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35º Informativo – Fuligens, Itatiaia, tatus e Deus

1 – Fuligem responde por um terço do aquecimento global

2 – União estuda reduzir parque do Itatiaia

3 – Tatus gigantes

4 – Será Deus um matemático?

 

1 – Fuligem responde por um terço do aquecimento global

Carbono particulado que sai dos escapamentos dos carros e da fumaça das queimadas ganha peso no debate climático. Papel de poluente no clima era incerto; São Paulo emite mais fuligem por ano do que todas as queimadas da Amazônia, estima cientista

Eduardo Geraque escreve para a Folha de SP:
A fuligem que sai dos escapamentos, das usinas termelétricas e das queimadas florestais responde por aproximadamente um terço do aquecimento global líquido. Amenizar o calor que ameaça ecossistemas e a biodiversidade, portanto, pode ser mais fácil e mais barato do que se imagina, afirmam pesquisadores. Novas estimativas, feitas por vários grupos de pesquisa, estimam a importância de controlar o chamado carbono negro, fruto de qualquer processo de combustão. A fuligem integra a classe dos aerossóis, partículas cujo papel no aquecimento e no resfriamento do planeta durante o século 20 é uma das principais incertezas do relatório do IPCC, o painel do clima da ONU. Agora os pesquisadores começam a diminuir essa incerteza. “Em São Paulo, a maior fonte desse poluente é a frota de ônibus a diesel”, diz Paulo Artaxo, físico da USP (Universidade de São Paulo), e membro do IPCC. Nas contas feitas pela equipe do cientista, a capital paulista tem 20 vezes mais carbono negro em suspensão na sua atmosfera do que a Amazônia, com todas as suas queimadas. “Retirar esse tipo de carbono é bom para o clima e para a saúde das pessoas.” O que reforça a importância, diz Artaxo, de que exista vontade política para começar a melhorar o ar dos grandes centros urbanos.
Duas vezes mais rápido
Segundo o engenheiro ambiental Mark Jacobson, da Universidade Stanford (EUA), o controle do carbono negro, em uma década, pode frear o aquecimento global até duas vezes mais rápido do que a redução do gás carbônico. Mas essa redução, ressalta, será apenas temporária se não vier acompanhada de um corte efetivo nas emissões de CO2. Este, no longo prazo, continua sendo o maior responsável pelo aquecimento global. Mas o carbono negro é o segundo, um pouco à frente do metano. “A redução da fuligem sozinha pode eliminar um terço do aquecimento global líquido”, afirmou Jacobson à Folha. O carbono negro também tem um efeito resfriador, pois ajuda a “semear” nuvens, que refletem a radiação para o espaço. Em 2007, o pesquisador apresentou um plano ousado ao Congresso dos EUA. Pelas contas do cientista, é teoricamente factível construir e instalar 122 mil turbinas eólicas para movimentar toda a frota veicular do país por eletricidade. O esforço, no entanto, demandaria “apenas” trocar toda a frota americana por veículos elétricos a hidrogênio. Essa ação, diz Jacobson, reduziria em aproximadamente 7% ao ano o impacto antrópico (causado por atividades humanas) sobre o aquecimento global. O cientista, claro, não calculou custos nem deu prazo para a troca. No caso brasileiro, diz Artaxo, nem mesmo o carro a álcool está livre de emitir fuligem sufocante. “Toda combustão lança carbono negro no ar. O motor a álcool emite menos. O carro a gasolina, dez vezes mais, e o a diesel, cem vezes mais do que o a gasolina”, diz o físico. Valores mais precisos dependem do tipo exato de veículo e o combustível colocado para encher o tanque. Enquanto os cientistas refinam o impacto global do carbono negro, no Ártico, os dados estão mais consolidados. Estudo da Nasa publicado em abril, na revista “Nature Geoscience”, mostra que o poluente respondeu por 50% do aquecimento entre 1890 e 2007. Nesse período, os termômetros subiram, em média, 1,9C naquela região. Na neve está o outro efeito perverso do carbono negro. A fuligem negra sobre ela também absorve calor, acelerando o derretimento do gelo.
(Folha de SP, 9/5)

