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Informativo 616 – 100 vezes e serra

1 – Desmatamento eleva em 100 vezes o custo do tratamento da água

2 – Pesquisa da UFMG dedica-se à revitalização da serra do Cipó

 

1 – Desmatamento eleva em 100 vezes o custo do tratamento da água

 

O alerta é do pesquisador José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia (IIE), em palestra apresentada no 3º encontro do Ciclo de Conferências 2014

 

Além de alterar o ciclo de chuvas, prejudicar a recarga de aquíferos subterrâneos e, consequentemente, reduzir os recursos hídricos disponíveis para o abastecimento humano, o desmate da vegetação que recobre as bacias hidrográficas tem forte impacto sobre a qualidade da água, encarecendo em cerca de 100 vezes o tratamento necessário para torná-la potável.

 

O alerta foi feito pelo pesquisador José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia (IIE), durante palestra apresentada no terceiro encontro do Ciclo de Conferências 2014 do programa BIOTA-FAPESP Educação, realizado no dia 24 de abril, em São Paulo.

 

“Em áreas com floresta ripária [contígua a cursos d’água] bem protegida, basta colocar algumas gotas de cloro por litro e obtemos água de boa qualidade para consumo. Já em locais com vegetação degradada, como o sistema Baixo Cotia [bacia hidrográfica do rio Cotia, na Região Metropolitana de São Paulo], é preciso usar coagulantes, corretores de pH, flúor, oxidantes, desinfetantes, algicidas e substâncias para remover o gosto e o odor. Todo o serviço de filtragem prestado pela floresta precisa ser substituído por um sistema artificial e o custo passa de R$ 2 a R$ 3 a cada mil metros cúbicos para R$ 200 a R$ 300. Essa conta precisa ser relacionada com os custos do desmatamento”, afirmou Tundisi.

 

Quando a cobertura vegetal na bacia hidrográfica é adequada – e isso inclui não apenas as florestas ripárias como também matas de áreas alagadas e demais mosaicos de vegetação nativa -, a taxa de evapotranspiração é mais alta, ou seja, uma quantidade maior de água retorna para a atmosfera e favorece a precipitação.

 

Além disso, explicou Tundisi, o escoamento da água das chuvas ocorre mais lentamente, diminuindo o processo erosivo. Parte da água se infiltra no solo por meio dos troncos e raízes, que funcionam como biofiltros, recarrega os aquíferos e garante a sustentabilidade dos mananciais.

 

“Em solos desnudos, o processo de drenagem da água da chuva ocorre de forma muito mais rápida e há uma perda considerável da superfície do solo, que tem como destino os corpos d’água. Essa matéria orgânica em suspensão altera completamente as características químicas da água, tanto a de superfície como a subterrânea”, explicou Tundisi.

 

De acordo com o pesquisador, a mudança na composição química da água é ainda mais acentuada quando há criação de gado ou uso de fertilizantes e pesticidas nas margens dos rios. Ocorre aumento na turbidez e na concentração de nitrogênio, fósforo, metais pesados e outros contaminantes – impactando fortemente a biota aquática.

 

Tundisi lembrou que, além de garantir água para o abastecimento humano, os ecossistemas aquáticos oferecem uma série de outros serviços de grande relevância econômica, como geração de hidroeletricidade, irrigação, transporte (hidrovia), turismo, recreação e pesca.

 

A mensuração do valor desses serviços ecossistêmicos é o objetivo do projeto “Pesquisas ecológicas de longa duração nas bacias hidrográficas dos rios Itaqueri e Lobo e represa da UHE Carlos Botelho, Itirapina, SP, Brasil (PelD)”, coordenado por Tundisi com apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

“São serviços estratégicos e fundamentais para o desenvolvimento do Estado de São Paulo. Sua valoração é de fundamental importância para a implantação de projetos de economias verdes, dando ênfase à conservação dessa estruturas de vegetação e áreas alagadas”, disse.

 

Na segunda palestra do encontro, Maria Victoria Ramos Ballester, pesquisadora do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP), apresentou estudos realizados na Amazônia com apoio da FAPESP que revelaram a importância dos rios no balanço de carbono na Bacia Amazônica, incluindo a floresta e os solos. Parte dos resultados foi divulgada em artigo publicado na revista Nature.

