Por Renato Santos Gonçalves (professor do CRDH da UFJF-GV) e Lucas Salgado da Costa (UnB)
A pandemia COVID-19, a necessidade de isolamento social e todas as suas reverberações sociais, culturais e políticas acentuaram e tornaram mais evidentes as crises e contradições do sistema capitalista.
A decadência econômica, social e moral (lembrando que moral é diferente de moralismo), as prevalentes iniquidades demandam mudanças e novas alternativas, que rompam com esse sistema e também com as alternativas tradicionais, que não conseguem se desvincular do desenvolvimentismo em direção única. Diante do impasse, do esgotamento e das limitações de modelos, resgatamos o clássico questionamento: o que fazer?
Apresentamos nesse contexto, como resposta, a proposta do Bem Viver: “um ponto de partida, caminho e horizonte para desconstruir a matriz colonial que desconhece a diversidade cultural, ecológica e política. Nesta linha de reflexão, a proposta do Bem Viver critica o Estado monocultural, a deterioração da qualidade de vida materializada em crises econômicas e ambientais, a economia capitalista de mercado, a perda de soberania em todos os âmbitos, a marginalização, a descriminalização, a pobreza, as deploráveis condições de vida da maioria da população, as iniquidades. Igualmente, questiona visões ideológicas que se nutrem das matrizes coloniais do extrativismo e da evangelização imposta a sangue e fogo.” (ACOSTA, Alberto, O Bem Viver, p. 83)
O Bem Viver se projeta como um paradigma civilizatório diferente do atual. A partir do que é apresentado por Alberto Acosta, economista equatoriano, o Bem Viver (Sumak Kawsay) se fundamenta na cosmovisão dos povos andinos, adquirindo cada vez mais relevância fora dos limites territoriais de seu nascimento. Fundamenta-se no abandono de visões antropocêntricas rumo à visões sociobiocêntricas, refletindo assim perspectivas revolucionárias no que tange à política, economia e organização social que são conquistadas nesse trajeto.
Diferente da concepção de viver bem, típica da sociedade de consumo, consequência da acumulação, o Bem Viver é baseado na reciprocidade, solidariedade e relação equilibrada com a Pachamama (Mãe Terra). De origem andina, tem forte identificação com a cultura amazônica (teko porã guarani) e com o Ubuntu (“eu sou porque nós somos”) africano, sem prejuízo de outras culturas tradicionais nativas.
Se tornou mais conhecido a partir da constituinte do Equador, de 2008, reconhece a Natureza/Mãe Terra como titular de Direitos, e portanto não mais como objeto submetido à vontade humana, dentro da lógica de exploratória que fundamenta o sistema capitalista. O texto também apresenta como objetivo “uma nova forma de convivência cidadã, em diversidade e harmonia com a natureza.”
Importante percebermos que a proposta política não é um retorno a um tempo ancestral imemorial, mas que, a partir dessas referências, novas formas de se organizar a sociedade sejam fundadas e continuamente construídas. Longe de ser uma abstração impraticável de comunidades nativas e tradicionais, o Bem Viver “está no fazer solidário do povo, nos mutirões em vilas, favelas ou comunidades rurais e na minga ou mika andina. Está presente na roda de samba, na roda de capoeira, no jongo, nas cirandas e no candomblé. Está na Carta Encíclica Laudato Si’ do Santo Padre Francisco sobre o Cuidado da Casa Comum” (ACOSTA, Alberto, O Bem Viver, p. 14)
Kuate leno leno mahote, hayano, hayano, hayano
Estamos pondo as sementes na Terra; estão brotando, estão brotando, estão brotando
Livros
ACOSTA A. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Tradução de Tadeu Breda. São Paulo: Autonomia Literária/Elefante, 2016.
KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2019.
KRENAK, A. O amanhã não está a venda. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2020.
JECUPÉ, K. W. A Terra dos Mil Povos: história indígena brasileira contada por um índio. Petrópolis: Ed. Fundação Petrópolis, 2a ed. 1988.
Artigos
ALCANTARA, L. C. S., SAMPAIO, C.A.C. Bem Viver como paradigma de desenvolvimento: utopia ou alternativa possível? .Desenvolv. Meio Ambiente, v. 40, p. 231-251, abril 2017.
ALCANTARA, L.C.S., SAMPAIO, C.A.C. Bem viver: uma perspectiva (des)colonial das comunidades indígenas. Revista Rupturas, vol. 7.,n.2, San Pedro de Montes de Oca. Jul/Dec. 2017.
COSTA, A.M., KUHN, D.D. Bien Vivir/Buen Viver/Bem Viver: uma proposta de pós-desenvolvimento nas Epistemologias do Sul. Revista IDeAS, v. 11, n. 1-2, p. 34-66, 2017 [publicado em agosto de 2019].
FREIRE, R.L., FEITOSA, S.F. Bem Viver: Projeto U-tópico e De-colonial. Interritórios. Revista de Educação Universidade Federal de Pernambuco Caruaru, BRASIL, v.1, n.1 [2015]
GUDYNAS, E. Bem Viver: germinando alternativas ao desenvolvimento. Disponível em https://www.mobilizadores.org.br/wp-content/uploads/2014/05/bem-viver_-germinando-alternativas-ao-desenvolvimento.pdf. Acesso em 25/07/2020, 17h41m.
QUIJANO OBREGÓN, A. (2013). Bem viver: entre o “desenvolvimento” e a “des/colonialidade” do poder. Revista Da Faculdade De Direito Da UFG, 37(01), 46-57.
SANTOS, M.C.R.C.F. O Constitucionalismo Pluralista do Bem Viver:a reação latino-americana ao paradoxo do desenvolvimento. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas v.12 n.1 2018.
SEZYSHTA, A.J. O Bem Viver e outros mundos possíveis.Argumentos,, ano 10, n. 19 – Fortaleza, jan./jun. 2018
Músicas
Canción con todos (Armando Tejada Gomez/Cesar Isella), por Mercedes Sosa.
Clamor da Terra – Música de Rezo (Rica Silva), por Rica Silva.
Por un mundo nuevo (Gonzalo Hermosa), por Kjarkas
O cio da Terra (Chico Buarque/Milton Nascimento), por Milton Nascimento e Pena Branca & Xavantinho
Cuando tenga la tierra (Daniel Toro/Ariel Petrocelli), por Mercedes Sosa
Antigos dueños de las flechas (Felix Luna/Ariel Ramirez), por Mercedes Sosa.
Vídeos no YouTube
Rigoberta Menchú: Hacia una vida en plenitud
Bem Viver – um novo caminho
Em busca do Bem Viver
Ailton Krenak e o sonho da pedra
Canal no YouTube
Bem Vivendo – por Thiago Ávila
Sites
Filosofia del Buen Vivir –
https://filosofiadelbuenvivir.com/buen-vivir-2/blog/
Tupi Vivo –