1 – Pesquisa ratifica previsão de subida do nível médio do mar
2 – Brasil passa longe de patente antártica
1 – Pesquisa ratifica previsão de subida do nível médio do mar
Modelo matemático foi publicado na revista “Nature Geoscience”
Um modelo matemático independente, apresentado ontem por meio de um artigo científico na revista “Nature Geoscience”, mostra que o nível médio do mar vai subir entre 7 e 82 centímetros até 2100, por causa das mudanças climáticas globais.
Os dados praticamente coincidem com as previsões feitas pelo IPCC, o painel do clima da ONU (Organização das Nações Unidas).
O estudo realizado por Mark Siddall (Observatório da Terra Lamont Doherty, EUA) e colaboradores é baseado nas oscilações do nível médio do mar ao longo dos últimos 22 mil anos. A metodologia utilizada na pesquisa é diferente da empregada pelo IPCC, que não analisou um mesmo intervalo tão grande de tempo.
Pelos dados do painel internacional, a subida média do nível do mar ficará entre 18 e 59 centímetros. Essa alteração está atrelada a uma subida nos termômetros do planeta de 1 a 6oC.
Dados divulgados no início deste ano mostram que a velocidade de subida do nível do mar, entre 1993 e 2008, foi quase o dobro daquela verificada na maior parte do século 20. Esses resultados não saíram de modelos, mas de medições reais.
O grupo que fez essas análises calcula que, até 2100, também por causa do aquecimento global, a linha d’água oceânica estará até 1,80 metro mais alta.
(Folha de SP, 27/7)
2 – Brasil passa longe de patente antártica
Pesquisadores isolam microrganismos com potencial de aplicação comercial, mas falham em atrair interesse da indústria. Micróbios polares testados podem gerar desde protetor solar até catalisadores
Claudio Angelo escreve para a “Folha de SP”:
Era uma vez uma cultura de bactérias. Os micróbios foram coletados por um grupo de pesquisadores brasileiros na Antártida. Como se mostravam eficazes em bloquear luz ultravioleta, os cientistas acharam que eles pudessem virar a base de um novo filtro solar. Entregaram as bactérias a uma empresa nacional, que se interessou por desenvolvê-lo. Mas aí o gerente da empresa foi demitido e a cepa foi jogada fora.
Terminou assim, na lata do lixo, a história daquilo que poderia ter sido a primeira patente brasileira de um produto derivado da biodiversidade antártica. Há quase 30 anos pesquisando no continente, o país nunca logrou atrair o interesse da indústria para o potencial de aplicação dessas criaturas.
As condições extremas que os seres antárticos precisam encarar fizeram com que eles desenvolvessem adaptações evolutivas potencialmente interessantes para a indústria.
O grupo francês de cosméticos Clarins, por exemplo, utiliza uma alga antártica num creme antirrugas. A Unilever patenteou um espessante à base de uma proteína anticongelante de bactéria polar para manter sorvetes macios.
A empresa farmacêutica neozelandesa ZyGEM obteve de uma bactéria antártica um composto que extrai DNA de amostras pequenas, de grande potencial em biotecnologia. E proteínas de peixes antárticos já são comercializadas pela companhia canadense-americana A/F Protein Inc. para preservar materiais biológicos – em cirurgias de transplante, por exemplo.
O Japão e os EUA são os líderes na corrida da bioprospecção (“garimpagem” biológica) antártica, mas países como Coreia do Sul, Chile, China e Índia também estão no páreo. O Brasil não integra essa lista.
“Quanto o Brasil já gastou em bioprospecção? Todo mundo no país tem coleções de organismos com propriedades interessantes, mas não tem indústria que venha bancar depois o desenvolvimento de produtos”, queixa-se a microbiologista Vivian Pellizari, do Instituto Oceanográfico da USP.
Há uma década pesquisando a microbiota da Antártida, Pellizari e seus colegas já encontraram de tudo: micróbios capazes de degradar petróleo, bactérias pigmentadas resistentes a ultravioleta e até mesmo bactérias com “ímãs” embutidos, de potencial interesse para a indústria eletrônica.
Foi ela quem entregou à empresa brasileira a promissora cepa de micróbios que poderia ter virado um novo protetor solar – mas que tornou-se, no final, mais um caso exemplar de como a inovação tecnológica não decola no Brasil.
