1 – Mar subirá 1,80 m até 2100
2 – Ano de 2008 foi o mais frio no planeta desde 2000
3 – Com falha em lançamento, satélite que mediria carbono no ar não chega à órbita
4 – Foguete da UnB explode, mas não houve feridos
5 – Floresta desmatada não recupera diversidade
6 – Doença de boto revela poluição do mar
7 – Empresas sabotam estudo de transgênicos
8 – A ilha de Charcot
9 – Ano Polar confirma degelo no Ártico e na Antártida
10 – Crise não reduz emissão de CO2
11 – Montanhas fantasmas ganham primeiro mapa
12 – Redução da poluição marinha
13 – Fóssil mostra que peixe pré-histórico fazia sexo
1 – Mar subirá 1,80 m até 2100
Cálculo de cientista alemão feito com dados mais robustos revê previsão oficial do painel do clima da ONU em 200%. Medições feitas por francesa comprovam que velocidade do fenômeno -alimentado pelo aquecimento global-aumentou para o dobro
Eduardo Geraque escreve para a “Folha de SP”:
A velocidade com que o nível do mar está subindo agora é quase o dobro daquela verificada no século 20. Já se sabia que o fenômeno -alimentado pelo aquecimento global- era grave, mas os dados mais recentes, coletados desde 1993, mostram que a elevação da linha d’água até 2100 será de 1,80 metro, mais do que o dobro da prevista pelo painel do clima da ONU.
“Entre 1993 e 2008, a taxa média global registrada foi de 3,4 mm por ano”, disse à Folha a pesquisadora francesa Anny Cazenave, do Centro Nacional de Estudos Espaciais de Toulouse (França). Esse número, obtido por medições de satélite que geraram uma série histórica inédita, ganha um ar de gravidade quando comparado a outro: entre 1950 e 2000, a elevação média do mar era de 1,8 mm por ano, diz a cientista.
“Mas a maior surpresa não é essa”, diz Cazenave, que apresentou suas recentes medições -processadas até dezembro- na reunião da AAAS (Sociedade Americana para o Avanço da Ciência), encerrada na semana passada em Chicago.
“As causas dessa aceleração do nível do mar também mudaram”, diz. Entre 2003 e 2008, o derretimento das geleiras e dos mantos de gelo (Groelândia e Antártida) contribuiu com 80% da elevação. A expansão térmica -o aumento de volume da água pelo aquecimento- ajudou com cerca de 20%.
Na virada do século, porém, o cenário ainda era diferente. Entre 1993 e 2003, o aquecimento da água do mar explicava 50% do fenômeno, enquanto as massas de gelo respondiam por 40%. (Ainda não existem dados para explicar os 10% que fechariam a conta.)
Para os cientistas, não há dúvida: as atenções devem ser voltadas agora para regiões como o Ártico, a Antártida e as demais geleiras continentais. Entre essas áreas, o norte da Terra é o mais rico em gelo.
Um metro a mais
“Hoje, tanto os mantos de gelo quanto as geleiras continentais [na Antártida, na Groelândia, nos Andes ou no Himalaia] têm igual relevância, mas tudo indica que os primeiros serão cada vez mais importantes daqui para a frente”, disse Stefan Rahmstorf, pesquisador da Universidade de Potsdam (Alemanha), que apresentou suas pesquisas no evento da AAAS, às margens do rio Chicago.
As contas do pesquisador alemão sobre o futuro do nível médio do mar indicam que os modelos apresentados até hoje estão otimistas demais. “Em 2100, posso dizer agora, o nível dos oceanos deverá estar aproximadamente um metro acima do que estava previsto pelo modelo [mais pessimista] do IPCC”, o painel do clima das Nações Unidas que contou com a participação de Rahmstorf.
Acreditava-se que nível do mar não deveria subir mais do que 60 cm até 2100 (comparado com 1980-1999). Agora, porém, estima-se a marca de 1,80 metro. “E o nível do mar não vai parar de subir em 2100. Ele poderá chegar até 3,5 metros em 2200 e bater os 5 metros em 2300”, disse Rahmstorf. No passado, mostrou o pesquisador, o nível do mar atingiu o pico há 40 milhões de anos. As águas estavam mais de 70 metros acima do que estão hoje.
Apesar de um nível do mar elevado não ser novidade para o planeta, a espécie humana, que surgiu há apenas 200 mil anos, nunca viu algo assim.
De acordo com Cazenave, as medições já feitas nestes últimos 16 anos mostram três regiões onde a subida do nível do mar já é realidade. “As áreas mais afetadas são o oeste do oceano Pacífico, o litoral da Austrália e também a Groelândia”, diz a cientista.
