1 – País é 3º em projetos de corte de CO2
2 – Governo cede áreas protegidas
3 – Recém-achadas, aranhas já são contrabandeadas
1 – País é 3º em projetos de corte de CO2
Brasil está atrás da China e da Índia no uso de mecanismos do Protocolo de Kyoto para redução de gases-estufa
Afra Balazina escreve para “O Estado de SP”:
O Brasil é o terceiro país do mundo em número total de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), atrás somente da China e da Índia. Os projetos são uma forma de reduzir as emissões de gases do efeito estufa, que provocam o aquecimento global, em países em desenvolvimento.
O corte de emissões ocorre, por exemplo, com a implantação de tecnologias mais limpas ou a substituição de combustível poluente por outro menos sujo.
Os projetos fazem parte dos mecanismos de flexibilização previstos pelo Protocolo de Kyoto para que os países industrializados atinjam suas metas de redução de emissões de gases do efeito estufa e para que nações emergentes sejam incentivadas a serem mais sustentáveis.
Isso ocorre porque a diminuição das emissões pelos projetos gera a Redução Certificada de Emissões (RCE), espécie de títulos que podem ser comercializados no mercado global. Como os países industrializados precisam cortar cerca de 5% de suas emissões de gases-estufa até 2012, eles podem adquirir esses títulos para auxiliar no cumprimento de suas metas.
Até agora, existem 5.430 projetos de MDL no mundo. Desse total, o Brasil responde por 417 (8%). A China e a Índia estão na frente, com 37% e 27%, respectivamente. E, atrás do Brasil, estão México (4%) e Malásia (3%).
Em relação ao potencial de redução de emissão com os projetos, o Brasil também é o terceiro (6%). A China tem sozinha quase metade dos cortes de gases-estufa (48%). Segundo José Miguez, coordenador-geral de Mudanças Globais de Clima do Ministério da Ciência e Tecnologia, isso ocorre porque os chineses usam muito carvão em sua indústria e para produção de energia, e sua substituição reduz as emissões.
O potencial dos projetos brasileiros totaliza uma redução de emissão de 367 milhões de toneladas de gases-estufa para um período médio de sete anos e pode ser comparado às emissões do desmatamento do cerrado em um ano (350 milhões de toneladas de carbono, segundo o Ministério do Meio Ambiente).
Indústria química
Foi principalmente por meio de projetos de MDL que a indústria química conseguiu reduzir suas emissões de gases-estufa nos últimos anos no país. Dados da Associação Brasileira da Indústria Química mostram que só as emissões de óxido nitroso (N2O) passaram de 20,7 mil toneladas em 2002 para 3,1 mil toneladas em 2007. E as emissões de gases-estufa caíram de 8,2 bilhões de toneladas para 3,2 bilhões de toneladas no mesmo período.
Os projetos de MDL mais comuns no Brasil estão na área de energia renovável (48,9%). Em segundo lugar, está a suinocultura (16%), com o tratamento de dejetos suínos e reaproveitamento de biogás. Depois, aparece a troca de combustível fóssil (10%) e a captura de gás em aterro sanitário (9%) – caso do aterro Bandeirantes, em São Paulo.
Segundo Flavio Rufino Gazani, presidente da Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Carbono, a energia renovável lidera a lista por causa dos projetos de geração de energia pela queima do bagaço da cana-de-açúcar e de Pequenas Centrais Hidrelétricas.
As áreas de eficiência energética e florestal têm grande potencial de crescimento no Brasil, segundo Gazani. Na primeira, o projeto pode fazer a redução do consumo de energia numa indústria, com a troca de equipamentos ou a automatização. No setor florestal há novos projetos, como o de plantar “florestas energéticas” – eucalipto que pode ser usado depois para fazer carvão vegetal.