Banco de micróbios
Impulsionados pelo Ano Polar Internacional, encerrado neste ano, Pellizari e seus colegas resolveram fazer um esforço conjunto para atrair o setor privado. Em setembro, eles inauguram um banco de microrganismos antárticos dentro da CBMAI, uma coleção de microrganismos de interesse para o ambiente e a indústria que funciona na Unicamp.
Trata-se de um depósito climatizado onde os micróbios são criados em tubinhos, já pré-selecionados de acordo com sua atividade.
Entre as candidatas a integrarem o banco estão duas bactérias estudadas pelo químico Leandro Andrade, também da USP. Ele vasculha o solo polar em busca de enzimas catalíticas, ou seja, capazes de acelerar reações químicas.
Uma dessas reações é a conversão de álcool em cetona, usada na fabricação de medicamentos. Substâncias em uso hoje catalisam-na sob temperaturas altas – de até 40C. Os micróbios antárticos mantidos por Andrade em uma geladeira em seu laboratório fazem o trabalho à temperatura ambiente.
“Você economiza 20oC”, diz o cientista. Como energia é dinheiro, ele diz acreditar que suas enzimas catalisadoras serão um sucesso comercial. Isso daqui a dois anos pelo menos, quando ele tiver isolado as enzimas e desenvolvido um processo patenteável (organismos não podem ser patenteados) para mostrar a uma empresa.
“Se eu quiser que um industrial venha, eu preciso entregar a receita pronta”, conforma-se, emendando que o Brasil é o único país que ele conhece onde o ônus da pesquisa e desenvolvimento de produtos ficam com a universidade. “Mas o Brasil está avançando, vai ficar bom”, anima-se. “Em uns 20 ou 30 anos.”
Se a situação de quem quer produzir riqueza a partir de biodiversidade antártica é ruim, a de quem trabalha com bioprospecção de biota nacional não é muito melhor.
Em seis anos desde sua criação a CBMAI até hoje não teve nenhum produto desenvolvido a partir de um dos 1.014 fungos, leveduras e bactérias nela depositados.
“O desenvolvimento de produtos no Brasil está travado por causa da legislação atual sobre coleta, acesso e remessa de material genético [Medida Provisória 2.106, de 2001], que é extremamente cartorial”, disse à Folha a curadora da coleção, Lara Durães Sette.
O Ministério do Meio Ambiente, que regulamenta esse acesso, defende-se dizendo que houve “avanços consideráveis” na regulamentação da MP. O último foi uma orientação técnica expedida em 2008 que, segundo o MMA, mudou a classificação de pesquisas de bioprospecção, acelerando a concessão de autorizações.
Brasileiros revelam diversidade oculta do micromundo polar
Em suas primeiras expedições à Antártida, no fim da década passada, Vivian Pellizari e seus colegas não tinham a menor ideia de que tipo de diversidade se escondia no solo escuro das ilhas Shetlands do Sul, onde o Brasil faz pesquisa. A estratégia era coletar uma amostra de sujeira e sequenciar todo o DNA que estivesse presente nela para ver no que dava.
Deu em muita coisa. Os pesquisadores hoje sabem que tipo de microrganismo vive em que tipo de ambiente na região e conhecem até mesmo as bactérias que habitam os locais mais improváveis – como o próprio polo Sul geográfico.
Uma das surpresas da pesquisa foi o isolamento das chamadas bactérias magnetotáticas. Essas criaturas bizarras são capazes de sintetizar cristais magnéticos, que elas usam para se orientar, migrando ao longo da coluna d’água sempre para locais com pouco oxigênio.
Esses micróbios nunca haviam sido descobertos em amostras colhidas na Antártida porque sempre morrem ao chegar em laboratório. O feito coube a Ulysses Casado Lins, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que descobriu uma maneira de isolá-las “in loco” usando uma pipeta com um ímã na ponta. Há quem proponha aplicá-las como agentes de contraste para ressonância magnética ou tentar imitar na indústria a maneira como elas sintetizam seus nanoímãs.
Rubens Duarte, aluno de Pellizari na USP, estuda o impacto do recuo das geleiras da península Antártica sobre a diversidade microbiana do solo.
Coletando amostras ao longo de uma faixa de 500 metros do que antes era a geleira Baranowski – que recua 18 metros por ano -, Duarte vem descobrindo que as comunidades de microrganismos do solo mudaram bastante à medida que o glaciar retraiu. Quanto mais longe da frente da geleira, maior a atividade de bactérias que respiram oxigênio (e eliminam gás carbônico).
“A ideia é usar a sucessão de espécies como um índice a mais de impacto ambiental”, diz.
(Folha de SP, 26/7)