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Como e por que nasceu o projeto Direitos Humanos e Justiça Socioambiental (DHJSA)

Esse projeto de extensão nasceu a partir da parceria firmada entre o programa Centro de Referência em Direitos Humanos da UFJF-GV e o Centro Agroecológico Tamanduá (CAT), com objetivo geral de assessorá-lo juridicamente no apoio às comunidades quilombolas de Ilha Funda e Águas Claras, situadas respectivamente nos municípios de Periquito-MG e Virgolândia-MG. Além disso, o projeto tem por objetivo trabalhar juntamente com o CAT na construção, formalização e implantação de um projeto de Assessoria Técnica (AT) voltada às comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, nos municípios de Tumiritinga e Galiléia. 

O projeto em questão está alinhado com as determinações do Plano Nacional de Direitos Humanos e atua, portanto, na promoção de um sistema de justiça mais acessível, ágil e efetivo, para o conhecimento, a garantia e a defesa dos direitos. Sendo assim, o DHJSA não se prende unicamente na assessoria jurídica. Também executa, a partir de uma metodologia participativa, outras ações programáticas que lidam, de maneira mais geral, com a temática “Direitos Humanos” 

Quem é o CAT e como surgiu a parceria com o  DHJSA?

 

O Centro Agroecológico Tamanduá é uma Organização Não Governamental (ONG) fundada em 1989, com o objetivo de promover o desenvolvimento da agricultura familiar e a agroecologia no Médio Rio Doce. A entidade traz consigo como missão institucional, o fortalecimento da agricultura familiar no Vale do Rio Doce, contribuindo para o desenvolvimento local sustentável, por meio do incentivo aos sistemas agroecológicos e fortalecimento das organizações comunitárias e da rede de economia popular solidária, tendo como princípios a agroecologia, a geração de renda através da autogestão, a construção coletiva do conhecimento, a equidade nas relações de gênero, a auto organização dos agricultores como atores políticos, o respeito às diferenças étnicas e culturais, em parceria com as organizações de agricultores e com instituições públicas e privadas.

Com o desastre ambiental provocado pela Vale/Samarco/BHP Billiton, o governo brasileiro fez um processo seletivo para escolher uma entidade apta a atuar na recuperação das áreas atingidas, bem como no assessoramento da população dessas regiões. Para tanto, a entidade deveria ser tecnicamente capaz e gozar de credibilidade com as comunidades-alvo. Nesse processo, o CAT foi a instituição escolhida como Assessora Técnica (AT) junto aos municípios de Tumiritinga e Galiléia. Além disso, a ONG também é responsável pela assessoria das comunidades quilombolas de Águas Claras e Ilha Funda. 

Sendo assim, a ONG, que não possui equipe jurídica, demanda tal habilidade, que vem sendo sanada pelo projeto DHJSA.

A experiência dos estudantes extensionistas com o projeto

 

Para relatar as atividades do projeto a partir de um olhar mais próximo, o CRDH entrevistou três pessoas que foram participantes do DHJSA no período, entre o início de 2019 até maio de 2020. 

Ao ser questionada sobre a atuação do projeto, a extensionista Thamara Alves nos contou que o DHJSA auxiliou o CAT na sistematização dos dados dos atingidos pelo rompimento da barragem de rejeitos da Samarco. Segundo ela, “tal sistematização é de suma importância para o exercício da assessoria futuramente, uma vez que é fundamental que os dados estejam sempre atualizados e organizados, para que todos sejam plenamente atendidos”. Stephany Ferreira, ex-bolsista do projeto, lembrou dos resultados obtidos na elaboração de um novo estatuto que transformou as associações rurais de Ilha Funda e Águas Claras em associações de comunidades quilombolas, uma vez que essas comunidades haviam passado recentemente pelo processo de auto-reconhecimento junto à Fundação Palmares. A aluna disse que foi gratificante colaborar nessa etapa de reconhecimento, além do fato de que foi um processo de mútuo benefício. De um lado, as comunidades lograram seus direitos, e, do outro, houve muito aprendizado sobre questões como privilégios e realidade social. Ao ser indagado sobre seus aprendizados com a experiência nos quilombos, o estudante Gilberto Bramusse diz: “O projeto foi muito enriquecedor, no sentido de me aproximar das lutas dessas populações e aprender sobre as tradições desses povos”. Em relação a essa questão, Stephany relata: “aprendi muito sobre como devemos valorizar todo tipo de cultura e toda realidade de vida”.

 Gilberto trouxe também à tona a importância do outro eixo de atuação do projeto, o acompanhamento dos atingidos pelo rompimento da barragem de rejeitos nas regiões de Tumiritinga e Galiléia, feito pelos membros do projeto em sintonia com o CAT, por intermédio de plantões na ONG. Nesse sentido, Stephany menciona que “a luta dos atingidos pela barragem de fundão é algo que infelizmente está longe de se resolver”, mas salienta que o contato com a comunidade fez surgir entre os extensionistas uma grande necessidade de justiça social. 