Como as previsões não são uniformes, e levam em conta valores médios, uma pergunta de interesse pessoal foi feita por um espectador da palestra em Chicago. “Sou da Flórida. Quero saber o que vai ocorrer lá”, disse. “Vocês [cientistas] é que têm de dizer onde o mar subirá nos próximos anos.”
Mas os cientistas silenciaram, e a questão também continua aberta para quem vive na Califórnia, no Taiti ou no Recife. Diante da dúvida, o melhor que cidades costeiras têm a fazer é se prepararem para o pior.
(Folha de SP, 22/2)
Apesar disso, 2008 foi o nono ano mais quente entre os últimos 128 anos
Especialistas em clima do Instituto de Estudos Espaciais Goddard da Nasa (Giss) revelaram que 2008 foi o ano mais frio no planeta desde 2000. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (WMO), a temperatura média global no ano passado foi de 14,3 graus centígrados.
Essa média, entretanto, continua alta em comparação com as temperaturas de décadas anteriores. Os dez anos mais quentes já registrados desde a primeira medição global de temperaturas, em 1880, estavam entre 1997 e 2008 – anos em que esquentou também a discussão sobre o papel da atividade humana no aquecimento global.
Por isso, apesar de ter sido “o ano mais frio” dos últimos oito anos, 2008 foi o nono ano mais quente entre os últimos 128 anos. A análise do Giss revelou que a temperatura do ar em 2008 foi 0,44 grau centígrado acima da temperatura média global do período entre 1951 e 1980 – usado como base no estudo.
Os cientistas afirmam que a diferença de temperatura de um ano para outro pode não ser muito representativa. “O ranking tem significado científico em alguns casos, tais como quando um novo recorde é estabelecido”, disse o diretor do instituto, James Hansen. “Mas o ranking também pode ser enganoso porque a diferença em temperatura entre um ano e outro costuma ser menor do que as flutuações da média global.”
Segundo os especialistas da Nasa, a média da temperatura em 2008 no mundo foi mais fria em relação aos anteriores graças à ação do fenômeno La Niña no Oceano Pacífico.
A maior parte do planeta, no entanto, registrou temperatura normal ou maior do que o de costume em 2008. A Europa, a Ásia, o Ártico e a Península Antártica tiveram temperatura excepcionalmente mais alta, enquanto boa parte do Oceano Pacífico teve temperatura mais baixa do que a média no longo prazo.
O La Niña e o El Niño são duas correntes oceano-atmosféricas que atingem o Pacífico e podem afetar o clima globalmente. La Niña é uma fase fria. A mais quente é El Niño, que costuma seguir La Niña dentro de um ano ou dois. La Niña baixa as temperaturas em todo o mundo em até 1 grau.
No passado, La Niña foi responsável por chuvas torrenciais na Austrália e pelas temperaturas mais baixas já registradas na China.
“Dada a nossa expectativa de que o próximo El Niño vai começar este ano ou em 2010, parece provável que um novo recorde na temperatura global do ar será estabelecido nos próximos um ou dois anos”, disse James Hansen
(BBC Brasil, 24/2)
O Orbiting Carbon Observatory estava em desenvolvimento havia anos. Nasa investiga agora as causas exatas do problema com o lançador
Anos de espera, para nada. Após um lançamento que parecia normal, às 6h55 (horário de Brasília), da Base Vanderberg da Força Aérea dos EUA, na Califórnia, ficou constatado que um satélite destinado a medir a presença de carbono na atmosfera terrestre — projeto essencial para seguir investigando os perigos do aquecimento global — não atingiu a órbita.
Indicações preliminares dão conta de que houve falha no lançador, o foguete Taurus XL. Aparentemente, um defeito de separação do foguete impediu a chegada do Orbiting Carbon Observatory ao espaço.
A espaçonave provavelmente voltou à Terra e caiu no Oceano Pacífico, próximo à Antártida, segundo John Brunschwyler, gerente de programa para o Taurus XL.
Um painel de investigação foi criado pela Nasa para determinar a causa da falha no lançamento. Ainda não há previsão de quando — e se — uma réplica da missão voltará a voar. O projeto original custou cerca de US$ 400 milhões.
(G1, 24/2)
Equipamento é o primeiro do Brasil de propulsão híbrida e será lançado em abril
O teste do foguete de propulsão híbrida da Universidade de Brasília terminou com uma explosão às 18h16 da tarde de sexta-feira, 20 de fevereiro, no gramado do Centro Olímpico da instituição. O motivo do acidente foi a ruptura da tampa do tanque do oxidante.
Apesar do estouro e da grande cortina de fumaça – a poeira atingiu raio de 40 metros, aproximadamente -, ninguém se machucou e a explosão não comprometeu os resultados finais do experimento.