 

2 – União estuda reduzir parque do Itatiaia

Proprietários de casas dentro de unidade de conservação pedem ao governo para abrir mão de área de 1.300 hectares; Prefeito é dono de casa e hotel dentro de território em disputa

Afra Balazina escreve para a Folha de SP;

O primeiro parque nacional do Brasil -o Itatiaia, no Rio de Janeiro- pode ter sua área reduzida caso a proposta lançada por um grupo de proprietários de casas na região seja aceita. A decisão cabe ao governo federal. Se a sugestão for aceita, o parque de 30 mil hectares pode perder 1.300 hectares -uma porcentagem pequena, mas que concentra boa parte das belezas naturais que atraem cientistas e turistas ao local. A decisão não deve demorar a sair. O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, realizou um estudo técnico sobre a questão fundiária na região, problema que atormenta governos desde a criação do parque, em 1937. O conteúdo do documento, ainda não divulgado, será apresentado ao ministro Carlos Minc para que ele determine o que deve ser feito. Existem 80 terrenos particulares com casas dentro do parque (além de terrenos sem construções) e mais cinco hotéis. Donos de casas de veraneio, moradores da área e proprietários dos hotéis solicitam que a maior parte do local conhecido como parte baixa do parque, ao sul, deixe de integrar a unidade de conservação. Eles pedem que 1.300 hectares sejam cortados da área, que possui, 1.510 hectares. Pela proposta, a parte baixa se tornaria “monumento natural” tipo de unidade de conservação mais permissiva, que pode abrigar propriedades particulares. Quando o parque foi criado, havia moradores na área, que pertencia a um ex-núcleo colonial. Os habitantes não foram indenizados e, por isso, continuaram por ali. O problema se agravou com o tempo, já que foram feitas mais construções após a fundação do parque, e terrenos foram divididos irregularmente. Até hoje se vê a venda de casas no local, assim como o aluguel de residências. A parte baixa recebeu no ano passado 75 mil visitantes. É na parte alta do Itatiaia que fica uma de suas mais famosas atrações, o pico das Agulhas Negras, mas na parte baixa também existem locais muito procurados pelos turistas, como a cachoeira Véu de Noiva, com 40 metros de altura. A biodiversidade também é rica na parte em disputa. Recentemente, por exemplo, foi descoberta ali uma nova espécie de besouro (Babelis leo). Na região também há animais difíceis de avistar, como a onça-parda, e o muriqui, maior macaco das Américas, criticamente ameaçado de extinção. Se o parque for reduzido, até mesmo sua sede histórica e sua pedra fundamental serão excluídos da unidade de conservação.
Proposta “nefasta” A proposta de redução do Itatiaia foi atacada por ONGs e ambientalistas, dentre os quais a senadora e ex-ministra Marina Silva (PT). Para ela, propostas como essa são “nefastas” e abrem precedentes para questionamentos em outras unidades de conservação. A senadora afirma que o parque é importante por ser o mais antigo do país e por estar numa região que já sofreu muito com a pressão sobre a mata atlântica. Ela defende que seja mantida a área do parque e seja feita a desapropriação das áreas particulares, com indenizações para aqueles que tiverem direito. Clarismundo Benfica, chefe da Área de Proteção Ambiental Serra da Mantiqueira, concorda com ela. O parque, ressalta, ajuda a proteger a água que é consumida na região, que não precisa ser tratada. E, em sua opinião, quem mora dentro do parque é privilegiado pois se beneficia da conservação da beleza natural local e de um esquema de segurança 24 horas bancado pela União. A Folha apurou que o estudo do ICMBio seria apresentado na semana passada ao ministro numa reunião que acabou sendo desmarcada. Procurado, Minc disse por meio de sua assessoria de imprensa que só vai se manifestar após ter acesso ao relatório. A Folha também tentou ouvir na semana passada o ICMBio, sem sucesso. Prefeito é dono de casa e hotel dentro de território em disputa Um dos mais ilustres habitantes do Parque Nacional do Itatiaia -proprietário de uma residência e dono do hotel Ypê, ambos dentro da unidade de conservação- é o prefeito de Itatiaia. Luiz Carlos Bastos, que se elegeu com o nome Luiz Carlos Ypê (PP), diz que só há duas formas de resolver a questão fundiária local: desapropriar e pagar quem mora na parte baixa do parque ou simplesmente exclui-la do mapa da unidade. Segundo ele, isso não causaria degradação porque os moradores têm consciência ambiental. “Em dezembro deste ano completo 50 anos dentro do parque”, diz. “Sempre procurei ser parceiro.” A proposta de reduzir o parque foi lançada pela AAI (Associação Amigos do Itatiaia). Segundo ela, caso esse plano dê errado, há receio de o governo não pagar devidamente a indenização pelas desapropriações. “Seremos fiscais terríveis se houver desapropriação. Verificaremos se as construções serão derrubadas, onde vão colocar o entulho”, afirma Heizer. “Da mesma forma, se o parque for desmembrado, eles [críticos da AAI] também devem se tornar rígidos fiscais.” Segundo a presidente da entidade, a maior parte do ex-núcleo colonial se tornou parque só em 1982. Se isso for confirmado, mais pessoas teriam direito à indenização, pois não teriam chegado ao parque como invasoras. No entanto, um mapa do ICMBio mostra que a área já estava demarcada como sendo do parque em 1937. Outra preocupação da AAI é que a polêmica sobre a demarcação do parque fez os preços dos imóveis na área caírem. Uma propriedade que valia R$ 400 mil, segundo Heizer, já foi vendida por R$ 100 mil. Bastos, o prefeito, diz que o antigo núcleo colonial foi quem iniciou a recuperação da mata na região, degradada pela criação de gado. Como justificativa para reduzir o parque, ele afirma que o local já tem feições urbanas. “Lá tem linha de ônibus regular, recolhimento de lixo, transporte escolar, rede elétrica”, diz. O prefeito afirma que o parque não gera receita para a cidade, só encargos, e que as casas e hotéis na parte baixa geram cerca de 200 empregos.