Por fim, ao concluir sobre a experiência em geral com o DHJSA, a aluna Thamara Alves se posicionou: “avalio minha experiência com o projeto de uma maneira muito positiva, uma vez que por meio dele me foram proporcionadas experiências que transcendem a vida acadêmica, e que atingem a nossa construção identitária como pessoa, de modo que foram reafirmados valores e princípios que definitivamente levarei durante toda a minha vida.”

 Parceria CAT-DHJSA-CRDH

 

O CRDH entrevistou Bianca de Jesus, agroecóloga do CAT, para saber da perspectiva da ONG diante os trabalhados com o projeto Direitos Humanos e Justiça Socioambiental.

CRDH: Quais as atividades que o CAT executou em parceria com o DHJSA?

Bianca: O CAT contou com o CRDH para atividades relacionadas à negociação do projeto de assessoria técnica aos atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, e no acompanhamento e apoio jurídico nas comunidades quilombolas de Ilha Funda, em Periquito, e Águas Claras, em Virgolândia.

CRDH: O que os Direitos Humanos tem a ver com um projeto socioambiental?

Bianca: Os Direitos Humanos precisam ser transversais a todas as temáticas trabalhadas. Um projeto na área socioambiental traz um debate em que é preciso considerar a transdisciplinaridade,  que os espaços são compostos por pessoas e que as relações de poder existem, excluem, e retiram direitos de grupos historicamente invisibilizados. No cenário de país que estamos vivendo hoje, percebemos que todas as linhas de trabalho foram atravessadas pelas violações diversas de Direitos Humanos. Tais violações têm sido causadas por uma gama de atores: o próprio Estado Brasileiro, grandes empreendimentos e grupos que detêm maior poderio econômico. É preciso cada vez mais que tenhamos espaço para trabalhar, vincular e ampliar essa pauta.

CRDH: O que o CAT pensa sobre essa parceria?

Bianca: A presença da universidade pública na região já nos mostra o quanto tivemos avanço em muitas coisas. Para o CAT, construir parceria com o CRDH é algo muito positivo. Cada projeto construído é uma contribuição para questões específicas para as comunidades, mas isso nos trouxe, ainda, a percepção de que podemos contar com o CRDH para a construção de mais pautas e propostas sempre que necessário. Podemos dizer que é um braço da universidade pública que conseguiu chegar de forma concreta nas bases das comunidades rurais. Foi benéfico para a ONG, para as comunidades que conseguem ter acesso, bem como  para a formação de estudantes mais bem preparados para se construir um outro modelo de sociedade.

CRDH: Como você avalia a experiência de trabalhar com o DHJSA? 

Bianca: A experiência foi boa e gratificante, considerando a importância que teve para as comunidades trabalhadas, bem como para o CAT. Entendemos ainda que a relação de trabalho com projetos de extensão traz uma contribuição e um olhar mais próximo da realidade para os estudantes envolvidos, resultando em profissionais com uma outra visão mais compatível com as necessidades sociais. Isso acaba sendo significativo para comunidades, pois, em grande parte da sua história, o Direito e a Constituição pouco foram efetivados.

CRDH: Você acha importante que a UFJF tenha um Projeto de Extensão dessa natureza? Por quê? 

Bianca:  Muito importante! A Universidade Pública vem tentando cumprir grande parte de sua função social, e permitir que essa ação chegue em comunidades muitas vezes excluídas e invizibilizadas é de grande relevância. Ainda, permite que haja continuidade em processo de formação de estudantes em diálogo com a sociedade, que não frequenta ou não tem acesso aos espaços de construção da comunidade acadêmica. 

CRDH: Pessoalmente, o que você aprendeu ao trabalhar com os universitários e com as comunidades-alvo? 

Bianca:  O trabalho com essas comunidades nos ensina todos os dias. Aprendi que o simples fato das comunidades sentirem que possuem o apoio de um centro de referência de uma universidade pública, os faz sentir parte de um projeto de sociedade. Uma vez, um colaborador de nossa equipe ouviu de um agricultor que fazia uma avaliação de um ciclo de um trabalho do CAT que estava se encerrando, que ele não tinha como avaliar fazendo comparação com nada, por que na visão dele, quando a sociedade fala que os camponeses foram excluídos das políticas de Estado, não é verdade… na verdade, eles nunca tinham sido incluídos. E por muitas vezes, é assim que as pessoas se sentem. Os universitários, incluindo professores e estudantes também nos ensinam todos os dias, principalmente a ter vários olhares para as situações que encontramos, e nos ajudam a buscar respaldos jurídicos e legais nas orientações que são realizadas.