“Em quatro segundos, o foguete alcançou força de 1.000 newtons, dentro da faixa estimada. Foi muito positivo. Agora, vamos verificar a vedação do tanque do oxidante e desmontar o motor para fazer um diagnóstico”, esclarece o professor da Engenharia Mecânica da UnB e responsável pelo projeto de pesquisa, Carlos Alberto Gurgel.
De acordo com o professor, o acidente não prejudicará o lançamento do foguete, agendado para abril de 2009, no centro da Barreira do Inferno, no Rio Grande do Norte. Ele será o primeiro foguete brasileiro de propulsão híbrida, que mistura combustíveis sólido e líquido. A tecnologia é inédita no Brasil e permite maior controle da combustão, além de ser mais barata. O país domina a propulsão química, de combustíveis sólidos.
O teste realizado serviu para avaliar a força que o foguete consegue gerar para o cálculo da sua trajetória. A expectativa é que ele consiga atingir altitude de 6 km e alcance de 15 km. Ainda serão feitas outras simulações antes de levar o veículo para o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno.
A UnB desenvolve a tecnologia desde 2002. Dois anos depois, o projeto passou a integrar o Programa Uniespaço, da Agência Espacial Brasileira. O foguete passa por testes a cinco anos, nos dois últimos houve problemas técnicos.
(Com informações da Assessoria de Comunicação da UnB)
Expectativa média de vida de uma floresta secundária na Amazônia brasileira é de apenas cinco anos
A constatação de que 20% das áreas desmatadas da Amazônia têm florestas em regeneração coloca o Brasil no centro de uma discussão internacional sobre o valor ecológico das florestas secundárias. Estudos de longo prazo realizados no nordeste do Pará por cientistas do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) mostram que, mesmo após 40 anos em repouso, as florestas secundárias da região só recuperaram 35% das espécies arbóreas com mais de 10 centímetros de diâmetro que tinham originalmente.
Segundo cálculos do pesquisador Cláudio Almeida, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), cerca de 132 mil dos 680 mil quilômetros quadrados de florestas derrubadas na Amazônia estavam em processo de regeneração até 2006. E, segundo especialistas, essas florestas podem até se transformar em florestas maduras, mas dificilmente recuperam a diversidade de espécies que tinham originalmente.
Uma área de florestas secundárias (ou capoeiras) equivalente a tudo que foi desmatado na Amazônia nos últimos sete anos (de 2002 a 2008), suficiente para cobrir de mata os Estados de Pernambuco e Alagoas.
À primeira vista, pode parecer que sete anos de desmatamento foram “desfeitos”. Mas a simplicidade dos números esconde uma teia de fatores ecológicos altamente complexos. Além da regeneração, o tempo para regeneração é insuficiente. Segundo Almeida, a expectativa média de vida de uma floresta secundária na Amazônia brasileira é de apenas cinco anos, até ser cortada e queimada novamente.
(O Estado de SP, 25/2)
6 – Doença de boto revela poluição do mar
Estudo detecta lesões de pele em 17% dos animais do estuário de Paranaguá; porto e fazenda de camarão podem ser causas
Claudio Ângelo escreve para a “Folha de SP”:
Quando começou a monitorar a população de botos marinhos de Paranaguá, norte do Paraná, em 2006, o biólogo Marcos de Oliveira Santos ficou intrigado: as fotografias que fazia para identificar os animais vira e mexe revelavam extensas feridas na pele. Em uma década fotografando esses golfinhos tímidos no estuário de Cananeia, sul de São Paulo, a apenas 60 km dali, Santos nunca havia visto nada parecido.
A partir de 2007, o pesquisador levou suas imagens para a veterinária holandesa Marie-Françoise Van Bressem, do Centro de Pesquisa de Cetáceos do Peru. Ela matou a charada: as lesões observadas por Santos eram um tipo de micose, provavelmente causado por poluição da água.
Os candidatos não podiam ser mais óbvios: primeiro, os botos de Paranaguá vivem na vizinhança do segundo maior porto do Brasil, que gera não só contaminação por óleo e outros materiais como também por água de lastro de navios, que pode trazer micróbios de longe.
Mas outro fator pode estar por trás da doença dos botos: a instalação de uma fazenda de camarão em Paranaguá em 2006. A carcinicultura tem pipocado por diversas partes do litoral brasileiro, frequentemente em áreas habitadas por mamíferos marinhos. Se ela realmente estiver ligada à epidemia, isso é uma má notícia para botos e golfinhos de toda a costa, incluindo a paulista.