(A repórter viajou a convite da Convenção do Clima da ONU)
(O Estado de SP, 13/10)
2 – Governo cede áreas protegidas
Índios, posseiros e fazendeiros ficarão com partes de florestas e parques nacionais
O governo está disposto a abrir mão de uma área de 2.907.976 hectares em nove unidades de conservação espalhadas pelo Brasil. Essas terras, atualmente objeto de disputa, serão cedidas a posseiros, índios ou fazendeiros. Outra parte será afetada pela construção de hidrelétricas. Algumas já estão degradadas.
Dessas nove unidades de conservação, sete ficarão menores e duas terão as perdas compensadas com ampliação da área em regiões limites, que ainda estão preservadas. A lista de áreas que serão revistas inclui ainda outras duas unidades que não sofrerão cortes. Pelo contrário, serão ampliadas para preservar a vegetação local.
No total, haverá um acréscimo de 330.666 hectares. As negociações para alteração das áreas passam por audiências públicas e terminam com a aprovação do Congresso, com o aval do presidente da República.
Uma das áreas em litígio fica em Rondônia. No intricado acordo já fechado entre a União e o estado sobre a Floresta Nacional (Flona) de Bom Futuro, o governo federal perderá 61,8% da unidade (168.000 hectares).
Mas o estado repassará à União uma outra área, separada da Flona, de 180.000 hectares. Essas terras virarão sítios de proteção integral.
Escolas e igrejas em área desmatada
A floresta vem sendo ocupada há décadas por posseiros, que lá criam cerca de 35.000 cabeças de gado. Eles desmataram boa parte da região para abrir espaço para gado e dezenas de casas, 18 escolas e 14 igrejas. Estima-se que 3.500 pessoas morem ali.
– Apesar de a redução da área das unidades de conservação parecer um dado negativo à conservação ambiental, para gestão pode ser algo positivo. Reduz o conflito e corrige erros que eventualmente aconteceram no ato de criação – disse Juliana Fukuda, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente.
O caso mais emblemático, pelo tamanho da área em questão, é a Floresta Nacional de Roraima, que perderá 93,7% de seu território para os índios ianomâmi. Criada em 1965, a unidade tinha a maior parte de suas terras sobrepostas à reserva dos índios.
Entendendo que os direitos dos povos tradicionais devem prevalecer, o governo cedeu 2,4 milhões de hectares, dos 2,6 milhões de hectares anteriormente dentro dos limites da Flona, para os cerca de 9.500 ianomâmis que vivem no local. O texto que faz a alteração está pronto para ser sancionado pelo presidente Lula.
Meta é conservar 10% do país
Segundo o Código Florestal Brasileiro, terra indígena é área de preservação permanente. Para o presidente do ICMBio, Rômulo Mello, a floresta estará mais protegida desta forma.
– A Flona de Roraima é um caso interessante de avaliar, porque estamos revendo o limite de uma unidade, mas estamos ampliando a conservação sobre a área. Ao deixar de ser Flona, ela passa a ser conservada pela legislação indígena, que é hoje mais restritiva que a de uma floresta nacional. O equívoco foi colocar uma unidade de conservação em sobreposição a uma área indígena – disse Rômulo Mello.
Na região da BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA) e cujo asfaltamento está incluído no PAC, duas unidades de conservação perderão área, por conta de invasões aceleradas pela chegada da estrada.
Situada no município de Novo Progresso (PA), um dos campeões do desmatamento da Amazônia, a Flona de Jamanxim terá subtraídos 40.000 hectares em prol de posseiros que se apropriaram de lotes e os cobriram de pastagens que alimentam criações bovinas.
Mais ao sul do estado, a Reserva Biológica da Serra do Cachimbo também deverá perder em território e em proteção. O governo está disposto a abrir mão da classificação de reserva, que é uma das categorias mais restritivas de unidade de conservação, na qual não é permitida nem mesmo a entrada de visitantes, para transformá-la num parque nacional de 162.306 hectares e uma Área de Proteção Ambiental (APA) de 178.386 ha. No processo, a reserva perderá 1.785 hectares e permitirá, onde for APA, alguns tipos de exploração.
