No Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, 25 de novembro, foi realizada Audiência Pública na Câmara Municipal de Governador Valadares, que teve como tema central o combate ao feminicídio no Município. O CRDH participou da atividade, representado pela professora integrante do programa, Nayara Medrado, atendendo a convite feito pelo Conselho Municipal dos Direitos da Mulher.
Participações na Audiência
A mesa foi composta pela presidente do Conselho da Mulher Tânia Storck, pela Promotora de Justiça Carla Duvanel, do Ministério Público de Minas Gerais, pela Juíza da 2ª Vara Criminal de Governador Valadares, por uma representante da Ordem dos Advogados do Brasil, por um Policial Militar que atua na Patrulha Móvel na cidade e por uma Assistente Social. Também estiveram presentes na sessão outras membras do Conselho da Mulher, representantes do CRAS e do CREAS, alguns vereadores e vereadoras, e cerca de 20 a 30 alunos e alunas adolescentes da rede pública de ensino de Governador Valadares.
O tratamento da mulher pelo Direito Penal
Em sua fala, Nayara Medrado buscou demonstrar como o Direito Penal falhou historicamente, não só não buscando proteger as mulheres das mais diversas formas de violência, como também produzindo uma tendência de sobrevitimização, afirmando uma visão conservadora de família, reforçando estigmas de gênero e dividindo as mulheres entre “honestas” e “públicas”. Posteriormente, abordou alguns momentos centrais da histórica luta feminista brasileira pelo fim da violência doméstica, buscando apontar o caminho situado entre o emprego do termo “mulher honesta”, pela legislação, até a afirmação de uma lei com nome de mulher – Lei Maria da Penha.
A legislação e a defesa da mulher: potencialidades e gargalos
A professora realizou uma abordagem criminológica e de dogmática penal sobre alguns dos pontos mais centrais e controvertidos da Lei Maria da Penha e da Lei do Feminicídio, além de analisar seus significados, seus limites e os desafios de sua implementação. Buscou também ressaltar, sobretudo, os aspectos preventivos e assistenciais escamoteados, trazidos pela Lei Maria da Penha, reforçando o quanto eles são o que a legislação tem de mais potente, mas, contraditoriamente, como demonstram pesquisas recentes, representam o maior gargalo de sua implementação. Ao receberem um volume consideravelmente menor de investimento, acabam por se tornarem menos conhecidos pela imensa maioria da população.
25 N como horizonte de força e luta
Nayara Medrado sustentou, por fim, que o 25N seja tido não apenas como um dia de luta contra a violência doméstica, mas como um dia em memória das mulheres que lutaram coletivamente pela emancipação feminina, remontando ao significado histórico da data, de luta das Mariposas contra a ditadura dominicana. Em conexão à memória histórica, Nayara encerrou fazendo referência à situação das mulheres mutiladas e estupradas pela repressão estatal chilena, à homenagem a Pinochet promovida pela Assembleia Legislativa de SP naquela mesma semana, ao novo número e novo símbolo do Partido do Presidente Bolsonaro, também anunciados naquela semana e que tanto dizem sobre autoritarismo e violência, e aos variados ataques promovidos pelo atual governo federal aos interesses das mulheres e à imagem do Movimento Feminista, defendendo que essas tantas questões macro não podem estar de fora de qualquer discussão sobre violência contra as mulheres.
O enfrentamento da violência contra a mulher na comarca de Governador Valadares
O evento contou também com a participação da Promotora de Justiça, que abordou o conceito de “espiral da violência” e os avanços e desafios no enfrentamento local da vitimização feminina, destacando o elevado volume de inquéritos e de processos, visto que a comarca engloba não apenas o município de Governador Valadares, e a inexistência de uma Promotoria Especializada na comarca e de um Juizado Especializado em violência doméstica e familiar contra a mulher, como previsto na Lei Maria da Penha. A Promotora falou também do importante trabalho da Rede Integrada de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher e no modo como essa rede tem conseguido avanços no sentido de pressionar o Poder Público e de suprir algumas das lacunas na disponibilização de serviços de acolhimento às mulheres vítimas.
Programas assistenciais
Respondendo a dúvidas do público sobre a casa-abrigo e outros serviços de assistência previstos na Lei Maria da Penha e oferecidos em Governador Valadares, a assistente social mencionou os diversos serviços concretamente existentes no município (CRAS, CREAS, Casa-abrigo, Delegacia Especializada, etc.), o seu modo de funcionamento e as instruções sobre como acioná-los. Outra assistente social enfatizou a importância, apesar da precariedade estrutural/orçamentária, do trabalho do CRAS e do CREAS, que atuam na ponta, com encaminhamento das mulheres vítimas a programas assistenciais, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida.
Iniciativas e carências no enfrentamento da violência
Foram destacadas pela vereadora Rosemary Mafra as iniciativas legislativas em matéria de afirmação de direitos das mulheres nos últimos anos no município. Ressaltou também algumas das dificuldades locais no enfrentamento à violência doméstica, em especial a ausência da nominação de “feminicídio” nos registros de uma série de ocorrências que se enquadram na definição legal, o que dificulta a produção de dados. Ela enfatizou a necessidade de avançar, sobretudo no aumento da repressão penal à violência doméstica. Algumas outras pessoas ressaltaram a precária capacitação dos agentes públicos responsáveis pelo atendimento às mulheres vítimas de violência e a inexistência de estrutura física adequada para um atendimento inicial e encaminhamento das medidas assistenciais.
Tânia Storck, presidente do Conselho, encerrou a Audiência reconhecendo vários dos desafios listados e esclarecendo sobre algumas conquistas da Rede de Enfrentamento, inclusive a negociação de locais para melhor atendimento inicial às mulheres vítimas de violência. Finalizou lembrando do projeto de lei, de iniciativa do Conselho em tramitação naquela Câmara Municipal, que visa oficializar o dia 25 de novembro como data do enfrentamento ao feminicídio em Governador Valadares, e divulgando outros eventos relacionados aos 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher.
A experiência da participação
Uma representante do Conselho da Mulher observou que a maioria das estudantes presentes apresentavam sinais de entusiasmo ao final da palestra, enquanto alguns dos alunos que assistiam demonstravam desconforto e sinais de reprovação. Isso foi avaliado de forma positiva por ela, que é mãe de uma estudante adolescente que busca afirmar uma postura feminista diante dos colegas e da escola e frequentemente não se vê apoiada pela instituição, além de ser constantemente alvo de bullying pelos colegas homens. Para ela, enquanto as meninas saíram encorajadas, o incômodo dos meninos demonstrava constrangimento, que pode ser um passo inicial importante para mudanças.
Na avaliação da professora Nayara, a Audiência Pública foi “uma oportunidade interessante de articulação entre as pessoas e as entidades que compõem a Rede de Enfrentamento à Violência contra a mulher em Governador Valadares. Foi um momento de fazer um saldo das ações e de pensar conjuntamente os desafios”. Sobre a participação do CRDH, representada por ela, afirmou que “o CRDH teve o maior espaço de fala da Audiência, e contribuiu tanto para situar a especificidade de Governador Valadares dentro de um quadro mais geral da violência doméstica no Brasil e no mundo, quanto para trazer como provocação a necessidade de pensar a violência doméstica contra a mulher sempre em meio a uma conjuntura mais ampla, sociohistórica e políticoeconômica.”