“No Lagamar [região de estuário de 507 quilômetros quadrados entre São Paulo e Paraná] fecha uma e abre outra”, disse Santos à Folha, sobre as fazendas de camarão. “O Ibama diz que não há, mas a gente sabe que não tem fiscalização, não tem gente, não tem barco, não tem carro.”
Ainda não se sabe a real extensão da epidemia, nem sua gravidade. Santos detectou lesões na pele de 17% dos botos (Sotalia guianensis) fotoidentificados em Paranaguá. A julgar pelo tamanho das feridas -algumas com até 25 centímetros de extensão, no dorso dos animais-, o agente causador da infecção, provavelmente um fungo, deveria estar circulando na população por meses.
“A gente não tem ideia do grau de contaminação e do estado de saúde dos bichos de lá”, afirma o pesquisador da Unesp, hoje na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Van Bressem tem “colecionado” casos de doenças de pele entre cetáceos em toda a América do Sul, e seus estudos indicam que as micoses podem acelerar outros fatores que matam os animais.
Estudos anteriores da pesquisadora holandesa também sugerem a relação entre o surgimento de micoses entre golfinhos e poluição. Em pelo menos um caso, em Guayaquil, Equador, a presença de fazendas de camarão era a fonte de poluentes responsável.
“Sabe-se que a aquacultura, especialmente as criações de salmão e camarões, usa pesadamente antibióticos profiláticos que podem alterar a fauna normal da pele e criar um ambiente adequado para a invasão dos fungos”, escrevem Van Bressem, Santos e colegas em um artigo descrevendo a epidemia em Paranaguá, recém-publicado no periódico “Marine Environmental Research”.
A ausência de portos e de carcinicultura (por enquanto) no estuário de Cananeia, uma área protegida, explicaria a virtual ausência de doenças de pele entre os botos dali.
Bioindicador
O trabalho de Van Bressem, Santos e outros cientistas tem mostrado que os pequenos cetáceos, como os golfinhos e os botos, são indicadores eficazes da qualidade da água. E, como são predadores que ocupam o topo da cadeia alimentar, podem dar pistas sobre a saúde de todo o ecossistema.
O próprio Santos já mostrou o potencial de bioindicador dos botos de Cananeia, população que ele acompanha desde 1996. Em 2003, ele e colegas publicaram no periódico “The Science of Total Environment” resultados de biópsia mostrando que os animais estavam acumulando pequenas quantidades de DDT em sua camada de gordura. O DDT é um veneno da classe dos organoclorados, banido no Brasil nos anos 1980. Sua aparição entre os botos de Cananeia sugere que fazendeiros do Vale do Ribeira continuam usando a substância.
O pesquisador paulista se diz preocupado com a possibilidade de a epidemia em Paranaguá se alastrar por Cananeia. “Assusta um pouco, porque não sabemos o quanto essas populações estão em contato”.
Até agora, somente um indivíduo de Cananeia foi visto em Paranaguá, mas a comunicação no estuário do Lagamar é grande e pode haver constante fluxo genético entre as populações. “É o que queremos descobrir.”
Este é só mais um mistério da vida dos botos marinhos. Arredios e sem o carisma do golfinho-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus), esses animais ainda são virtualmente desconhecidos pelos cientistas. Até 1993, não havia nenhum trabalho de fotoidentificação desses animais, e somente em 2005 uma análise de DNA revelou que eles são uma espécie separada do boto tucuxi da Amazônia. O boto de rio ficou com o nome Sotalia fluviatilis, que até então era aplicado ao boto marinho.
(Folha de SP, 25/2)
Monsanto, Syngenta e DuPont vetam uso de planta em pesquisa independente. Agricultores que compram sementes modificadas têm sido impedidos de fornecer amostras a cientistas, diz relatório enviado à agência
Empresas de biotecnologia estão impedindo cientistas independentes de pesquisar a eficácia e o impacto ambiental de plantações geneticamente modificadas, afirma um relatório encaminhado ao governo americano por um grupo de 26 pesquisadores de universidades.
“Nenhuma investigação independente pode ser conduzida de forma legal em muitas questões críticas”, escreveram os cientistas na declaração apresentada à EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos), que está recolhendo opiniões para pautar uma série de encontros científicos que realiza nesta semana sobre transgênicos.
A declaração vai provavelmente dar força aos críticos dessas plantações, como grupos ambientalistas que há muito queixam-se de que transgênicos não têm sido suficientemente estudados e que poderão ter consequências inesperadas à saúde e ao ambiente.
Os autores do novo manifesto, especialistas em insetos de milharais, não divulgaram seus nomes porque receavam ser cortados de pesquisas pelas empresas. Mas vários deles concordaram em dar entrevistas e ter seus nomes utilizados.