 

“Sempre se acreditou que quase todo o carbono da atmosfera absorvido pela Floresta Amazônica ficasse fixado no solo, mas mostramos que uma parcela significativa vai para os rios na forma de folhas, galhos e sedimentos. Esse material é decomposto por microrganismos e volta para a atmosfera”, explicou Ballester.

 

De acordo com a pesquisadora, as águas fluviais processam em nível global praticamente a mesma quantidade de carbono estimada para os sistemas terrestres – algo em torno de 2,8 petagramas (2,8 bilhões de toneladas) por ano.

 

Estudos do grupo mostraram que na porção central da Bacia Amazônica a quantidade de carbono nas águas era cerca de 13 vezes maior que a descarregada no oceano.

 

“As análises da composição isotópica mostraram que o carbono é originário principalmente de plantas jovens, de aproximadamente 5 anos. Ele é metabolizado rapidamente dentro do rio e retorna para a atmosfera. O metabolismo do carbono ocorre ainda mais rapidamente em rios pequenos”, contou Ballester.

 

Mas o intenso processo de ocupação da Amazônia e a consequente mudança no padrão de uso do solo têm alterado a ciclagem de nutrientes nos rios – elevando a quantidade de carbono e reduzindo o oxigênio dissolvido -, alertou a pesquisadora.

 

“A maior quantidade de matéria orgânica em suspensão na água, aliada à maior penetração de luz resultante da retirada das árvores, favorece o crescimento de uma gramínea conhecida como Paspalum, o que aumenta o consumo de oxigênio e o fluxo de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera”, contou.

 

Os efeitos da mudanças no habitat fluvial sobre a biota foi avaliado em um estudo realizado no âmbito do Projeto Temático “O papel dos sistemas fluviais amazônicos no balanço regional e global de carbono: evasão de CO2 e interações entre os ambientes terrestres e aquáticos”, coordenado pelo pesquisador Reynaldo Luiz Victoria.

 

O grupo do Cena analisou as transferências de nitrogênio e a biodiversidade de peixes de duas bacias interligadas em Rondônia, com 800 metros de extensão e as mesmas condições físicas. Uma das bacias, no entanto, era margeada por áreas de pastagem de gado e a outra possuía mata ciliar.

 

Os pesquisadores observaram que o rio que teve sua cobertura vegetal modificada apresentava apenas uma espécie de peixe, enquanto o curso da água cuja mata ciliar foi mantida possuía 35 espécies. Também houve alteração significativa da diversidade de espécies de invertebrados observada.

 

A desigualdade no acesso aos abundantes recursos hídricos existentes no território brasileiro foi tema da terceira e última palestra do encontro, proferida por Humberto Ribeiro da Rocha, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG/USP).

 

BIOTA Educação

O ciclo de conferências organizado pelo Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo em 2014 tem como foco os serviços ecossistêmicos.

 

Outros dois encontros estão programados para este semestre, com os temas: “Biodiversidade e mudanças climáticas” (relacionadas à perda de biodiversidade) e “Biodiversidade e ciclagem de nutrientes” (um exemplo é a influência da biodiversidade sobre a poluição e o equilíbrio de dióxido de carbono e oxigênio na atmosfera).

 

A iniciativa é voltada à melhoria do ensino da ciência da biodiversidade. Podem participar estudantes, alunos e professores do ensino médio, alunos de graduação e pesquisadores. Mais informações sobre os próximos encontros estão disponíveis em www.fapesp.br/8441. (Agência Fapesp)

 

2 – Pesquisa da UFMG dedica-se à revitalização da serra do Cipó

 

A região, há décadas, caracteriza-se pela morbidez dos mais áridos solos, em razão de intervenções degradantes, tal como a mineração

Uma das três variações da vegetação de altitude da América do Sul, os campos rupestres são ecossistemas naturais de regiões situadas acima de 900 metros e com afloramentos rochosos. Essas formações predominam na Cadeia do Espinhaço – reduto das espécies de mata atlântica e cerrado -, onde, por sua vez, localiza-se a Serra do Cipó. A região, há décadas, caracteriza-se pela morbidez dos mais áridos solos, em razão de intervenções degradantes, tal como a mineração. A região, reconhecida como um dos conjuntos naturais de maior abundância de espécies de plantas no mundo foi eleita como “palco” para intervenções de reabilitação do solo, desenvolvidas por cientistas do Departamento de Botânica do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “As espécies naturais do cerrado com maior ameaça de extinção concentram-se nessa ecorregião. Por isso, priorizamos os estudos com esse tipo de bioma”, explica o professor Geraldo Wilson Fernandes, coordenador do projeto.