Na Bahia, interesses econômicos ganharam a queda de braço contra a conservação. A Reserva Extrativista (Resex) Marinha da Baía de Iguape vai perder 621 hectares para que a Petrobras mantenha um estaleiro que tinha metade do empreendimento irregularmente dentro da área. Com a brecha, o governo do estado estuda instalar ali um polo naval. Em contrapartida, a reserva ganhará uma pequena área (86 hectares) a leste da unidade e outra, de 310 hectares, ao norte. Entrou no lençol de proteção da unidade um mangue que originalmente estava descoberto.
Atualmente, existem 304 unidades de conservação no Brasil. Essas áreas somam cerca de 78 milhões de hectares e correspondem a 8,3% do território nacional. O ICMBio pretende criar mais 300 áreas de proteção e atingir a meta de conservar 10% do país.
Segundo o órgão do governo responsável pela gestão das unidades, 25 delas estão em processo de ampliação. Se tudo der certo, o país ganhará 1.073.815 hectares a mais de áreas protegidas.
– Nosso trabalho é de buscar ampliar a conservação e incorporar mais áreas. Temos um mapa de maior interesse da biodiversidade e é isso que guia nosso trabalho. Criar uma UC é atividade que requer tempo e esforço hercúleo de convencimento de que aquelas áreas merecem ser protegidas. Muitas foram criadas onde há interesses de mineração, de energia e de agricultura – apontou Mello.
(Catarina Alencastro)
Minc justifica cessão de área protegida.
O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, defendeu ontem a ação pela qual o governo abre mão de quase três milhões de hectares em nove unidades de conservação no país em favor de índios, posseiros e fazendeiros, ou até para viabilizar a implantação de obras de infraestrutura. Para o ministro, a cessão, em alguns casos, não representará qualquer prejuízo para o meio ambiente.
Seria o caso da Floresta Nacional (Flona) de Roraima, que passará 93,7% de seu território, uma área de 2,4 milhões de hectares, aos ianomâmi:
– No caso de Roraima, o prejuízo ambiental é zero. Na verdade essa Flona era irregular, foi criada em área indígena.
Ministro lembra ter protegido 6,2 milhões hectares
Em outros casos, Minc admite que o governo pagará o preço de sua omissão, assim como de seus antecessores. Isso porque algumas das reservas só existia no papel, o que possibilitou que parte delas fosse totalmente desmatada. Foi o que aconteceu com a Floresta Nacional de Bom Futuro, no município de Porto Velho (RO), ocupada nos últimos dez anos por posseiros.
Atualmente, parte dessa área abriga 35 mil cabeças de gado, uma população de quase quatro mil pessoas, 18 escolas e 14 igrejas. A União está disposta a abrir mão de 61,8% da área da reserva, o que representa 168 mil hectares. Para compensar, o estado de Rondônia cederá uma outra área de 180 mil hectares para proteção ambiental.
– Propus um acordo que proibiu a entrada de novas cabeças de gado e a saída diária de 25 a 30 caminhões de madeira. Foi uma operação negociada por seis meses, que teve o apoio de três bases do Exército na região – explicou Minc.
O ministro admitiu ainda concessões para viabilizar obras de infraestrutura para o país:
– Se uma hidrelétrica afetar a Flona, não tem conversa. Mas, se o impacto não for grande, e a área cedida para a obra for compensada, vale a pena.
Minc ressaltou que, desde que assumiu o cargo, criou 6,2 milhões hectares de áreas protegidas. Até o fim do governo Lula, pretende ampliar essa área em 4 milhões de hectares.
(Adriana Vasconcelos)
(O Globo, 12/10 e 13/10)
3 – Recém-achadas, aranhas já são contrabandeadas
Pet shops virtuais vendem espécies antes da ciência identificá-las
Alexandre Gonçalves escreve para “O Estado de SP”:
Pesquisadores do Instituto Butantan publicaram no mês passado um artigo que descreve três aranhas caranguejeiras da Mata Atlântica – duas novas espécies e uma velha conhecida, sumida há décadas e reencontrada recentemente. Antes mesmo de serem catalogadas pelos cientistas, pelo menos duas delas já foram contrabandeadas e vendidas em pet shops virtuais na Europa.