O problema, dizem os cientistas, é que os agricultores e outros compradores de sementes geneticamente modificadas têm de assinar um acordo para garantir que honrarão os direitos de patentes e os regulamentos ambientais. Mas os acordos também proíbem o cultivo das culturas para fins de pesquisa.
Permissão negada
Dessa forma, enquanto cientistas de universidades podem comprar livremente pesticidas ou sementes convencionais para suas pesquisas, não podem fazer o mesmo com sementes geneticamente modificadas.
Em vez disso, devem solicitar autorização das empresas de sementes. E, às vezes, a permissão é negada ou a empresa insiste em rever as conclusões antes de poderem ser publicadas, afirmam os pesquisadores.
Esses acordos são problemáticos há muito tempo, mas os cientistas disseram ter ido a público agora porque suas frustrações foram se acumulando.
“Se as empresas podem controlar a pesquisa, elas podem esconder possíveis problemas que apareceriam em qualquer estudo”, diz Ken Ostlie, professor da Universidade de Minnesota, um dos cientistas que assinaram a declaração.
O mais surpreendente é que os cientistas que fizeram o protesto -a maioria deles afiliados a universidades com grandes programas em agrociências- dizem não ser opositores do uso da biotecnologia.
Entretanto, dizem, a asfixia provocada pela indústria sobre as pesquisas faz com que eles não possam fornecer algumas informações para os agricultores sobre a melhor maneira de cultivar as lavouras.
E, afirmam, os dados fornecidos a órgãos reguladores do governo estão sendo “indevidamente limitados”. As empresas “têm o potencial de maquiar os dados, a informação que é submetida à EPA”, afirma o entomologista Elson J. Shields, da Universidade Cornell.
Licença interrompida
Os acordos da Syngenta com os agricultores não só proíbem a pesquisa em geral mas também dizem que um comprador de semente não pode comparar um produto da empresa com qualquer outra cultura rival.
Ostlie, conta que, ainda em 2007, tinha permissão de três empresas para comparar a maneira com que as variedades de milho resistentes a insetos se saíam contra uma larva de besouro que ataca a cultura.
Mas, em 2008, a Syngenta, uma das três empresas, retirou sua permissão, e seu estudo precisou parar. “A empresa decidiu que não era de seu interesse deixar que a pesquisa continuasse”, afirmou.
Chris DiFonzo, da Universidade Estadual de Michigan, disse que, quando conduz suas pesquisas em insetos, evita entrar em campos com culturas transgênicas porque sua presença faria com que os agricultores violassem os acordos e ficassem sujeitos a processo.
Governo é que cria restrição, diz empresário
William Niebur, vice-presidente de pesquisas da DuPont, multinacional que controla a empresa Pioneer Hi-Bred, defende a política de sua companhia sobre restrições impostas a agricultores com relação à liberação de variedades de plantas patenteadas para usos em pesquisas de terceiros.
Segundo ele, como as plantações geneticamente modificadas são regulamentadas pelo governo dos EUA, as empresas precisam fiscalizar cuidadosamente a maneira com que seus vegetais transgênicos são cultivados.
“Nós temos de proteger nossa relação com as agências governamentais adotando um controle bastante rigoroso sobre medidas relacionadas a essa tecnologia”, diz Niebur, que afirma estar aberto ao diálogo com cientistas que tenham quaisquer preocupações.
A Monsanto e a Syngenta, duas outras empresas de biotecnologia de sementes, afirmam que estão “ajudando” pesquisas feitas em universidades. Assim como a Pioneer, porém, elas dizem que seus contratos com compradores de sementes têm como objetivo proteger sua propriedade intelectual e cumprir obrigações regulatórias.
Contudo, Dale Kemery, porta-voz da Agência de Proteção Ambiental dos EUA, afirma que requer gerenciamento apenas sobre resistência a insetos apresentada pelas plantas, e que outras restrições contratuais são de iniciativa das empresas.
Niebur, da Pioneer, afirma que a empresa tem colaborado ao preparar seus dados em conjunto com universidades nos Estados de Illinois, Iowa e Nebraska, os mais afetados por pragas de milharais nos EUA. (Andrew Pollack, do “New York Times”)
(Folha de SP, 22/2)
Os sucessivos rompimentos podem ser frutos do aquecimento
Marcelo Leite é autor da coletânea de colunas “Ciência – Use com Cuidado” (Editora da Unicamp, 2008) e do livro de ficção infanto-juvenil “Fogo Verde” (Editora Ática, 2009), sobre biocombustíveis e florestas. Artigo publicado na “Folha de SP”:
Charcot deve voltar à baila nos próximos dias, semanas ou meses. Não o grande Jean-Martin Charcot (1825-1893), mestre de Freud em estudos da histeria no Hospital Sapêtrière de Paris, mas a ilha antártica à qual ainda se prende, por uma delgada língua de gelo, o que sobrou da plataforma de Wilkins, na baía que tem o mesmo nome.