Guerra de assinaturas A polêmica proposta de redução do parque gerou dois manifestos. O “Manifesto pelo integridade do parque nacional do Itatiaia”, lançado em novembro passado pelo Mosaico da Mantiqueira, entidade ligada às unidades de conservação da região, defende a manutenção da área atual do parque e obteve 1.986 assinaturas. Em janeiro, a AAI apresentou seus argumentos na “Proposta para Regularização Fundiária do Núcleo Colonial Itatiaya”, que tem 1.111 assinaturas. (AB)
(Folha de SP, 11/5)

 

3 – Tatus gigantes

 

Pesquisadores descobrem tocas de animal extinto há 10 mil anos que vivia no Sul do país

Francisco Buchmann, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) no campus do Litoral Paulista em São Vicente (SP), descobriu mais de 60 túneis escavados por tatus gigantes que viveram na América do Sul entre cerca de 10 milhões e 10 mil anos atrás aproximadamente. Segundo a Unesp, esses túneis podem revelar o comportamento desses animais e o ambiente em que viviam. A maior concentração de túneis foi descoberta em outubro de 2008, no município de Novo Hamburgo (RS). O estudo foi apresentado na 24ª Jornada Argentina de Paleontologia de Vertebrados, em Mendoza, no dia 6 de maio. Geralmente, esses túneis são encontrados totalmente preenchidos pela lama de enxurradas de chuva sedimentada ao longo de milhares de anos e recebem o nome de crotovinas. Buchmann e seus colaboradores o geólogo Heinrich Frank e os doutorandos Filipe Caron e Leonardo Lima, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mais a paleontóloga Ana Maria Ribeiro e o mestrando Renato Pereira Lopes, da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul são os primeiros a encontrarem no Brasil os túneis desobstruídos e com marcas das garras e da carapaça do animal que os escavou. Com as chamadas paleotocas, os pesquisadores podem descobrir o que não dá para saber analisando apenas os ossos fossilizados. A paleotoca permite estudar quais eram os hábitos dos tatus gigantes, explica Buchmann. A maioria das paleotocas e crotovinas foi encontrada à beira de rodovias, em várias cidades no leste de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Buchmann e seus colegas vêm discutindo que espécie de tatu extinto escavou todas essas tocas no sul do Brasil. Até agora, as evidências sugerem que o escavador foi um tatu dos gêneros extintos Propraopus ou Eutatus. Leia mais no portal da Unesp, em http://www.unesp.br
(Agência Fapesp, 11/5)

 

4 – Será Deus um matemático?