O crime motivou os pesquisadores a acrescentar um anexo pouco usual ao trabalho divulgado na revista científica ZooTaxa: um apêndice com fotos e informações para funcionários de alfândegas e órgãos de policiamento ambiental. A iniciativa fez sucesso e o artigo foi o mais acessado no site da revista durante o mês de setembro: 8.149 downloads.
Os biólogos Rogério Bertani e Carolina Sayuri Fukushima encontraram as aranhas no sul da Bahia durante uma pesquisa de campo financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
A Avicularia diversipes já havia sido descrita em 1842, mas desaparecera nos raros remanescentes de Mata Atlântica do Nordeste. Os dois pesquisadores reencontraram um exemplar entre as folhas da floresta.
Bertani solicitou a um museu de Berlim o envio do espécime que baseara a descrição em 1842. O corpo da caranguejeira morta há mais de um século ainda mantinha o brilho azulado das patas: exatamente como a aranha recém-coletada.
Internet
A alegria só não foi maior porque os cientistas logo perceberam que não precisavam passar vários dias na mata para realizar a redescoberta. Bastaria navegar na internet. Contrabandistas já abasteciam pet shops no Velho Mundo com a caranguejeira. O preço de uma aranha desse tipo costuma variar de R$ 75 a R$ 90.
Uma das novas espécies descritas no artigo – a Avicularia sooretama – também entrou no circuito do tráfico internacional de animais. Durante uma viagem por museus de história natural na Europa, Carolina descobriu que a caranguejeira recém-descoberta já estava à venda do outro lado do mundo.
Mas as aranhas brasileiras não atraem só a cobiça de adolescentes que procuram bichos de estimação pouco usuais. Farmacêuticas têm grande interesse nos animais, sem falar na indústria química e nos laboratórios de cosméticos (mais informações nesta página).
“De um modo geral, os animais mais procurados são aqueles com veneno”, aponta Bruno Barbosa, coordenador da Divisão de Fiscalização do Acesso ao Patrimônio Genético do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Ele explica que as toxinas costumam ser ótimas candidatas para novos princípios ativos de fármacos.
Remédios
“Estima-se que 40% dos remédios são fruto de pesquisa biotecnológica. O Brasil contém 20% das espécies do planeta”, calcula Barbosa. “Não é difícil intuir o valor do patrimônio genético nacional.”
Para Bertani, a vida nas grandes corporações fica cada vez mais fácil. “Não precisam mais vir até aqui e embrenhar-se na mata: basta visitar uma loja de animais do outro lado da rua”, ironiza.
Barbosa defende um levantamento amplo de todos os produtos biotecnológicos patenteados lá fora que usaram biodiversidade brasileira. Esse seria o primeiro passo para o país exigir uma compensação econômica e tecnológica em função do uso do material.
“O dinheiro obtido com a fauna e a flora brasileiras deve retornar ao país para ser reinvestido em novos projetos de pesquisa”, opina Robert Raven, editor da ZooTaxa e curador do Museu Queensland, localizado na Austrália.
Espécie chilena inspirou droga contra arritmia
Uma caranguejeira de reflexos rosados, originária dos Andes chilenos, conquistou as lojas de animais nos Estados Unidos. Tornou-se tão comum que custa apenas US$ 1.
Atenta às oportunidades, a indústria farmacêutica americana fez fortuna com a aranha: identificou no veneno uma droga eficaz contra a arritmia. Os chilenos nunca receberam um centavo.
O exemplo é citado pelo biólogo Pedro Ismael da Silva Junior, do Laboratório de Toxinologia Aplicada do Butantan. Ele também procura remédios nos venenos. “A solução é investir mais em pesquisas para os frutos da biodiversidade ficarem aqui”, pondera.
(O Estado de SP, 12/10).