Sem essa âncora, é provável que a plataforma se despedace por inteiro, lançando mais algumas centenas de icebergs no mar de Bellingshausen (onde se originam muitas das frentes frias que alcançam o Brasil). Seguiria assim o destino de outras plataformas de gelo da Antártida Ocidental, como a de Larsen, do outro lado da península Antártica, que perdeu 75% de sua área desde 1995.
Plataformas como essas são tabuleiros de gelo com centenas de metros de espessura que se projetam do continente sobre o oceano. Parte se apóia sobre terra firme, acima do nível do mar, parte sobre o que seria leito marinho, e parte se equilibra sobre água. Suspeita-se que os sucessivos desprendimentos sejam fruto do aquecimento global.
A Antártida Ocidental e a península estão entre as áreas do globo terrestre que mais se aqueceram nas últimas décadas. A água congelada nas plataformas despedaçadas acabará derretendo e, com isso, contribuirá para elevar o nível do mar em todos os lugares do planeta.
A plataforma de Wilkins conectava várias ilhas numa superfície de gelo com 14 mil km2, algo como três quartos do Estado de Sergipe. Começou a desintegrar-se para valer há um ano.
Pesquisadores espanhóis a bordo do navio oceanográfico “Hespérides” relataram na terça-feira que a língua de gelo também já se fragmenta. Com isso, Charcot se revelará como que sempre foi -uma ilha. Cercada de água por todos os lados, e não de gelo.
Antes era um “nunatak”, palavra esquimó para cumes de montanhas e de ilhas que conseguem perfurar o gelo e assomar à sua superfície -um pouco como o inconsciente freudiano irrompe na vida psíquica por meio de sonhos, fobias e atos falhos.
A analogia e o nome da ilha não são gratuitos. Ela foi assim chamada por Jean-Baptiste Etienne August Charcot (1867-1936), filho do neurologista, em homenagem ao pai. O moço enterrou toda a fortuna herdada na construção de uma escuna de três mastros, batizada “Français” (francês), e partiu com sua Expedição Antártica Francesa em 1903.
O “Français” quase naufragou na Antártida e terminou vendido à Marinha argentina. Em 1908 Charcot voltou à carga, com o “Pour Quoi Pas?” (por que não?). Em 1910, descobriu o que chamou de Terra de Charcot.
Pesquisas mais recentes indicaram tratar-se de uma ilha -condição latente que o aquecimento global agora se encarrega de revelar em plenitude, com a violência de um sintoma.
Reconsideração
A coluna publicada na semana passada, “Analfabetos em números”, usou termos pesados (“máquina de propaganda” etc.) para referir-me à Secretaria de Imprensa da Presidência da República. Como o objeto da crítica pelo descaso e pela imperícia no trato com estatísticas era o governo todo, e não só a secretaria, e como não é razoável esperar que esta se dedique a desfazer todos os erros do chefe, em retrospecto podem-se dizer que os qualificativos eram desnecessários.
Esta reconsideração é fruto de uma troca de mensagens eletrônicas com o secretário Nelson Breve, cuja íntegra pode ser lida no blog Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br).
(Folha de SP, 22/2)
Cientistas dizem que aquecimento afeta região antártica de maneira “insuspeitada”
Agora é oficial: o Ártico e a Antártida estão esquentando mais rápido do que se imaginava e seus mantos de gelo, especialmente o da Groenlândia, estão derretendo sob influência do aquecimento global. As conclusões são do maior esforço de pesquisa já feito sobre as regiões polares, que envolveu mais de 10 mil cientistas de 60 países, incluindo o Brasil.
Um relatório preliminar divulgado ontem em Genebra, que encerrou esse esforço de pesquisa, o 4º Ano Polar Internacional, afirma que “parece certo agora que tanto o manto de gelo da Groenlândia quanto o da Antártida estão perdendo massa e portanto aumentando o nível do mar, e que a taxa de perda de gelo na Groenlândia está crescendo”.
O degelo acelerado dos polos é uma das maiores incertezas nos modelos do aquecimento global. Se derretidos, o oeste da Antártida e a Groenlândia elevariam o nível do mar em vários metros, o que seria desastroso para a humanidade.
No entanto, como o comportamento das geleiras antárticas e árticas é muito complexo, até agora tem sido impossível estimar a contribuição total do degelo polar para o nível do mar no futuro (no leste da Antártida, por exemplo, o gelo parece estar aumentando).
Essa questão ficou sem resposta no último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), o comitê de climatologistas da ONU, que previu uma elevação de “modestos” 59 cm no nível global dos oceanos até o fim deste século.
