecnológico; ii) assegurar que os produtos tenham seus preços fixados pelo mercado e, independentemente de seu status de patente, estejam ao alcance dos recursos econômicos dos consumidores; iii) investir em pesquisa e desenvolvimento, o que é crucial para desenvolver a competência tecnológica, podendo os resultados das atividades de P&D financiadas por verbas públicas, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, inclusive as patentes, ser voluntariamente licenciados a produtores dos países em desenvolvimento.
Apesar das críticas descritas no decorrer deste artigo, acredita-se na importância dos direitos de propriedade intelectual para colaborar com o desenvolvimento econômico dos países. Entende-se que o ideal seria conjugar uma regulamentação de proteção da propriedade intelectual específica para a realidade de cada território com políticas industriais bem definidas, possibilitando a capacidade de produção industrial dos diferentes países, pois isto poderia garantir a geração de novos produtos e o seu acesso a quem deles necessita, dificultando assim o controle social por meio da dominação dos países desenvolvidos em face da dependência tecnológica dos países em desenvolvimento.