 

Em 2001, ano de início da pesquisa, quase metade do terreno estava comprometida, com perda de espécies exclusivas do local – muitas das quais já à beira da extinção. O prognóstico era desfavorável, pois certos pontos haviam sido analisados, por especialistas, como irrecuperáveis. “Hoje, cerca de 40 hectares de área, o que inclui trechos inférteis há mais de 30 anos, foram revitalizados, e com espécies nativas”, explica Fernandes.

 

O objetivo central dos estudos era proporcionar condições de restaurar os solos degenerados da área sem aplicação de espécies estranhas ao bioma. “Atualmente, a prática da silvicultura usa, basicamente, as mesmas espécies em qualquer terreno, como pinus, eucaliptos e plantas de origem africana, a exemplo de capim meloso e braquiárias, que, por sua fácil adaptação ao solo e pela ausência de predadores naturais, apresentam comportamentos muito invasivos e descaracterizam o biossistema”, esclarece o professor. Segundo os pesquisadores, a atividade configura, ainda, um reflorestamento ilegítimo, pois a vegetação original não é recuperada.

 

Etapas de ação

O estudo envolveu mais de 50 espécies nativas da flora na Serra do Cipó, consideradas de tratamento complexo, devido à ausência de estudo pregresso capaz de fornecer embasamento técnico ao emprego desse tipo de vegetação na silvicultura. De acordo com o estudante de doutorado Daniel Negreiros Alves Pereira, que integra a equipe do projeto, as pesquisas partiram do levantamento de dados sobre a arquitetura genética das plantas, assim como da verificação dos nutrientes exigidos e do processo de adequação do solo. “Tratava-se, enfim, de trabalhar o conjunto de condições para cultivo e acondicionamento das espécies”.

 

Concluída tal etapa, os pesquisadores agregaram os conhecimentos fundamentais à cultura das espécies e seguiram à condução de testes laboratoriais de germinação, que apresentaram resultados promissores. “A partir de então, coletamos as referências necessárias para a manipulação dos vegetais em ambiente natural”, comenta Fernandes.

 

As pesquisas de campo foram desenvolvidas em área da Serra do Cipó onde se instalou um “laboratório vivo”, que contou com aporte financeiro da FAPEMIG e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Trata-se de estrutura híbrida, com ambientes naturais e laboratoriais e onde os 50 especialistas realizam monitoramento permanente, o que conferiu às pesquisas expertise sem precedentes no campo da reabilitação de terrenos degradados.

 

Em segundo plano, os pesquisadores concentraram esforços na prática da recuperação, ao usar, prioritariamente, as espécies endêmicas, aquelas com crescimento restrito à Serra do Cipó – e, à época, em risco de extinção. “Agora, temos áreas extensas cobertas por espécies que, há uma década, estavam próximas de desaparecer, como Coccolobacereifera, Collaeacipoensis, Chamaecristasemaphora, Kielmeyerapetiolaris, Diplusodonorbicularis e Velozziananuzae, conhecida por ‘canela-de-ema'”, lista Fernandes.

 

Novos estudos

Em função dos bons resultados relativos à recuperação das áreas, a pesquisa do ICB ramificou-se a outros ramos do conhecimento. Atualmente, em parceria com a Companhia Vale do Rio Doce, o grupo desenvolve, por exemplo, projeto que busca reabilitar terrenos degradados pela prática de mineração, em regiões conhecidas como “campos rupestres ferruginosos”. Outra investigação pretende recuperar área destruída pelo rejeito de ardósias. “Agora, aplicamos nosso conhecimento acerca da fitoecologia de Minas Gerais para verificar a adaptação das espécies vegetais na região, diante das modificações climáticas em curso”, explica o coordenador. (Assessoria de Comunicação Social / FAPEMIG)