Responder se os polos estão ou não perdendo gelo era um dos principais objetivos do Ano Polar Internacional, que começou em 2007 e termina em março. Num esforço de cooperação internacional sem precedentes e com US$ 1,5 bilhão de financiamento, cientistas usaram técnicas como medições por satélite de mudanças na elevação e nos campos gravitacionais dos mantos de gelo.
O resultado não é a última palavra sobre o assunto, mas as pesquisas feitas durante o Ano Polar indicam um balanço de massa negativo, ou seja, mais gelo é perdido do que o que se acumula por precipitação de neve. “Acho que os especialistas discordariam de um cenário de derretimento repentino, instantâneo ou catastrófico”, disse à Folha David Carlson, coordenador científico do Ano Polar Internacional.
“Mas acredito que eles dirão que observam uma aceleração do degelo, de forma que poderíamos observar efeitos substantivos no nível do mar em várias décadas ou um século, em vez de vários séculos.”
Dados obtidos por navios oceanográficos na Antártida, boias equipadas com termômetros e até mesmo elefantes-marinhos com instrumentos amarrados na cabeça mostram que o oceano Austral está esquentando mais depressa que o restante dos oceanos do planeta.
Segundo o relatório divulgado ontem, há sinais de que o aquecimento global está afetando a Antártida de maneiras “insuspeitada”. Ian Allison, um dos coordenadores do Ano Polar Internacional, disse que a primeira região a sentir o efeito das mudanças na Antártida será a América do Sul.
(Folha de SP, 26/2)
Poluição aumentou em 2008 apesar da desaceleração da economia mundial
As esperanças de que a crise econômica e a consequente desaceleração da produção industrial pudessem, pelo menos, reduzir as emissões de CO2 estão virando fumaça. Um relatório divulgado ontem pela Agência Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA, na sigla em inglês) revela que as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera aumentaram no ano passado em relação ao ano anterior.
O nível de CO2 na atmosfera atingiu a média global de 384,9 partes por milhão (ppm), 2,2 ppm a mais que em 2007. Segundo o relatório da NOAA, no ano anterior a alta havia sido de 1,8 ppm.
– Para sentirmos um impacto da redução na atmosfera, precisaríamos de uma forte queda nas emissões e isso não aconteceu ainda, como revelam esses dados – explicou o cientista Thomas Conway, da NOAA, que ajudou a compilar os números. – Se as reduções forem apenas de um pequeno percentual, não haverá efeito algum na atmosfera.
Com a recessão, acredita-se que as emissões dos países desenvolvidos possam cair cerca de 2% este ano. Mas esse efeito pode ser anulado pelo aumento das emissões na China, a maior poluidora do mundo, ao lado dos EUA.
(O Globo, 26/2)
Radares revelaram face de cordilheira antártica do tamanho dos Alpes sepultada pelo gelo
Uma majestosa cadeia de montanhas, de dimensão semelhante à dos Alpes, com grandes picos e extensos vales. Tudo isso coberto por quatro quilômetros de gelo. Essas são as Gamburtsevs, uma cordilheira soterrada sob a neve da Antártica, que acaba de ser mapeada pela primeira vez, com a ajuda de radares, por um grupo internacional de pesquisadores.
A descoberta, dizem os pesquisadores, pode ajudar a entender mais sobre a história geológica do planeta e também sobre a forma como a Antártica pode se comportar no futuro, caso as temperaturas na Terra continuem a subir.
Conhecidas como Montanhas Fantasmas, as Gamburtsevs possuem 800 quilômetros de extensão e 400 quilômetros de largura, com vales que se estendem até quase um quilômetro abaixo do nível do mar.
– Nós podemos confirmar que elas estão lá. Podemos vêlas sob o gelo – disse Fausto Ferraccioli, um dos especialistas envolvidos na missão.
Uma janela para o passado da Terra
O grupo – formado por cientistas britânicos, americanos, alemães, australianos, chineses e japoneses – mapeou as Gamburtsevs com a ajuda de um avião que usava radares instalados nas asas capazes de detectar a espessura do gelo e a forma das montanhas. Com o auxílio dos equipamentos, eles também realizaram pesquisas magnéticas e gravitacionais, além de captarem ondas sísmicas que atravessam a cordilheira. No total, uma área de cerca de 120 mil quilômetros foi sobrevoada, o equivalente a três voltas em torno da Terra.
– Não apenas elas são similares em dimensão com os Alpes, como também são parecidas no aspecto – contou Ferraccioli. – Podemos notar grandes picos e vales.