A geometria vem de um cérebro adaptado ao mundo em que existe

Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro “A Harmonia do Mundo”. Artigo publicado na “Folha de SP”: O título desta coluna vem de um livro recém-lançado nos EUA, de autoria do astrofísico Mario Livio. Nele, Livio examina a origem da matemática. Será ela obra da mente humana, uma invenção? Ou será que descobrimos a matemática que já existe, uma espécie de superestrutura conceitual que define o Universo e suas leis? Os que acreditam que seja esse o caso gostam da metáfora (atenção!) de que a matemática é a expressão da mente de Deus: Deus é o grande geômetra, o arquiteto universal. O grande físico teórico Eugene Wigner, que ganhou o Prêmio Nobel pelos seus estudos das simetrias matemáticas que regem o comportamento atômico, achava a eficácia da matemática na descrição dos fenômenos naturais surpreendente. Por que ela funciona tão bem a ponto de nos permitir prever coisas que nem sabíamos que poderiam existir? Por exemplo, quando o escocês James Clerk Maxwell mostrou que todos os fenômenos elétricos e magnéticos podem ser descritos por apenas quatro equações, não poderia imaginar que dessa união viria a descoberta de que a luz é uma onda eletromagnética e que outras existem, invisíveis aos nossos olhos, como os raios X ou as micro-ondas. Várias partículas elementares da matéria foram descobertas usando apenas princípios de simetria. Será que a natureza é mesmo uma estrutura matemática? Livio descreve argumentos a favor dessa hipótese e contra ela, optando por uma solução de compromisso: parte é descoberta e parte inventada. A favor, ele mostra como, de fato, a matemática tem uma permanência diversa da das ciências naturais: um teorema matemático, uma vez demonstrado, é correto para sempre. Já em física ou química, explicações que parecem razoáveis numa época às vezes se provam erradas, ou aproximações de explicações mais sofisticadas. Será, então, que uma civilização extraterrestre redescobriria os mesmos resultados matemáticos do que nós, como se fossem uma espécie de código da natureza? Pitágoras, Platão, Galileu, Newton, Einstein, muitos matemáticos (mas não todos) e os físicos que hoje trabalham em teorias de supercordas diriam que sim. Talvez mudem os símbolos, mas a essência dos resultados seria a mesma. Um astrofísico do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Max Tegmark, chega a afirmar que o Universo é matemática e que infinitos outros universos existem, replicando todas as combinações lógicas e geométricas possíveis. Acho que Tegmark confundiu a ficção de Jorge Luis Borges com a realidade. Sua posição é, para mim, religiosa. Não há dúvida de que certos resultados matemáticos, como 2 + 2 = 4, são verdadeiros independentemente de como sejam descritos. Mesmo assim, vou além de Livio e afirmo que a matemática é uma invenção humana, uma linguagem criada para descrever a nossa realidade. Somos produtos de milhões de anos de evolução, adaptados ao mundo em que vivemos. Na superfície da Terra vemos árvores, pedras e animais, unidades que naturalmente definem os números inteiros, que usamos para contar. No céu vemos estrelas e imaginamos constelações. Uma criatura marinha inteligente e solitária, vivendo nas profundezas e sem luz ou outras formas de vida por perto, provavelmente desenvolveria uma outra matemática. Nossa geometria descreve aproximadamente as formas que vemos à nossa volta; esferas, quadrados, cubos, círculos, linhas. Ela vem de um cérebro adaptado ao mundo em que existe. Se uma civilização extraterrestre tiver desenvolvido linguagem equivalente, é porque existe numa realidade semelhante. O único Deus matemático é aquele que inventamos.
(Folha de SP, 10/5)