As Gamburtsevs foram descobertas nos anos 50 por uma equipe soviética que fazia uma travessia no gelo e seu nome é uma homenagem ao geofísico soviético Grigoriy Gamburtsev.
Desde então, os cientistas tentam entender como a cordilheira se formou e ainda resiste no meio da Antártica. Os pesquisadores acreditam que as Gamburtsevs estejam na origem das geleiras que cobriram toda região polar durante o resfriamento da Terra, há mais de 30 milhões de anos. A neve que caiu nas montanhas teria formado gigantescas geleiras, que, posteriormente, se fundiram, criando uma enorme massa de gelo que foi se expandindo.
– Ainda é um grande mistério, do ponto de vista geológico, pensar como essas montanhas se formaram – observou Ferraccioli. – Em tese, elas não deveriam existir.
Durante a expedição – realizada em temperaturas entre 30 e 40 graus Celsius negativos – a equipe disse ter encontrado água nos vales da cordilheira.
Um deles seria do tamanho do Lago Ontário, um dos cinco maiores dos EUA. A água estaria encapsulada em bolhas, num fenômeno já observado em outras partes da Antártica.
Para os cientistas, o desafio agora é analisar os dados recolhidos em busca de explicações sobre a formação das Gamburtsevs. Além disso, amostras de ar já recolhidas das camadas de neve da região podem fornecer informações valiosas sobre a história do clima da Terra.
– Esta é como se fosse a primeira página de um livro – declarou Ferraccioli.
(O Globo, 26/2)
Embaixada dos Estados Unidos aceita propostas, até 31 de março, para redução de fontes terrestres de poluição marinha no Brasil. Projeto escolhido receberá US$ 75 mil
A Embaixada dos Estados Unidos, por meio do Escritório de Meio Ambiente, Ciência, Tecnologia e Saúde, está recebendo propostas para um projeto que resulte na redução de fontes terrestres de poluição marinha, causadas por produtos agrícolas, nos córregos e rios brasileiros.
Serão concedidos US$ 75 mil ao melhor projeto e as propostas devem ser enviadas até 31 de março. Somente propostas em inglês serão aceitas para avaliação.
O projeto selecionado será implantado no Estado do Mato Grosso ou em outro polo de intensa atividade agrícola nos estados brasileiros e incluirá workshops sobre experiências e boas práticas na redução do escoamento decorrente da atividade agrícola.
Terão prioridade no processo de avaliação projetos com ênfase ao combate desse tipo de poluição e os esforços na redução do uso de fertilizantes e aplicação de pesticidas mais eficientes e com menor toxicidade.
De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), 80% da poluição depositada nas águas costeiras e oceânicas é resultante de atividades de fontes terrestres, sendo que o aumento do uso de fertilizantes por conta da modernização da agricultura é um dos principais fatores que têm contribuido para a poluição marinha e costeira.
Mais informações: http://www.embaixada-americana.org.br
(Agência Fapesp, 26/2)
Estudo prova ocorrência de fecundação interna
Ricardo Bonalume Neto escreve para a “Folha de SP”:
A princípio se achava que era um caso de canibalismo flagrado em fósseis de 380 milhões de anos atrás. Mas novas evidências indicaram que o flagrante era outro: tratava-se de sexo e já feito do jeito como fazem os seres humanos e os tubarões -com a penetração da fêmea pelo órgão do macho.
Estes fósseis de peixes extintos achados na Austrália são a mais antiga prova de reprodução por fecundação interna.
Achar fósseis com detalhes da anatomia interna é algo raro. E foi uma surpresa achar dentro do corpo de antigos peixes placodermos outros menores da mesma espécie.
A primeira interpretação era que os peixes pequenos tinham sido comidos pelo maior. Mas nova análise mostrou que de fato se tratava de embriões, apontando que o modo de reprodução vivíparo (com os filhotes formados dentro do corpo da mãe) era bem mais disseminado do que se pensava.
Os placodermos são peixes com mandíbula que viveram entre 430 milhões a 360 milhões de anos atrás. Os fósseis, achados na Austrália, pertencem à espécie Incisoscutum ritchiei. A descrição está na edição de hoje da revista “Nature”.
A análise revelou que o Incisoscutum ritchiei tinha estruturas semelhantes ao órgão reprodutivo dos tubarões machos, o clásper, uma modificação da nadadeira pélvica que funciona como uma espécie de pênis. A maioria dos peixes atuais é óssea e faz parte da classe Osteichthyes. Os vertebrados terrestres evoluíram de espécies primitivas da classe. Na maioria das espécies a fecundação é externa.
A outra grande classe é a Chondrichthyes, de peixes de esqueleto feito de cartilagem, como tubarões e raias. Todos têm fecundação interna.
(Folha de SP, 26/2)